Amasso Friday
Opinião » 2018-12-07 » Miguel Sentieiro"Não me sai da cabeça o pobre do Iphone, tão sossegadinho no escaparate, ver entrar por aquela porta centenas de loucos"
Vi as imagens daquela massa humana compactada à porta da loja de aspiradores na tal Black Friday. Numa primeira análise temo confessar que também embarquei na tese “ o que passa na cabeça destes mentecaptos para, numa 6ª feira de manhã, se sujeitarem a uma espera de horas neste degredo massivo?”. Depois de alguma reflexão, decidi ver o lado White do cenário Black. Em primeiro lugar, realçar a forma ordeira como a maralha estava no epicentro do aperto: nem um grito, nem um espilro, nem uma bufa. Denota civismo, espírito de grupo, ou simplesmente medo de apanhar uma lambreta do barbudo do lado, no caso de um flatulente descuido. Depois, percebe-se que muita daquela rapaziada já está habituada ao encosto. Uns por se sentirem bem no aconchego afectivo com desconhecidos, outros com experiência no treino do amasso; muitas horas nos estádios, concertos de rock, festas na Urban e outros simplesmente porque compraram uma colónia Old Spice e querem compartilhar o seu odor. A génese da indignação e reprovação coletiva teve a ver com a motivação de base que levou o grupo para aquela dolorosa espera: a possibilidade da compra de um superficial objecto tecnológico a preço de saldo. E depois? E as miúdas que arrastam as mães para guardar lugar 48 horas antes para o concerto do Justin Bieber? o adepto que fica 8 horas à frente do hotel do Ronaldo, só para ver os vidros fumados do bentley? A sujeição a três horas de espera por um autógrafo e um beijo na testa do Tony Carreira? Ao menos ali um tipo tinha desconto…de 20%(?) nos exaustores.
Gostaria de enaltecer a forma atlética como os primeiros da fila arrancaram a velocidades de fazer inveja a qualquer jamaicano. “Epá eu só saí naquela mecha porque um caramelo me beliscou o traseiro na hora em a porta abriu???”. “Não te queixes ó Antunes, que eu aqui na 4ª fila da molhada, não foi um beliscão que senti no traseiro! Fui de pés no ar até à secção dos DVDs!!!”. Não podemos de facto ignorar esta riqueza de desempenho físico do velocista Antunes que conseguiu mandar as mãos ao Iphone em primeiro lugar depois de derrubar a prateleira dos tinteiros de impressora e do seu amigo Barata, que teve de passar pela mesma sensação de um jogador râguebi com a cabeça dentro da melee para conseguir mandar as unhas ao forno da bosh de 2500 wats. Os tipos da 25ª fila levaram qualquer coisa para casa além das nódoas negras? É claro que havia material tecnológico para todos os afoitos. Com sorte chegaram contentes ao lar, com a camisola rasgada, sem uma sapatilha, mas com um estojo muito engraçado para guardar a máquina fotográfica.
Deixo também aqui, o elogio sentido para os pobres e incrédulos seguranças que conseguiram sair incólumes deste tsunami de lutadores em fúria. Encostados ao pilar no arranque da “manada” , aí se mantiveram até não haver mais panelas de pressão nas prateleiras. Se houve roubos, naquela confusão? Não se aperceberam de nada, pelo menos quando olharam de soslaio para o caos, na sua inerte posição de guarda ao pilar exterior.
Ao constatar o desempenho daquela malta solícita, senti a esperança de que temos ali massa humana para enfrentar os desafios que o país enfrenta. Só precisamos de canalizar toda esta energia para causas e trabalhos coletivos de relevo: a limpeza das matas, …tem 20% de desconto?..., a angariação de alimentos para os mais desprotegidos,… o desconto é bom?..., a luta efetiva pelo mau funcionamento da justiça… e os 20%?… ainda fazem? A despoluição do rio Tejo… para testar o meu samsung à prova de água que comprei na Worten com 20% de desconto?... boa!!!
Não me sai da cabeça o pobre do Iphone, tão sossegadinho no escaparate, ver entrar por aquela porta centenas de loucos aos empurrões na sua direção. Até aí, na altivez do seu preço astronómico, apenas tinha contactado com parcas e refinadas mãos de alguns mais favorecidos. Nesse momento é arrancado à força pela rude e desesperada manápula do Antunes que, de olhos esbugalhados, grita: “F****se! Então é por este desconto de m**da que eu estive 5 horas com o nariz encostado no vidro, aconchegado na retaguarda pelas adiposidades do tipo de 90 kg que se despediu de mim com um vigoroso beliscão no traseiro???”. A contragosto e a vociferar palavrões, lá pagou o Iphone com um desconto significativo de 20 euros. Encontrou no exterior o seu amigo Barata com um lanho na cabeça, agarrado ao forno bosh de 2500 wats. “Epá ó Antunes, isto hoje foi difícil! Esteve ao nível daquele jogo da liga dos campeões, o do 0-0, em que andou tudo à estalada!”
Depois daquela experiência, os dois amigos rumaram até casa com o espólio tecnológico caçado e eis que surge uma enorme fila junto da loja de ração para cães. O Antunes olha, pára e assume o seu lugar na fila. Preparava-se para mais uma luta naquela Black pet shop Friday. “Mas ó Antunes tu tens cães em casa?” pergunta incrédulo o seu amigo Barata. O Antunes abana a cabeça e responde “Mas é preciso ter cão, para perceber que estes 20% de desconto no saco de 15kg são um fabuloso negócio!?”.
Amasso Friday
Opinião » 2018-12-07 » Miguel SentieiroNão me sai da cabeça o pobre do Iphone, tão sossegadinho no escaparate, ver entrar por aquela porta centenas de loucos
Vi as imagens daquela massa humana compactada à porta da loja de aspiradores na tal Black Friday. Numa primeira análise temo confessar que também embarquei na tese “ o que passa na cabeça destes mentecaptos para, numa 6ª feira de manhã, se sujeitarem a uma espera de horas neste degredo massivo?”. Depois de alguma reflexão, decidi ver o lado White do cenário Black. Em primeiro lugar, realçar a forma ordeira como a maralha estava no epicentro do aperto: nem um grito, nem um espilro, nem uma bufa. Denota civismo, espírito de grupo, ou simplesmente medo de apanhar uma lambreta do barbudo do lado, no caso de um flatulente descuido. Depois, percebe-se que muita daquela rapaziada já está habituada ao encosto. Uns por se sentirem bem no aconchego afectivo com desconhecidos, outros com experiência no treino do amasso; muitas horas nos estádios, concertos de rock, festas na Urban e outros simplesmente porque compraram uma colónia Old Spice e querem compartilhar o seu odor. A génese da indignação e reprovação coletiva teve a ver com a motivação de base que levou o grupo para aquela dolorosa espera: a possibilidade da compra de um superficial objecto tecnológico a preço de saldo. E depois? E as miúdas que arrastam as mães para guardar lugar 48 horas antes para o concerto do Justin Bieber? o adepto que fica 8 horas à frente do hotel do Ronaldo, só para ver os vidros fumados do bentley? A sujeição a três horas de espera por um autógrafo e um beijo na testa do Tony Carreira? Ao menos ali um tipo tinha desconto…de 20%(?) nos exaustores.
Gostaria de enaltecer a forma atlética como os primeiros da fila arrancaram a velocidades de fazer inveja a qualquer jamaicano. “Epá eu só saí naquela mecha porque um caramelo me beliscou o traseiro na hora em a porta abriu???”. “Não te queixes ó Antunes, que eu aqui na 4ª fila da molhada, não foi um beliscão que senti no traseiro! Fui de pés no ar até à secção dos DVDs!!!”. Não podemos de facto ignorar esta riqueza de desempenho físico do velocista Antunes que conseguiu mandar as mãos ao Iphone em primeiro lugar depois de derrubar a prateleira dos tinteiros de impressora e do seu amigo Barata, que teve de passar pela mesma sensação de um jogador râguebi com a cabeça dentro da melee para conseguir mandar as unhas ao forno da bosh de 2500 wats. Os tipos da 25ª fila levaram qualquer coisa para casa além das nódoas negras? É claro que havia material tecnológico para todos os afoitos. Com sorte chegaram contentes ao lar, com a camisola rasgada, sem uma sapatilha, mas com um estojo muito engraçado para guardar a máquina fotográfica.
Deixo também aqui, o elogio sentido para os pobres e incrédulos seguranças que conseguiram sair incólumes deste tsunami de lutadores em fúria. Encostados ao pilar no arranque da “manada” , aí se mantiveram até não haver mais panelas de pressão nas prateleiras. Se houve roubos, naquela confusão? Não se aperceberam de nada, pelo menos quando olharam de soslaio para o caos, na sua inerte posição de guarda ao pilar exterior.
Ao constatar o desempenho daquela malta solícita, senti a esperança de que temos ali massa humana para enfrentar os desafios que o país enfrenta. Só precisamos de canalizar toda esta energia para causas e trabalhos coletivos de relevo: a limpeza das matas, …tem 20% de desconto?..., a angariação de alimentos para os mais desprotegidos,… o desconto é bom?..., a luta efetiva pelo mau funcionamento da justiça… e os 20%?… ainda fazem? A despoluição do rio Tejo… para testar o meu samsung à prova de água que comprei na Worten com 20% de desconto?... boa!!!
Não me sai da cabeça o pobre do Iphone, tão sossegadinho no escaparate, ver entrar por aquela porta centenas de loucos aos empurrões na sua direção. Até aí, na altivez do seu preço astronómico, apenas tinha contactado com parcas e refinadas mãos de alguns mais favorecidos. Nesse momento é arrancado à força pela rude e desesperada manápula do Antunes que, de olhos esbugalhados, grita: “F****se! Então é por este desconto de m**da que eu estive 5 horas com o nariz encostado no vidro, aconchegado na retaguarda pelas adiposidades do tipo de 90 kg que se despediu de mim com um vigoroso beliscão no traseiro???”. A contragosto e a vociferar palavrões, lá pagou o Iphone com um desconto significativo de 20 euros. Encontrou no exterior o seu amigo Barata com um lanho na cabeça, agarrado ao forno bosh de 2500 wats. “Epá ó Antunes, isto hoje foi difícil! Esteve ao nível daquele jogo da liga dos campeões, o do 0-0, em que andou tudo à estalada!”
Depois daquela experiência, os dois amigos rumaram até casa com o espólio tecnológico caçado e eis que surge uma enorme fila junto da loja de ração para cães. O Antunes olha, pára e assume o seu lugar na fila. Preparava-se para mais uma luta naquela Black pet shop Friday. “Mas ó Antunes tu tens cães em casa?” pergunta incrédulo o seu amigo Barata. O Antunes abana a cabeça e responde “Mas é preciso ter cão, para perceber que estes 20% de desconto no saco de 15kg são um fabuloso negócio!?”.
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
|
Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
Eleições, para que vos quero! - antónio mário santos » 2024-02-22 Quando me aborreço, mudo de canal. Vou seguindo os debates eleitorais televisivos, mas, saturado, opto por um filme no SYFY, onde a Humanidade tenta salvar com seus heróis americanizados da Marvel o planeta Terra, em vez de gramar as notas e as opiniões dos comentadores profissionais e partidocratas que se esfalfam na crítica ou no elogio do seu candidato de estimação. |