Há juízes, juízes e juízes
Opinião » 2008-12-30 » Santana-Maia Leonardo
Enfim, apesar de todos termos cursado Direito, a família acabou por não se especializar em nenhuma profissão específica do ramo. Talvez, por isso, nunca me tenha reconhecido naquela rivalidade tão típica que hoje existe entre advogados e magistrados. Aliás, nasci e cresci num ambiente completamente avesso a qualquer suspeição, por mínima que fosse, sobre a idoneidade dos magistrados judiciais.
E para além de poder contar hoje, no meu apertado círculo de amigos, com juízes de reconhecido mérito, tenho felizmente a honra de pertencer a uma família onde todos aqueles que seguiram a magistratura judicial chegaram a juízes conselheiros: o meu primo e ilustre penalista Lopes Maia Gonçalves, o meu primo direito Leonardo Dias e, finalmente, a minha mãe.
É, por isso, natural que hoje me doa, particularmente, quando constato que a degradação do sistema judicial a que todos vimos assistindo (e para a qual, diga-se, todos temos contribuído) começa também a afectar a classe dos magistrados, que eu, desde o berço, aprendi a reverenciar.
Mas afinal o que é que os meus avós e os meus pais me fizeram ver de especial num juiz para que eu os tenha em tanta conta?
A resposta é simples e evidente: porque é o juiz quem faz justiça. E essa responsabilidade enorme está obrigatoriamente ligada a duas qualidades indispensáveis ao exercício da funçã o bom senso e a preocupação em ser justo. Como costuma dizer, com uma certa graça, o meu primo Maia Gonçalves, «um juiz tem de ser necessariamente um homem bom e sensato. Ponto final. E, se possível letrado.»
Ora, aquilo que uma pessoa atenta começa a constatar é que, à magistratura judicial, começam a aportar não apenas indivíduos com a vocação de juiz, mas também doutrinadores e funcionários públicos.
Qual é a diferença? É que, ao contrário do juiz que procura fazer justiça, o doutrinador procura fazer doutrina e o funcionário público procura despachar processos. Ou seja, do doutrinador sai sempre a solução mais inesperada (para ser inovadora) e do funcionário público a solução mais fácil (para não dar muito trabalho).
Qualquer das duas hipóteses só serve para fazer abalar a fé do cidadão na justiça e nos tribunais. A justiça para ser justiça tem de ser justa. E para ser justa tem de ser inteligível aos olhos do cidadão.
Aqui há uns tempos instaurei, no mesmo dia e no mesmo tribunal, duas acções em tudo idênticas: o mesmo autor, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. Só variavam os réus: um era o vizinho do lado direito e o outro o vizinho do lado esquerdo. A uma acção foi atribuído o número par e à outra o número ímpar, o que fez com que fossem distribuídas a funcionários diferentes. Por esse motivo, enquanto a ”ímpar” foi julgada no prazo de 6 meses, a ”par” demorou mais de um ano a ser julgada. Acontece que, apesar de ter sido o mesmo juiz a presidir ao julgamento e a responder aos quesitos, a sentença do processo ”par” acabou por ser proferida pelo juiz que o veio substituir. Refira-se ainda que os factos dados como provados nos dois julgamentos foram absolutamente idênticos. No entanto, enquanto a sentença do processo ”ímpar” deu razão ao autor, a do processo ”par” deu razão aos réus.
Ainda hoje, o meu cliente não percebe por que razão ganhou uma acção e perdeu a outra. E, infelizmente, por mais que me esforce, também eu não consigo encontrar uma explicação plausível que o convença e me convença. A não ser que queiramos reduzir as legítimas expectativas do cidadão nos tribunais às expressões «há-de ser o que Deus quiser» ou «há-de ser o que calhar», tão características dos jogos de fortuna e de azar. Mas, nesse caso, vamos ter de deixar de chamar aos tribunais «DOMVS IVSTITIAE».
http://sol.sapo.pt/blogs/contracorrente
Há juízes, juízes e juízes
Opinião » 2008-12-30 » Santana-Maia LeonardoEnfim, apesar de todos termos cursado Direito, a família acabou por não se especializar em nenhuma profissão específica do ramo. Talvez, por isso, nunca me tenha reconhecido naquela rivalidade tão típica que hoje existe entre advogados e magistrados. Aliás, nasci e cresci num ambiente completamente avesso a qualquer suspeição, por mínima que fosse, sobre a idoneidade dos magistrados judiciais.
E para além de poder contar hoje, no meu apertado círculo de amigos, com juízes de reconhecido mérito, tenho felizmente a honra de pertencer a uma família onde todos aqueles que seguiram a magistratura judicial chegaram a juízes conselheiros: o meu primo e ilustre penalista Lopes Maia Gonçalves, o meu primo direito Leonardo Dias e, finalmente, a minha mãe.
É, por isso, natural que hoje me doa, particularmente, quando constato que a degradação do sistema judicial a que todos vimos assistindo (e para a qual, diga-se, todos temos contribuído) começa também a afectar a classe dos magistrados, que eu, desde o berço, aprendi a reverenciar.
Mas afinal o que é que os meus avós e os meus pais me fizeram ver de especial num juiz para que eu os tenha em tanta conta?
A resposta é simples e evidente: porque é o juiz quem faz justiça. E essa responsabilidade enorme está obrigatoriamente ligada a duas qualidades indispensáveis ao exercício da funçã o bom senso e a preocupação em ser justo. Como costuma dizer, com uma certa graça, o meu primo Maia Gonçalves, «um juiz tem de ser necessariamente um homem bom e sensato. Ponto final. E, se possível letrado.»
Ora, aquilo que uma pessoa atenta começa a constatar é que, à magistratura judicial, começam a aportar não apenas indivíduos com a vocação de juiz, mas também doutrinadores e funcionários públicos.
Qual é a diferença? É que, ao contrário do juiz que procura fazer justiça, o doutrinador procura fazer doutrina e o funcionário público procura despachar processos. Ou seja, do doutrinador sai sempre a solução mais inesperada (para ser inovadora) e do funcionário público a solução mais fácil (para não dar muito trabalho).
Qualquer das duas hipóteses só serve para fazer abalar a fé do cidadão na justiça e nos tribunais. A justiça para ser justiça tem de ser justa. E para ser justa tem de ser inteligível aos olhos do cidadão.
Aqui há uns tempos instaurei, no mesmo dia e no mesmo tribunal, duas acções em tudo idênticas: o mesmo autor, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. Só variavam os réus: um era o vizinho do lado direito e o outro o vizinho do lado esquerdo. A uma acção foi atribuído o número par e à outra o número ímpar, o que fez com que fossem distribuídas a funcionários diferentes. Por esse motivo, enquanto a ”ímpar” foi julgada no prazo de 6 meses, a ”par” demorou mais de um ano a ser julgada. Acontece que, apesar de ter sido o mesmo juiz a presidir ao julgamento e a responder aos quesitos, a sentença do processo ”par” acabou por ser proferida pelo juiz que o veio substituir. Refira-se ainda que os factos dados como provados nos dois julgamentos foram absolutamente idênticos. No entanto, enquanto a sentença do processo ”ímpar” deu razão ao autor, a do processo ”par” deu razão aos réus.
Ainda hoje, o meu cliente não percebe por que razão ganhou uma acção e perdeu a outra. E, infelizmente, por mais que me esforce, também eu não consigo encontrar uma explicação plausível que o convença e me convença. A não ser que queiramos reduzir as legítimas expectativas do cidadão nos tribunais às expressões «há-de ser o que Deus quiser» ou «há-de ser o que calhar», tão características dos jogos de fortuna e de azar. Mas, nesse caso, vamos ter de deixar de chamar aos tribunais «DOMVS IVSTITIAE».
http://sol.sapo.pt/blogs/contracorrente
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
|
Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
Eleições, para que vos quero! - antónio mário santos » 2024-02-22 Quando me aborreço, mudo de canal. Vou seguindo os debates eleitorais televisivos, mas, saturado, opto por um filme no SYFY, onde a Humanidade tenta salvar com seus heróis americanizados da Marvel o planeta Terra, em vez de gramar as notas e as opiniões dos comentadores profissionais e partidocratas que se esfalfam na crítica ou no elogio do seu candidato de estimação. |
» 2024-02-28
» Hélder Dias
O Flautista de Hamelin... |
» 2024-03-08
» Maria Augusta Torcato
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato |
» 2024-03-18
» Hélder Dias
Eleições "livres"... |
» 2024-03-08
» Jorge Carreira Maia
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia |
» 2024-03-08
» Pedro Ferreira
A carne e os ossos - pedro borges ferreira |