SEM SOMBRAS DE GREY
Opinião » 2015-11-13 » José Ricardo Costa"Toda a parafernália verbal a respeito do sexo é violenta, castradora, contra-natura, culpabilizadora. Tão culpabilizadora, mas em sentido contrário, quanto séculos e séculos de moralismo cristão. Para além de pindérica, inestética e grosseira"
Se é verdade que embirro com a ideia de uma educação sexual, em cuja raiz se encontra uma visão racional e científica do sexo, não embirro menos com a totalitária ideologia sexual com que somos permanentemente doutrinados e catequizados através de uma comunicação social, seja esta mais séria ou menos séria, que mais parece ser escrita por pessoas que saíram de uma penitenciária, depois de 5 anos de abstinência. Uma ideologia que obriga a pensar que a vida gira em torno do sexo e, se não for esse o caso, dever-se-á pedir o apoio de especialistas, sobretudo psicólogos e sexólogos.
Acabo de folhear a revista Happy Woman, onde vou encontrar os mesmos artigos de sempre inspirados nesta opressiva, dogmática e unidimensional ideologia sexual que há décadas anseia transformar pessoas normais, que simplesmente gostam de sexo, numa espécie de doninhas em cio permanente e com a versatilidade de um contorcionista do circo Chen. Como se fica depois de se ler uma dessas revistas? Com a ideia de que se não se fizer sexo pelo menos três vezes por semana, se não se recorrer pelo menos a quinze posições, nos sítios menos ortodoxos, não passamos de umas miseráveis criaturas que fazem sexo com o entusiasmo e criatividade de um peixinho de aquário dois dias antes de morrer.
Por exemplo, a Margarida, 32 anos, diz ter cada vez mais a noção de que o seu casamento está a acabar. Porquê? Porque o sexo, que foi o motor de todos os seus relacionamentos, sérios ou não, tornou-se, agora que está casada com o Filipe, uma pasmaceira. Os preliminares foram à vida e o acto propriamente dito não dura mais do que uns miseráveis cinco ou sete minutos. Mais complexo é o caso da Helena, 25 anos, que namora há 5 meses com o Alexandre. Não tem dúvida de que o Alexandre é a pessoa certa, correndo tudo às mil maravilhas. O único problema é o sexo, em que «a lengalenga é sempre a mesma»: as mesmas posições, nos mesmos sítios e até a hora é quase sempre a mesma, ou seja, resumindo-se à penetração em três ou quatro posições diferentes, sempre depois da hora de jantar e sempre no quarto.
Já li o suficiente para ficar a perceber que restringir o sexo a três ou quatro posições pode fazer-nos sentir como se estivéssemos na cama a ver um filme do Manoel de Oliveira, adormecendo de tédio ao fim dos tais cinco ou sete minutos que é o tempo que dura o sexo da Margarida com o marido. Ou que limitar o sexo ao quarto, desprezando sítios como o lava-loiças, a casota do cão, o interior do carro dentro da garagem, a parte superior da máquina de lavar roupa durante a centrifugação, o chão da sala atrás dos cortinados ou uma escura e apertada despensa no meio de vassouras, aspirador e pacotes de cereais, pode tornar o sexo uma coisa tão excitante como passar as tardes a ver o Canal Parlamento na cela de uma prisão (com a idade que tenho devo dar graças a Deus por morar num modesto T2 e cuja garagem é colectiva). Mas também não é razão para desesperar uma vez que as revistas estão inundadas de especialistas que nos dão bons conselhos, ideias e até tácticas, transformando o sexo numa espécie de desporto radical que faz dos seus praticantes verdadeiros atletas olímpicos em busca de medalhas como a auto-estima, o auto-conceito, a plenitude existencial ou estar em sintonia com as mais gratificantes energias cósmicas de um universo do qual somos a parte mais importante, sobretudo quando se conseguem pelo menos meia-dúzia de orgasmos durante uma noite louca, acordando na manhã seguinte com vontade de gritar «I`M THE KING OF THE WORLD» (Ou THE QUEEN). E se o casal não se conseguir entender quando há divergência de energias, de libido, de desempenhos, haverá sempre os viagras masculinos ou femininos, umas macacadas pornográficas ou brinquedos para poderem ajudar a «salvar a relação» Para os mais conservadores e tímidos haverá sempre o psicólogo ou o sexólogo.
Certo? Não, errado. Toda esta parafernália verbal a respeito do sexo é violenta, castradora, contra-natura, culpabilizadora. Tão culpabilizadora, mas em sentido contrário, quanto séculos e séculos de moralismo cristão. Para além de pindérica, inestética e grosseira. Transformar o casal numa máquina de sexo e o casamento numa mansão dos prazeres, reduzir a felicidade e o sentido da vida ao desempenho sexual ou fazer da libido o núcleo da identidade pessoal é um erro que leva muita a gente a ter de o pagar caro, ainda que estupidamente e sem necessidade disso. Já não se aguenta tanto sexo, sendo altura de virar o disco e passar a ouvir uma música diferente.
SEM SOMBRAS DE GREY
Opinião » 2015-11-13 » José Ricardo CostaToda a parafernália verbal a respeito do sexo é violenta, castradora, contra-natura, culpabilizadora. Tão culpabilizadora, mas em sentido contrário, quanto séculos e séculos de moralismo cristão. Para além de pindérica, inestética e grosseira
Se é verdade que embirro com a ideia de uma educação sexual, em cuja raiz se encontra uma visão racional e científica do sexo, não embirro menos com a totalitária ideologia sexual com que somos permanentemente doutrinados e catequizados através de uma comunicação social, seja esta mais séria ou menos séria, que mais parece ser escrita por pessoas que saíram de uma penitenciária, depois de 5 anos de abstinência. Uma ideologia que obriga a pensar que a vida gira em torno do sexo e, se não for esse o caso, dever-se-á pedir o apoio de especialistas, sobretudo psicólogos e sexólogos.
