O Cine Clube
Opinião » 2009-03-19 » AnabelaSantos
Estudante de medicina, passava horas na Casa de Saúde. Discutindo com o Dr. Augusto Amora os casos clínicos internados. O Dr. João Carvalho chamou-me um dia ao bloco operatório e mandou-me desinfectar. Devagarinho. Sob sua orientação. Cheio de medo, mas com uma imensa alegria. Ajudei à minha primeira apendicectomia. Muitas tardes, fechava-me na biblioteca do Dr. Amora. E ficava horas a ler. Ali comecei a conhecer Frederico Garcia de Llorca. Quando me colocou o livro diante dos meus olhos. E me disse – olhe esta maravilha.
Mergulhei na leitura do ”poema de uma multidão que urina”. E aí cheio de sonhos de um futuro médico. Tive a grande chicotada. De se me tornar evidente. Toda a miséria do mundo. Passava das oito da noite quando terminadas as consultas. Me entre porta dentro e me levou com ele a jantar no Rogério. Depois, passámos toda a Rua da Levada e fomos ver o filme ”Senso” de Luchino Viconti (traduzido para português com o nome de ”sentimento”).
Há-de reparar, disse-me ele por detrás dos óculos grossos. Há-de reparar, nota bem, se alguma coisa neste filme lhe é novo. Tive a sorte de estar atento e ter observado pela primeira vez, o uso da cor na linguagem cinematográfica. De facto, sempre que o clima de paixão era evidente. Os céus tomavam uma cor avermelhada.
Regressado a Lisboa, fui inscrever-me no ABC cine-clube de Lisboa. E assinar a revista Vértica, de grande carga de esquerda – como hoje se diria. Ali fiquei, no Teatro Monumental sem entender nada do filme ”A Porta do Inferno”, de Akira Kurosava. Mas tendo iniciado a compreensão de o gesto era importante e universal. Para se compreender o sentido das coisas. Sobretudo quando olhava um filme japonês. E achava quase ridícula a linguagem gestual. Se comparada com a europeia.
Foi pois com interesse que li o diálogo de Canais Rocha com Nuno Guedelha, actual director do cine-clube.
O tempo era curto nas férias e só fui duas ou três vexes. A sessões do cine-clube. Homens como Canais Rocha – tão humilde na sua imensa cultura – como o Dr. Canelas e outros. Fizeram com que o cine-clube de Torres Novas. Tivesse um nome quase nacional. Se o Dr. Amora deu uma grande ajuda. É desconhecer por completo o que se conhece dele. E da história. Traçando-lhe um perfil de colagem ao regime de Salazar. Como importante para ”segurar” o perfil do clube.
Guimarães Amora era um homem de esquerda. Mas de uma cultura acima da média. Fundamental para nos fazer meditar, interpretar e sentir a ”mensagem” do que nos rodeava. Desde a divulgação de revistas de cultura, ao Choral Phydellius. Porque ser de esquerda é possuir uma carga cultural capaz de abrir novos horizontes aos outros.
Publico hoje um quadro ”O almoço na hierva”, de Eduard Manet.
Estava a estudar este quadro, com a ajuda do livro ”A Pintura”, do Varela Aldemira. Quando de repetente a sua cópia me foi arrancada das mãos. E eu, aos meus dezassete anos, último que passava no colégio dos jesuitas. Fui ameaçado de ser imediatamente expulso. Porque um seminarista principiante. Achou que estava a ver revistas pornográficas: valeu-me a cultura do Reitor, que após curto interrogatório. Disse para o atrapalhado seminarista: Não queria confundir história de arte com pornografia.
Recordem só o que para aí foi, com a exposição. Numa livraria. Do livro com a reprodução de Gustavo Courbet de seu quadro a origem da vida.
O perigo da democracia de 2009. Quando se não segura a nenhuma base cultural.
Como a Sr.ª Ministra da Saúde. Imprópria para modelo de Courbet.
