Velhice
Opinião » 2014-01-24 » Paulo Simões
Nós só damos o devido valor às coisas quando deixamos de as ter. Essa é que é a verdade. Ai, tanta falta que ele me faz! O meu marido sempre foi um homem tão bom. Rezingão, mas um homem bom. Era a minha companhia. Agora que ele se foi é que me dou conta que me faz uma falta danada. Quanto mais não fosse, pela companhia. É tão triste estar só. Passam-se dias sem que eu fale com alguém. Estou para aqui. Aos dias inteiros sem falar com ninguém. Ao menos quando ele cá estava, entretínhamo-nos nem que fosse a ralhar um com o outro.
Os filhos estão longe. A tratar da vida deles. Felizmente estão bem. Cada um na sua vida, graças a Deus, bem orientados. Umas preocupações a menos, valha-me isso. Mas é triste, a gente cria quatro filhos e depois vê-se para aqui assim. Sozinha. Passamos uma vida inteira a cuidar deles, a vê-los crescer. A desejar que sejam homens e mulheres a sério, para a vida. Mas depois ficamos desoladas de os ver partir. É triste. Depois de uma vida inteira de labuta, esta solidão. Ao menos se ele ainda cá estivesse. Há-os por aí mais velhos e ainda bem atilados. Foi um grande azar, foi o que foi, o que me calhou em sorte. A mim e a ele, coitadito. Ainda tão novo.
Eu dantes ainda ia à loja todos os dias, comprar o pão. Agora até isso me custa. Vou dia sim, dia não. Custa-me muito a andar. Até me custa estar sentada. E deitada. Mas enfim, custa-me mais a andar. Demoro muito, uma eternidade. Perco uma manhã inteira para ir à loja comprar meia dúzia de coisas. E chego a pontos em que não posso. Tenho que pagar a alguém para me vir cá trazer as compras, é o que é. Valha-me Deus, nem para ir à loja presto. Eu já não sirvo para nada. Ai, a falta que o meu marido me faz. Se ele ainda cá estivesse, ia-me ele ao pão. Ao menos isso ele fazia. Em casa, mais nada, mas ao menos ia-me ele ao pão.
Quando tenho que ir ao médico, é um dia inteiro. Ele também nunca atende a gente à hora marcada. Estes médicos. Vou para lá de manhã e só venho de lá já tarde a dentro. É muito triste. A gente perder assim dias inteiros, sem ninguém ligar à gente. Parte das vezes nem almoço. Eu também já nem fome tenho. Bebo um chazinho ou um café, com uma bucha de pão e tou almoçada. E parte dos dias já nem janto. Deito-me logo, mal anoitece. As noites são muito grandes. Muito compridas. Às vezes pergunto-me o que é que ainda cá estou a fazer. Se ao menos o meu marido ainda cá estivesse. Era Deus lembrar-se de mim, era o que era. Ao menos ao pé dele, já não me sentia tão só.
É capaz de já não demorar muito. Gostava ao menos de ver os meus filhos antes de partir. Isso, confesso que era o que eu ainda gostava. Os filhos e os netos. Todos. Para me despedir. Já não peço mais nada. Mas não lhes posso dizer isso. Diziam logo que o raio da velha tá tonta. Até parece que já os tou a ouvir. Enfim, posso ao menos pensar. E esperar que esta solidão já não dure muito. Ai, a falta que ele me faz!
mrp@sapo.pt
Velhice
Opinião » 2014-01-24 » Paulo SimõesNós só damos o devido valor às coisas quando deixamos de as ter. Essa é que é a verdade. Ai, tanta falta que ele me faz! O meu marido sempre foi um homem tão bom. Rezingão, mas um homem bom. Era a minha companhia. Agora que ele se foi é que me dou conta que me faz uma falta danada. Quanto mais não fosse, pela companhia. É tão triste estar só. Passam-se dias sem que eu fale com alguém. Estou para aqui. Aos dias inteiros sem falar com ninguém. Ao menos quando ele cá estava, entretínhamo-nos nem que fosse a ralhar um com o outro.
Os filhos estão longe. A tratar da vida deles. Felizmente estão bem. Cada um na sua vida, graças a Deus, bem orientados. Umas preocupações a menos, valha-me isso. Mas é triste, a gente cria quatro filhos e depois vê-se para aqui assim. Sozinha. Passamos uma vida inteira a cuidar deles, a vê-los crescer. A desejar que sejam homens e mulheres a sério, para a vida. Mas depois ficamos desoladas de os ver partir. É triste. Depois de uma vida inteira de labuta, esta solidão. Ao menos se ele ainda cá estivesse. Há-os por aí mais velhos e ainda bem atilados. Foi um grande azar, foi o que foi, o que me calhou em sorte. A mim e a ele, coitadito. Ainda tão novo.
Eu dantes ainda ia à loja todos os dias, comprar o pão. Agora até isso me custa. Vou dia sim, dia não. Custa-me muito a andar. Até me custa estar sentada. E deitada. Mas enfim, custa-me mais a andar. Demoro muito, uma eternidade. Perco uma manhã inteira para ir à loja comprar meia dúzia de coisas. E chego a pontos em que não posso. Tenho que pagar a alguém para me vir cá trazer as compras, é o que é. Valha-me Deus, nem para ir à loja presto. Eu já não sirvo para nada. Ai, a falta que o meu marido me faz. Se ele ainda cá estivesse, ia-me ele ao pão. Ao menos isso ele fazia. Em casa, mais nada, mas ao menos ia-me ele ao pão.
Quando tenho que ir ao médico, é um dia inteiro. Ele também nunca atende a gente à hora marcada. Estes médicos. Vou para lá de manhã e só venho de lá já tarde a dentro. É muito triste. A gente perder assim dias inteiros, sem ninguém ligar à gente. Parte das vezes nem almoço. Eu também já nem fome tenho. Bebo um chazinho ou um café, com uma bucha de pão e tou almoçada. E parte dos dias já nem janto. Deito-me logo, mal anoitece. As noites são muito grandes. Muito compridas. Às vezes pergunto-me o que é que ainda cá estou a fazer. Se ao menos o meu marido ainda cá estivesse. Era Deus lembrar-se de mim, era o que era. Ao menos ao pé dele, já não me sentia tão só.
É capaz de já não demorar muito. Gostava ao menos de ver os meus filhos antes de partir. Isso, confesso que era o que eu ainda gostava. Os filhos e os netos. Todos. Para me despedir. Já não peço mais nada. Mas não lhes posso dizer isso. Diziam logo que o raio da velha tá tonta. Até parece que já os tou a ouvir. Enfim, posso ao menos pensar. E esperar que esta solidão já não dure muito. Ai, a falta que ele me faz!
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Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
Eleições, para que vos quero! - antónio mário santos » 2024-02-22 Quando me aborreço, mudo de canal. Vou seguindo os debates eleitorais televisivos, mas, saturado, opto por um filme no SYFY, onde a Humanidade tenta salvar com seus heróis americanizados da Marvel o planeta Terra, em vez de gramar as notas e as opiniões dos comentadores profissionais e partidocratas que se esfalfam na crítica ou no elogio do seu candidato de estimação. |
» 2024-02-28
» Hélder Dias
O Flautista de Hamelin... |
» 2024-03-08
» Maria Augusta Torcato
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato |
» 2024-03-18
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» 2024-03-08
» Jorge Carreira Maia
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» 2024-03-08
» Pedro Ferreira
A carne e os ossos - pedro borges ferreira |