Subir a montanha
Opinião » 2011-04-14 » Miguel Vale de Almeida
Acontece que o Portugal dos inícios dos oitentas quase não se pode comparar com o de hoje. Se excluirmos algum dinamismo, na cultura e nas sociabilidades, que se viveu então – alegre e atrevido e mais cosmopolita, em reação a um certo sisudismo hiperpolitizado da revolução – Portugal era um lugar desgraçado. Melhorámos, e muito, em todos os índices de desenvolvimento, incluindo os que têm a ver com o ar que se respira e não só nos aspetos materiais.
Acontece também que o discurso recorrente sobre o país falhado é desadequado em dois aspetos. Em primeiro lugar, porque muitos (todos?) os países passaram ou podem passar por situações de ”falhanço”; e sem linearidade, antes com altos e baixos. Pense-se nos EUA da Grande Depressão, nos retrocessos que se vivem no Reino Unido agora, na Irlanda da fome da batata, na do tigre celta e na de hoje. Etc, etc. Em segundo lugar, porque muitas outras sociedades alimentam imagens de si mesmas do mesmo tip pense-se no Brasil, onde coexiste sempre um discurso sobre o falhanço e outro sobre o potencial, por exemplo.
Vamos passar tempos muito, muito duros. Mas não podemos continuar a ver-nos com as lentes dos que, ainda hoje, parecem ter parado no século XIX do Ultimatum britânico ou no colapso da Primeira República. Temos de ter uma visão mais contemporânea, mais ciente de que tudo na vida acontece em altos e baixos, em ciclos e contraciclos, e que ninguém está destinado a nada – a não ser ao livre arbítrio e à capacidade de arregaçar mangas. Tarefas para as quais - ?e para lá da fundamental exigência e participação democráticas - o sentido de humor, a criatividade e o sonho ajudam. Muito.
Nas últimas duas décadas cometemos asneiras. Vivemos de crédito, sonhámos com a benesse fácil da UE e do Euro? Sim. Escolhemos apostas e prioridades erradas? Sim. Vingámo-nos de longos períodos anteriores de humilhação? Sim. Mas exigimos mais, melhorámos muito, construímos vidas públicas e privadas mais próximas do que queríamos e merecíamos, mais afastadas do que nos diziam ser o nosso destino. Agora trata-se de fazer o mesmo, com a sabedoria duramente adquirida de sabermos por onde não devemos nem podemos ir.
Falhou um modelo e falhou um modo. E falharam ambos em circunstâncias de falhanço de modelos e modos que estão para lá da nossa capacidade de os gerir e de lhes reagir. Se não devemos sacudir a água do capote, e culpar o ”mundo”, também não devemos aceitar a narrativa deste sobre nós. Só alimentaríamos o pior das piores ideias que temos de nós mesmos - preguiça, dependência, falta de visão e planeamento, desenrrascanço e fé num papá que nos salvará.
Precisamos tanto dos velhos discursos e análises derrotistas, provincianamente derrotistas, com que nos massacram em crónicas de jornais e debates nas TVs, como precisamos do racismo de alguns norte-europeus sobre as supostas incapacidades dos povos do Sul. Precisamos, sim, de autocrítica sobre as escolhas que temos feito, nas nossas vidas privadas e públicas, de crítica sobre os defeitos éticos nas nossas vidas privadas e públicas, de crítica sobre o modo irracional e não-democrático como funciona a atual, a recente fase quer do capitalismo quer da Europa. Precisamos disso não para baixar braços, mas para subir a montanha outra vez, como a que, bem vistas as coisas, subimos desde os anos 70.
Subir a montanha outra vez. Com melhor equipamento, que isto já não é os anos oitenta. Assobiando, apesar de tudo e por causa de tudo. Upa!
Subir a montanha
Opinião » 2011-04-14 » Miguel Vale de AlmeidaAcontece que o Portugal dos inícios dos oitentas quase não se pode comparar com o de hoje. Se excluirmos algum dinamismo, na cultura e nas sociabilidades, que se viveu então – alegre e atrevido e mais cosmopolita, em reação a um certo sisudismo hiperpolitizado da revolução – Portugal era um lugar desgraçado. Melhorámos, e muito, em todos os índices de desenvolvimento, incluindo os que têm a ver com o ar que se respira e não só nos aspetos materiais.
Acontece também que o discurso recorrente sobre o país falhado é desadequado em dois aspetos. Em primeiro lugar, porque muitos (todos?) os países passaram ou podem passar por situações de ”falhanço”; e sem linearidade, antes com altos e baixos. Pense-se nos EUA da Grande Depressão, nos retrocessos que se vivem no Reino Unido agora, na Irlanda da fome da batata, na do tigre celta e na de hoje. Etc, etc. Em segundo lugar, porque muitas outras sociedades alimentam imagens de si mesmas do mesmo tip pense-se no Brasil, onde coexiste sempre um discurso sobre o falhanço e outro sobre o potencial, por exemplo.
Vamos passar tempos muito, muito duros. Mas não podemos continuar a ver-nos com as lentes dos que, ainda hoje, parecem ter parado no século XIX do Ultimatum britânico ou no colapso da Primeira República. Temos de ter uma visão mais contemporânea, mais ciente de que tudo na vida acontece em altos e baixos, em ciclos e contraciclos, e que ninguém está destinado a nada – a não ser ao livre arbítrio e à capacidade de arregaçar mangas. Tarefas para as quais - ?e para lá da fundamental exigência e participação democráticas - o sentido de humor, a criatividade e o sonho ajudam. Muito.
Nas últimas duas décadas cometemos asneiras. Vivemos de crédito, sonhámos com a benesse fácil da UE e do Euro? Sim. Escolhemos apostas e prioridades erradas? Sim. Vingámo-nos de longos períodos anteriores de humilhação? Sim. Mas exigimos mais, melhorámos muito, construímos vidas públicas e privadas mais próximas do que queríamos e merecíamos, mais afastadas do que nos diziam ser o nosso destino. Agora trata-se de fazer o mesmo, com a sabedoria duramente adquirida de sabermos por onde não devemos nem podemos ir.
Falhou um modelo e falhou um modo. E falharam ambos em circunstâncias de falhanço de modelos e modos que estão para lá da nossa capacidade de os gerir e de lhes reagir. Se não devemos sacudir a água do capote, e culpar o ”mundo”, também não devemos aceitar a narrativa deste sobre nós. Só alimentaríamos o pior das piores ideias que temos de nós mesmos - preguiça, dependência, falta de visão e planeamento, desenrrascanço e fé num papá que nos salvará.
Precisamos tanto dos velhos discursos e análises derrotistas, provincianamente derrotistas, com que nos massacram em crónicas de jornais e debates nas TVs, como precisamos do racismo de alguns norte-europeus sobre as supostas incapacidades dos povos do Sul. Precisamos, sim, de autocrítica sobre as escolhas que temos feito, nas nossas vidas privadas e públicas, de crítica sobre os defeitos éticos nas nossas vidas privadas e públicas, de crítica sobre o modo irracional e não-democrático como funciona a atual, a recente fase quer do capitalismo quer da Europa. Precisamos disso não para baixar braços, mas para subir a montanha outra vez, como a que, bem vistas as coisas, subimos desde os anos 70.
Subir a montanha outra vez. Com melhor equipamento, que isto já não é os anos oitenta. Assobiando, apesar de tudo e por causa de tudo. Upa!
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia » 2024-04-10 » Jorge Carreira Maia Existe, em Portugal, uma franja pequena do eleitorado que quer, deliberadamente, destruir a democracia, não suporta os regimes liberais, sonha com o retorno ao autoritarismo. Ao votar Chega, fá-lo racionalmente. Contudo, a explosão do eleitorado do partido de André Ventura não se explica por esse tipo de eleitores. |
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
» 2024-04-10
» Jorge Carreira Maia
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