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O Aviador

Opinião  »  2010-08-27  »  Né Ladeiras

”Tudo tem o seu tempo determinado e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou” – Ec 3:1-2

É noite de estrelas com quarto crescente. Olho através da janela rasgada que dá para o jardim seguindo os movimentos de início de noite dos visitantes que se vão chegando. Uns trepam às árvores, outros farejam cuidadosamente os troncos e esfregam-se nas plantas que foram regadas ao fim da tarde. Cheira a terra molhada e a uvas morangueiras. Dentro da casa o chá de lúcia-lima, acabada de colher, aromatiza o alpendre da janela rasgada sobre o jardim. A terra que já teve rosas e hortelã aguarda agora que lhe revolvam as entranhas e a preparem para outras oportunidades. Tempo para abraçar e tempo para se separar. Quais são as minhas possibilidades? Estou num caminho desconhecido sem saber o que imaginar. As minhas certezas ruíram (talvez não fossem bons planos), não sei por onde começar, nem se quero continuar. Há um tempo que se esgota e determina a nossa permanência que de repente passa a outra coisa. Acho que chegou o tempo de morrer e de apagar o que se estiolou. Não me apetece sentir o que sinto, nem ser o que já não quero ser mais. Não acredito nas palavras penhoradas pela falta de jeito duma verdade que se esconde. Colocam-se intenções que se pensam as melhores, mas tudo acaba em silêncio. Tempo para calar e tempo para falar. O chá está pronto, no jardim os visitantes aconchegam-se. Toca o telefone que me traz novas sobre o estado de saúde do meu pai. Admiro-lhe a estatura e a constituição física do aviador-desportista, a queda para a música e o gosto pela leitura, a rapidez dos cálculos matemáticos e as soluções intrincadas de engenharia que projectava e, também, o romantismo e a habilidade para a dança que partilhava com a minha mãe. Está a reagir bem, conta o meu irmão, acordou e disse que tinha excelentes novidades para todos. A minha irmã levou-lhe o rádio com os headphones, para ouvir o mundo pela Antena1. Há um programa de música jazz que ele adora e lhe recorda a América que tanto amou. A Menina Dança? É assim que revisita o Louisiana e os bares dos negros de New Orleans, que depois de colherem o algodão se entregavam aos blues onde já muitos deles jazem e o meu pai com o sonho americano cortado ao meio, a voar pelos limites dos céus no seu fato de couro, a descrever-se nos loopings da alma em postais ilustrados com destino ao Porto, a treinar canções da moda para os serões de anos que me iriam acontecer.

Sinto falta de Setembro, da casa dos avós, da família numerosa e barulhenta, da capela onde se sussurrava entre véus e terços, dos picnics sobre os penedos com a vista a perder-se, da voz do meu pai a cantar ”you are my sunshine, my only sunshine”, das tempestades que se abatiam sobre vales e montes e que nos obrigava a fechar as janelas rasgadas do casarão, do meu pai contar que no deserto Mojave assistiu a muitas sobre o maior cemitério de aviões e que a temperatura dos relâmpagos era três vezes mais elevada que a da superfície do sol, das vozes das tias-avós a redobrarem-se nesta altura em rezas a Santa Bárbara por tamanho castigo vindo do céu. Tempo para destruir e tempo para construir. Depois dizem-me que as energias estão a ser trabalhadas numa rapidez irreversível, que há muito trabalho pela frente, que nos está a ser pedida uma entrega sem resistências, que são tempos de profundas mudanças e que haverá perdas, mas que ascenderemos. O que fui? O que sou? Não sei, nem sei se me procuro desse modo. Há pessoas com uma certeza molecular que me aflige de tanta precisão. Não sei se são as mais felizes, mas enquanto detonam o pior que têm dentro delas socorrem-se ao mesmo tempo. Eu afundo-me nas incertezas e imperfeições do meu ADN. Duvido dele, do meu resultado em desalinho. Lá fora é perfeito. A natureza fala com o céu e a lua em quarto crescente responde em nome de todos os corpos etéreos. Estão ligados às raízes com o grande sol central e este com o interior de todos os elementos naturais. Ciclo perfeito. Os visitantes dormem pela noite dentro enquanto os observo da janela iluminada pela luz exterior, que não chega para me cegar. Tempo para ganhar e tempo para perder. Este canto da vida, meu desde o início, atravessa um tempo determinado a deslocar-me no tempo. Mesmo que eu não queira ser um aviador.

Ao som de: Turn! Turn! Turn! The Birds (Turn! Turn! Turn! - 1966)

O meu pai partiu para o imenso céu na madrugada de 24 de Agosto.

 

 

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