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Somos do Inferno

Opinião  »  2016-05-12  »  Ricardo Jorge Rodrigues

"“Esta era a cela do Pai Mandela” e aponta para a cela mais próxima de onde eu estava. Olhei, repentinamente, e o choque (...) tomou conta de mim""

Um dos sonhos com que eu cresci desde tenra idade era o de conhecer aquele que eu considero o último grande herói da humanidade: Nelson Mandela. Outros terão uma opinião diferente sobre ele, mas Nelson Mandela era o meu herói. Aproveitando esta minha estadia em África, defini desde o primeiro dia que teria que visitar a África do Sul, nomeadamente a Cidade do Cabo.

Os quatro dias lá vividos deram para conhecer alguns dos locais mais bonitos e invulgares que alguma vez pude visitar: uma praia cheia de pinguins, o Cabo da Boa Esperança – do qual faz parte a Dias Beach, praia assim denominada em honra de Bartolomeu Dias que em 1488 dobrou o Cabo das Tormentas fazendo com que o Rei D. João II o rebaptizasse de Cabo da Boa Esperança -, ou subir ao topo da Montanha da Mesa e avistar toda a cidade que dali parece minúscula escurecendo enquanto o sol, laranja-fogo, se funde no mar. Não há câmara que capte a beleza destas paisagens nem caneta capaz de traduzir em palavras as imagens que me fervem na mente enquanto escrevo. Mas, para mim, África do Sul será sempre sinónimo de Mandela.

Em frente à Cidade do Cabo, apenas a 14 quilómetros de distância daquele paraíso, Nelson Mandela passou 18 anos preso no inferno da Ilha de Robben. E, claro, eu tinha de ir lá. O peso histórico de ali estar toma naturalmente conta de nós. Antes de entrarmos na prisão recebemos um claro sinal de como a própria África do Sul se envergonha da Ilha de Robben: a bandeira do país está permanentemente a meia-haste. A visita guiada à prisão é feita… por ex-prisioneiros. Zuzu, o guia que me acompanhou, tratava sempre o meu herói por “Tata Mandela” (Pai Mandela).

Sempre. Porque, antes de ser o meu herói, já era o herói dele. Perguntei-lhe como tinha motivação para voltar todos os dias para a prisão, rever e reviver tudo aquilo. Ele respondeu-me que “contar ao mundo a história desta prisão faz parte do meu processo de cura. Eu estou sempre nesse processo”.

E, no meio disto, com cerca de quarenta turistas alinhados entre as celas, ele diz: “Esta era a cela do Pai Mandela” e aponta para a cela mais próxima de onde eu estava. Olhei, repentinamente, e o choque de ver apenas um balde de latão, uma mesa de cabeceira e umas mantas em cima do chão, a ideia de imaginar ali o meu herói durante 18 infindáveis anos, tomou conta de mim. E dei por mim com as lágrimas a percorrer-me o rosto, cabisbaixo, envergonhado pelo que o Homem é capaz de fazer.

Nós, brancos, ao fazermos aquela visita guiados por um negro que esteve ali preso sentimos vergonha e culpa. Às vezes questiono-me porque é que denominam o ser humano como o ser racional. Não encontro outro animal que trate deste modo um seu semelhante além do Homem. O sentimento de vergonha alheia que vos falo é inevitável. Um dia o guia estava a dar a volta à ilha, depois de terem visitado a prisão, e viu uma senhora branca com um ar muito abalado, com as lágrimas nos olhos. E perguntou-lhe, como pergunta a muita gente - perguntou-me a mim -, de onde ela era. Ela respondeu: “I’m from hell”, ou seja, “sou do inferno”.

É esse o sentimento de quem ali vai: somos criaturas do inferno. À saída da prisão está um cartaz com uma foto do desembarque dos últimos presos libertados da ilha. Quando ia no barco de volta para a Cidade do Cabo dei por mim a pensar: “o que terão sentido aquelas pessoas naqueles 30 minutos que separam a ilha da cidade após 5, 10 ou 20 anos ali presas?”. Que sensação deve ter sido. A maneira como o guia se despede de nós é com a frase: “You can go.. in freeeedom!”, ou seja, “Podem ir… em Liberdade”. Naquele jeito sul-africano, que transporta numa frase a história de uma vida, arrepia.

É com um orgulho extremo que chegamos à Cidade do Cabo e vemos brancos a conviver com negros, gente de todas as raças, numa saudável harmonia que só pode encher de orgulho um país tão belo como a África do Sul. Hoje em dia a única coisa que separa o branco do preto neste país são o verde e o amarelo na bandeira e isso é, como diz o lema da Ilha de Robben, “o símbolo do triunfo do espírito humano sobre a adversidade”. Para quem conhece a história de vida de Nelson Mandela, essa é a vitória suprema. O meu herói ganhou. E, por mais que sejamos criaturas do inferno, ele só pode estar no paraíso. Numa cela só para heróis.

 

 

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