Acabo de folhear a revista Happy Woman, onde vou encontrar os mesmos artigos de sempre inspirados nesta opressiva, dogmática e unidimensional ideologia sexual que há décadas anseia transformar pessoas normais, que simplesmente gostam de sexo, numa espécie de doninhas em cio permanente e com a versatilidade de um contorcionista do circo Chen. Como se fica depois de se ler uma dessas revistas? Com a ideia de que se não se fizer sexo pelo menos três vezes por semana, se não se recorrer pelo menos a quinze posições, nos sítios menos ortodoxos, não passamos de umas miseráveis criaturas que fazem sexo com o entusiasmo e criatividade de um peixinho de aquário dois dias antes de morrer.
Por exemplo, a Margarida, 32 anos, diz ter cada vez mais a noção de que o seu casamento está a acabar. Porquê? Porque o sexo, que foi o motor de todos os seus relacionamentos, sérios ou não, tornou-se, agora que está casada com o Filipe, uma pasmaceira. Os preliminares foram à vida e o acto propriamente dito não dura mais do que uns miseráveis cinco ou sete minutos. Mais complexo é o caso da Helena, 25 anos, que namora há 5 meses com o Alexandre. Não tem dúvida de que o Alexandre é a pessoa certa, correndo tudo às mil maravilhas. O único problema é o sexo, em que «a lengalenga é sempre a mesma»: as mesmas posições, nos mesmos sítios e até a hora é quase sempre a mesma, ou seja, resumindo-se à penetração em três ou quatro posições diferentes, sempre depois da hora de jantar e sempre no quarto.
Já li o suficiente para ficar a perceber que restringir o sexo a três ou quatro posições pode fazer-nos sentir como se estivéssemos na cama a ver um filme do Manoel de Oliveira, adormecendo de tédio ao fim dos tais cinco ou sete minutos que é o tempo que dura o sexo da Margarida com o marido. Ou que limitar o sexo ao quarto, desprezando sítios como o lava-loiças, a casota do cão, o interior do carro dentro da garagem, a parte superior da máquina de lavar roupa durante a centrifugação, o chão da sala atrás dos cortinados ou uma escura e apertada despensa no meio de vassouras, aspirador e pacotes de cereais, pode tornar o sexo uma coisa tão excitante como passar as tardes a ver o Canal Parlamento na cela de uma prisão (com a idade que tenho devo dar graças a Deus por morar num modesto T2 e cuja garagem é colectiva). Mas também não é razão para desesperar uma vez que as revistas estão inundadas de especialistas que nos dão bons conselhos, ideias e até tácticas, transformando o sexo numa espécie de desporto radical que faz dos seus praticantes verdadeiros atletas olímpicos em busca de medalhas como a auto-estima, o auto-conceito, a plenitude existencial ou estar em sintonia com as mais gratificantes energias cósmicas de um universo do qual somos a parte mais importante, sobretudo quando se conseguem pelo menos meia-dúzia de orgasmos durante uma noite louca, acordando na manhã seguinte com vontade de gritar «I`M THE KING OF THE WORLD» (Ou THE QUEEN). E se o casal não se conseguir entender quando há divergência de energias, de libido, de desempenhos, haverá sempre os viagras masculinos ou femininos, umas macacadas pornográficas ou brinquedos para poderem ajudar a «salvar a relação» Para os mais conservadores e tímidos haverá sempre o psicólogo ou o sexólogo.
Certo? Não, errado. Toda esta parafernália verbal a respeito do sexo é violenta, castradora, contra-natura, culpabilizadora. Tão culpabilizadora, mas em sentido contrário, quanto séculos e séculos de moralismo cristão. Para além de pindérica, inestética e grosseira. Transformar o casal numa máquina de sexo e o casamento numa mansão dos prazeres, reduzir a felicidade e o sentido da vida ao desempenho sexual ou fazer da libido o núcleo da identidade pessoal é um erro que leva muita a gente a ter de o pagar caro, ainda que estupidamente e sem necessidade disso. Já não se aguenta tanto sexo, sendo altura de virar o disco e passar a ouvir uma música diferente.
Caminho de Abril - maria augusta torcato » 2024-04-22 » Maria Augusta Torcato Olho para o meu caminho e fico contente. Acho mesmo que fiz o caminho de Abril. O caminho que Abril representa. No entanto, a realidade atual e os desafios diários levam-me a desejar muito que este caminho não seja esquecido, não por querer que ele se repita, mas para não nos darmos conta, quase sem tempo de manteiga nos dentes, que estamos, outra vez, lá muito atrás e há que fazer de novo o caminho com tudo o que isso implica e que hoje seria incompreensível e inaceitável. |
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia » 2024-04-10 » Jorge Carreira Maia Existe, em Portugal, uma franja pequena do eleitorado que quer, deliberadamente, destruir a democracia, não suporta os regimes liberais, sonha com o retorno ao autoritarismo. Ao votar Chega, fá-lo racionalmente. Contudo, a explosão do eleitorado do partido de André Ventura não se explica por esse tipo de eleitores. |
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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» 2024-04-22
» Maria Augusta Torcato
Caminho de Abril - maria augusta torcato |
» 2024-04-10
» Jorge Carreira Maia
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia |