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A banha da cobra

Opinião  »  2016-11-29  »  Helder Simões

Yo no creo en brujas, pero que las hay las hay! – Diz el Pueblo. Ao formular este raciocínio, o povo admite que todos os fenómenos devem ter uma explicação lógica, e que as justificações baseadas em conceitos mágicos devem ser consideradas um último recurso. Já no nosso parlamento o lema parecer ser: Yo creo en brujas, mismo que no las haga! O parlamento aprovou este mês, por iniciativa do BE e do CDS-PP, a isenção de IVA para as prestações de serviços no âmbito das terapêuticas não convencionais.

A iniciativa do BE foi aprovada com abstenção do PS e PCP e votos favoráveis dos restantes partidos, enquanto o projeto do CDS-PP foi aprovado com os votos do BE, CDS-PP, PEV e PAN e abstenção de PSD, PS e PCP. Em causa estão as terapêuticas não convencionais expostas na Lei n.º 71/2013, - jamais me ocorreria redigir um texto que enumerasse decretos e tudo, mas é preciso acentuar a importância da documentação, por oposição à bandalheira e à crendice - ou seja, fitoterapia, homeopatia, medicina tradicional chinesa, naturopatia, osteopatia, quiropraxia e acunpunctura.

Perdoem-me qualquer incorrecção de etiqueta(gem), mas não deixa de ser caricato que, no que respeita às “ciências ocultas”, as “tias” do CDS partilhem o mesmo ponto de vista que os “freaks” do BE.

Não consigo explicar, mas como estamos no campo da adivinhação, suponho que as primeiras não dispensem os efeitos relaxantes de uma boa massagem no lombo, e os últimos sobrevalorizem os efeitos alucinogénicos de alguns fitofármacos! Mas convenhamos, efeito terapêutico é outra coisa. Eu posso até apreciar o bem que me sabem os taninos e o resveratrol de um Cartuxa 2011, – fitofármacos que ainda vão pagando IVA - mas não posso afirmar que me vão safar de uma trombose.

Eu posso até supor que o mangostão, fruto rico em antioxidantes (facto), possa diminuir os radicais livres de oxigénio nocivos ao organismo, e que, por essa via, possa eventualmente contribuir para prevenir algumas doenças. Porém, antes de o empacotar e vender mais caro que a penicilina, alegando que previne todo o tipo de moléstias, é preciso conduzir ensaios clínicos que avaliem o benefício e potencial risco de qualquer intervenção terapêutica com mangostão. Caso contrário, o que se está a vender é um embustão. 

Nada me move contra as denominadas medicinas alternativas – até porque a convencional não é perfeita - desde que utilizem critérios científicos na análise de resultados e sejam submetidas ao mesmo escrutínio que a medicina convencional. Enquanto assim não for, estaremos no campo da suposição, e em muitos casos da charlatanice ou da bruxaria. O problema é que a fitoterapia, homeopatia, naturopatia, osteopatia e outras ias, não têm por base métodos científicos, não publicam dados de eficácia e segurança das suas práticas, e por isso não estão aprovadas por entidades independentes que regulam as terapêuticas, como o infarmed, a agência europeia do medicamento, ou a entidade reguladora da saúde. Aliás, faço aqui uma pequena ressalva para o caso da acunpunctura, uma prática inicialmente derivada da medicina tradicional chinesa. Não a acunpunctura do Yin e Yang, mas a acunpunctura médica, aperfeiçoada pelo acréscimo de conhecimentos da neuroquímica moderna. De facto, existe evidência científica publicada que demonstra algum benefício desta técnica em campos como a dor neuropática ou oncológica, ou na prevenção do vómito associado à quimioterapia, tendo sido alvo de escrutínio e aprovação, em contextos específicos, pela FDA e NIHS (entidades reguladoras dos EUA e Reino Unido).
Tornou-se comum surgirem doentes que recusam tomar medicamentos ditos convencionais, ou que os tentam substituir por produtos ditos “naturais”, muitas vezes até mais caros. O argumento frequentemente é tão sólido como isto: “Ó doutor, eu cá sou contra os químicos”. Ao que me apetece responder: “O Sr. Antunes refere-se ao papel químico ou ao 605 forte?”. Mas lá me contenho e tento explicar que muitos medicamentos ditos convencionais derivam de plantas, simplesmente foram purificados e doseados correctamente para maximizar o benefício, minimizando a toxicidade. Dou como exemplo a metformina. É o fármaco de eleição para a diabetes tipo 2 em todo o mundo, e deriva de uma planta: a Galega officinalis. Outros medicamentos foram de facto sintetizados, para assim melhor actuarem em receptores celulares ou em enzimas corporais. Contraponho que não faltam exemplos de produtos “naturais” potencialmente tóxicos. Os cogumelos são produtos naturais que contém substâncias químicas; uns são fontes de proteínas de alto valor biológico, alguns podem abrir as portas da percepção ou do tempo, outros ainda as da morgue. Já dizia o outro: “Todos os cogumelos são comestíveis, mas alguns só se comem uma vez”.

No fundo, a discussão entre medicamentos “naturais” e “químicos” é uma questão de semântica estéril.
Importa salientar que qualquer intervenção terapêutica, antes de aprovada, isentada ou comparticipada deve ser previamente estudada em ensaios clínicos avaliados por entidades competentes e independentes.

Costuma dizer-se que a saúde não tem preço, mas tem custos. Assim, é angustiante constatar que, num momento em que Portugal tem dificuldades enormes para sustentar o SNS e a segurança social, em que faltam profissionais qualificados no SNS, em que se faz um esforço colossal para comparticipar medicamentos inovadores e com benefícios comprovados, num contexto em que várias terapêuticas avançadas tardam ou nunca chegarão a Portugal por falta de verbas, venham alguns srs. deputados, na sua caverna obscura onde parece reinar a iliteracia científica - isentar de IVA a banha da cobra! Esta má decisão será paga por todos, para benefício de poucos, correndo-se o risco de que alguns doentes a paguem com sangue.

Para concluir, é preciso dizer que nós, médicos e cientistas, somos também culpados da iliteracia na área da medicina e pela desvalorização desta última. Embrenhados na nossas actividades assistencial ou de investigação altamente absorventes, permitimos que estas tarefas hercúleas nos roubassem o espaço necessário para transmitir o conhecimento científico à sociedade, e perdemos assim relevância social e política. A incomunicabilidade é a grande tragédia humana!

A comunicação médico-doente e a transmissão de conhecimento científico entre peritos e sociedade em geral são paradigmas frustrantes desse drama. É preciso que médicos e cientistas se façam ouvir e não abdiquem do seu papel social. Uma sociedade onde os peritos não saem do seu “laboratório” e onde os políticos não fazem a menor ideia do que por lá se passa, está condenada ao uso inapropriado do conhecimento.

* Médico especialista em Endocrinologia.

 

 

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