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A estória da laranja

Opinião  »  2010-11-11  »  Né Ladeiras

Nada que possa ser dito de novo.

Tu sabes quando não há vontade nem espaço para o excesso do pouco que nos tomou. Perder, quando nem se chegou a ter, é absurdo. Eis o que não há, as coisas ridículas que os encontros sugerem, o coup de foudre cinematográfico, a deixa memorável, o gesto que diz tudo, a timidez inicial, o à vontade que se vai ganhando, os anos a passar, a vida a fazer slaloms à direita e à esquerda, até à constatação de tanto caminho a metro, e de nada haver mais para fazer, a não ser o desenrolar do tecido grosseiro que resta. Afinal, a estória foi um caso isolado, sim, nos idos da juventude arrebatadora, em que se fabricam almas gémeas ao ritmo do fretless frenético de Pastorious, metades de laranja espalhadas em gomos, projectos cruéis em que se apagam uns tantos para acender outros, porque, infelizmente, as almas gémeas não vieram a este mundo para coroar o nosso esforço celular, e há revoluções a fazer, urgentes e imparáveis, e o caso é que nem toda a gente é escolhida para essa tarefa, não das revoluções, mas de receber em festa uma parte do gomo e guardá-lo para si. No filme que foi passando ele reparou com medo, meio desapontado com a legenda final, a falta de retorno da sua metade, e a extinção de emendas criativas que alindavam o equívoco. E depois, como descalças o sapato que nunca te coube? Porque fingiste que era teu? Terá sido fundamental este guião de aventura e, até acredito, alguma da tua verdade no enchimento a vácuo da tua vida, meia inanimada, mas chegada a hora concreta, passo em frente, descalçaste-o para correr melhor, ficando a uma distância segura do gomo que nem é metade e nunca foi, honestamente, o teu mundo. Vês como se geram problemas de saúde?

Pastorious também se equivocou, mas esse teve o mundo a seus pés, o que quis e quanto quis, depois resolveu que nada era suficiente, deu um pontapé nos ténis que foram à vida, não como o teu stilleto, que ainda guardas para um caso de necessidade, aquele foi mais honesto, passou a ser visto como era, deixou o fretless, deixou de tocar, arranjou desacatos por onde passava inconformado com a falta da laranja inteira, partiu para um canto sinuoso da mente, deixou-se lá ficar e, um dia, quis acabar com tudo e acabou com ele. Tu sabes bem o que fazes, e fazes bem, és só qualidades, uma vida promissora, grandes conquistas, imensos projectos, uma garça em altos voos e lá do alto, de cima do teu longo bico, consegues lanças um olhar lânguido para a poça de sangue que alguém esvai por ti. Nas reviravoltas experientes que traças no céu, ouve-lo dizer coisas sem nexo como, a morte é aceitável, mas neste desamparo não sou capaz de morrer, sem a que me faz sofrer, a que se tornou dor no meu coração, seja salva de todo o mal do mundo. Tudo é preferível, mesmo o resto que mais ninguém quer, a ter de passar pela hecatombe invisível, apanhado sem um aviso, pelo telefone sem bateria, comunicação interrompida quanto esclarecedora, com a última palavra a bater como um gong dentro da cabeça. Remetes a surpresa ao silêncio ferido na metade do gomo, revês cada momento encaixado na parte da laranja que não percebeste, e analisas onde foi que se perdeu o gosto da promessa sumarenta. Ela disse que já não gosta de mim. Disse? Não disse bem isso, deu a entender, está com problemas, não tem uma vida fácil. Sim… e a tua é? Mas ela é a minha metade! Claro… uma metade que sabe viver muito bem sozinha. Ela não sofre de ausência, sofre da tua presença, não pode mais. É uma garça em pleno voo, tu subsistes abaixo para lhe ver as marcas deixadas do pouco que toca no chão. Almas gémeas sobem juntas ao infinito, dizem. O resto que não é assim chama-se solidão, dizem. Depois de algum tempo em silêncio vem uma certeza como um clarão que cala os meus argumentos. Eu acredito, clamas triunfal, que pessoas como nós não se abandonam, vivem enlaçadas por atóis toda a vida. E é lá que ficam para sempre. Possivelmente com um véu de misericórdia a cobrir a só a casca. Acrescento.
 

Música: Word of Mouth – Jaco Pastorious (Word of Mouth, 1981)

 

 

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