Desconhecido
Opinião » 2009-03-05 » Eduarda Gameiro
Os anciães da minha aldeia dizem que quem se aloja no mar, quem ergue paredes e tecto na inconstância das ondas feitas de sabor a sal e a infinito, arrisca-se a perder-se para sempre no horizonte, eternamente apaixonado e mais perto do céu do que qualquer homem… Já ouvi, até, dizer que alguns dos antigos marinheiros que se entregavam assim ao desconhecido se perdiam de propósito no caminho de regresso, pressentindo que nunca mais se haviam de sentir em casa em terra firme. Porém, no mundo actual, as rotas de navegação são definidas a milímetro, todo o mapa já foi descoberto e redescoberto e o ritmo das viagens de barco é pautado apenas pelo dinheiro poupado e pelo dinheiro ganho.
Hoje sabemos o que é que nos rodeia e conseguimos praticamente prever o que vai acontecer a seguir. Os meios de comunicação e a Internet aproximam de uma maneira assustadora as pessoas do conhecimento, e, na grande maioria dos casos, tornamo-nos melhores e mais eficazes por causa disso. Mas a paixão das antigas viagens marítimas, a magia de percorrer quilómetros e atravessar desafios supra-humanos para beber do conhecimento dos mestres, o simples desejo de viajar para descobrir, estão agora remetidos para a memória e para os livros. E a nós, condenados, como robôs, ao pragmatismo e privados do desconhecido, restam apenas as escassas oportunidades que vão surgindo para saborear o diferente: os diversos modos de interpretar ideias, a assimilação de experiências nas distintas culturas, as várias maneiras de saborear uma cerveja ou de entender um choro…
O Fantasporto é um festival de cinema fantástico que se realiza anualmente, constituindo talvez, na cidade do Porto, o último reduto significativo de filmes que não enverguem o selo de Hollywood. E, num país em que ver cinema é admirar Hollywood (que, embora nos ofereça várias obras de arte por ano, não deixa de se auto-limitar dentro de uma série de fronteiras comerciais e padronizadas), ter, simplesmente, a oportunidade de assistir, durante uma semana, a filmes falados em línguas a que não estamos habituados constitui uma lufada de ar fresco evidente, rara no meio desta ditadura de cimento que é a cidade.
Não quero cair no cliché de criticar a queda de qualidade que o Fantasporto tem vindo a sentir, como um animal ferido de morte pelos seus criadores famintos… Não vou falar nos preços elevados dos bilhetes, no recurso estranhamente recorrente aos mesmos mercados de cinema, na falta de fundos para a cultura ou no clima de incerteza que paira sobre o festival já há alguns anos, materializando-se sorrateiramente na possibilidade da edição seguinte não se realizar. Hoje, o meu único objectivo é louvar um espaço em que o diferente, o alternativo, está ao alcance de quem o procura.
Passei a última semana a navegar entre paixões coreanas e pesadelos indonésios. Vislumbrei magníficas ilhas desertas em cada vocábulo distante do inglês e em cada plano de filmagem diferente daqueles a que Hollywood nos limita. Vagueei à deriva entre filmes dos quais só conhecia uma curta (e, habitualmente, vaga) sinopse, sem saber se seriam bons ou maus e, sinceramente, sem me importar. Saboreei o desconhecido. E, hoje, saí do Rivoli algo perdido, sem saber se ia para casa ou se estava a abandona-la…
Desconhecido
Opinião » 2009-03-05 » Eduarda GameiroOs anciães da minha aldeia dizem que quem se aloja no mar, quem ergue paredes e tecto na inconstância das ondas feitas de sabor a sal e a infinito, arrisca-se a perder-se para sempre no horizonte, eternamente apaixonado e mais perto do céu do que qualquer homem… Já ouvi, até, dizer que alguns dos antigos marinheiros que se entregavam assim ao desconhecido se perdiam de propósito no caminho de regresso, pressentindo que nunca mais se haviam de sentir em casa em terra firme. Porém, no mundo actual, as rotas de navegação são definidas a milímetro, todo o mapa já foi descoberto e redescoberto e o ritmo das viagens de barco é pautado apenas pelo dinheiro poupado e pelo dinheiro ganho.
Hoje sabemos o que é que nos rodeia e conseguimos praticamente prever o que vai acontecer a seguir. Os meios de comunicação e a Internet aproximam de uma maneira assustadora as pessoas do conhecimento, e, na grande maioria dos casos, tornamo-nos melhores e mais eficazes por causa disso. Mas a paixão das antigas viagens marítimas, a magia de percorrer quilómetros e atravessar desafios supra-humanos para beber do conhecimento dos mestres, o simples desejo de viajar para descobrir, estão agora remetidos para a memória e para os livros. E a nós, condenados, como robôs, ao pragmatismo e privados do desconhecido, restam apenas as escassas oportunidades que vão surgindo para saborear o diferente: os diversos modos de interpretar ideias, a assimilação de experiências nas distintas culturas, as várias maneiras de saborear uma cerveja ou de entender um choro…
O Fantasporto é um festival de cinema fantástico que se realiza anualmente, constituindo talvez, na cidade do Porto, o último reduto significativo de filmes que não enverguem o selo de Hollywood. E, num país em que ver cinema é admirar Hollywood (que, embora nos ofereça várias obras de arte por ano, não deixa de se auto-limitar dentro de uma série de fronteiras comerciais e padronizadas), ter, simplesmente, a oportunidade de assistir, durante uma semana, a filmes falados em línguas a que não estamos habituados constitui uma lufada de ar fresco evidente, rara no meio desta ditadura de cimento que é a cidade.
Não quero cair no cliché de criticar a queda de qualidade que o Fantasporto tem vindo a sentir, como um animal ferido de morte pelos seus criadores famintos… Não vou falar nos preços elevados dos bilhetes, no recurso estranhamente recorrente aos mesmos mercados de cinema, na falta de fundos para a cultura ou no clima de incerteza que paira sobre o festival já há alguns anos, materializando-se sorrateiramente na possibilidade da edição seguinte não se realizar. Hoje, o meu único objectivo é louvar um espaço em que o diferente, o alternativo, está ao alcance de quem o procura.
Passei a última semana a navegar entre paixões coreanas e pesadelos indonésios. Vislumbrei magníficas ilhas desertas em cada vocábulo distante do inglês e em cada plano de filmagem diferente daqueles a que Hollywood nos limita. Vagueei à deriva entre filmes dos quais só conhecia uma curta (e, habitualmente, vaga) sinopse, sem saber se seriam bons ou maus e, sinceramente, sem me importar. Saboreei o desconhecido. E, hoje, saí do Rivoli algo perdido, sem saber se ia para casa ou se estava a abandona-la…
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia » 2024-04-10 » Jorge Carreira Maia Existe, em Portugal, uma franja pequena do eleitorado que quer, deliberadamente, destruir a democracia, não suporta os regimes liberais, sonha com o retorno ao autoritarismo. Ao votar Chega, fá-lo racionalmente. Contudo, a explosão do eleitorado do partido de André Ventura não se explica por esse tipo de eleitores. |
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
» 2024-04-10
» Jorge Carreira Maia
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