O Cine Clube
Opinião » 2009-03-19 » AnabelaSantosEstudante de medicina, passava horas na Casa de Saúde. Discutindo com o Dr. Augusto Amora os casos clínicos internados. O Dr. João Carvalho chamou-me um dia ao bloco operatório e mandou-me desinfectar. Devagarinho. Sob sua orientação. Cheio de medo, mas com uma imensa alegria. Ajudei à minha primeira apendicectomia. Muitas tardes, fechava-me na biblioteca do Dr. Amora. E ficava horas a ler. Ali comecei a conhecer Frederico Garcia de Llorca. Quando me colocou o livro diante dos meus olhos. E me disse – olhe esta maravilha.
Mergulhei na leitura do ”poema de uma multidão que urina”. E aí cheio de sonhos de um futuro médico. Tive a grande chicotada. De se me tornar evidente. Toda a miséria do mundo. Passava das oito da noite quando terminadas as consultas. Me entre porta dentro e me levou com ele a jantar no Rogério. Depois, passámos toda a Rua da Levada e fomos ver o filme ”Senso” de Luchino Viconti (traduzido para português com o nome de ”sentimento”).
Há-de reparar, disse-me ele por detrás dos óculos grossos. Há-de reparar, nota bem, se alguma coisa neste filme lhe é novo. Tive a sorte de estar atento e ter observado pela primeira vez, o uso da cor na linguagem cinematográfica. De facto, sempre que o clima de paixão era evidente. Os céus tomavam uma cor avermelhada.
Regressado a Lisboa, fui inscrever-me no ABC cine-clube de Lisboa. E assinar a revista Vértica, de grande carga de esquerda – como hoje se diria. Ali fiquei, no Teatro Monumental sem entender nada do filme ”A Porta do Inferno”, de Akira Kurosava. Mas tendo iniciado a compreensão de o gesto era importante e universal. Para se compreender o sentido das coisas. Sobretudo quando olhava um filme japonês. E achava quase ridícula a linguagem gestual. Se comparada com a europeia.
Foi pois com interesse que li o diálogo de Canais Rocha com Nuno Guedelha, actual director do cine-clube.
O tempo era curto nas férias e só fui duas ou três vexes. A sessões do cine-clube. Homens como Canais Rocha – tão humilde na sua imensa cultura – como o Dr. Canelas e outros. Fizeram com que o cine-clube de Torres Novas. Tivesse um nome quase nacional. Se o Dr. Amora deu uma grande ajuda. É desconhecer por completo o que se conhece dele. E da história. Traçando-lhe um perfil de colagem ao regime de Salazar. Como importante para ”segurar” o perfil do clube.
Guimarães Amora era um homem de esquerda. Mas de uma cultura acima da média. Fundamental para nos fazer meditar, interpretar e sentir a ”mensagem” do que nos rodeava. Desde a divulgação de revistas de cultura, ao Choral Phydellius. Porque ser de esquerda é possuir uma carga cultural capaz de abrir novos horizontes aos outros.
Publico hoje um quadro ”O almoço na hierva”, de Eduard Manet.
Estava a estudar este quadro, com a ajuda do livro ”A Pintura”, do Varela Aldemira. Quando de repetente a sua cópia me foi arrancada das mãos. E eu, aos meus dezassete anos, último que passava no colégio dos jesuitas. Fui ameaçado de ser imediatamente expulso. Porque um seminarista principiante. Achou que estava a ver revistas pornográficas: valeu-me a cultura do Reitor, que após curto interrogatório. Disse para o atrapalhado seminarista: Não queria confundir história de arte com pornografia.
Recordem só o que para aí foi, com a exposição. Numa livraria. Do livro com a reprodução de Gustavo Courbet de seu quadro a origem da vida.
O perigo da democracia de 2009. Quando se não segura a nenhuma base cultural.
Como a Sr.ª Ministra da Saúde. Imprópria para modelo de Courbet.
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia » 2024-04-10 » Jorge Carreira Maia Existe, em Portugal, uma franja pequena do eleitorado que quer, deliberadamente, destruir a democracia, não suporta os regimes liberais, sonha com o retorno ao autoritarismo. Ao votar Chega, fá-lo racionalmente. Contudo, a explosão do eleitorado do partido de André Ventura não se explica por esse tipo de eleitores. |
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
» 2024-04-10
» Jorge Carreira Maia
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia |