• SOCIEDADE-  • CULTURA  • DESPORTO  • OPINIÃO
  Sexta, 19 Abril 2024    •      Directora: Inês Vidal; Director-adjunto: João Carlos Lopes    •      Estatuto Editorial    •      História do JT
   Pesquisar...
Seg.
 26° / 11°
Céu limpo
Dom.
 26° / 12°
Períodos nublados com chuva fraca
Sáb.
 24° / 13°
Céu nublado com aguaceiros e trovoadas
Torres Novas
Hoje  26° / 13°
Períodos nublados com chuva fraca
       #Alcanena    #Entroncamento    #Golega    #Barquinha    #Constancia 

Centro histórico

Opinião  »  2014-10-16  »  Helder Simões

”Ele pensava em todas essas coisas quando desejava uma cidade. Isidora, portanto, é a cidade dos seus sonhos: com uma diferença. A cidade sonhada o possuía jovem; em Isidora, chega em idade avançada. Na praça, há o murinho dos velhos que vêem a juventude passar; ele está sentado ao lado deles. Os desejos são agora recordações.”

De As cidades e a memória, em As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino.

 

O centro é o lugar mais desejado. O centro atrai. O centro é o centro, e o resto é conversa. Júlio Verne, por exemplo, que se interessou por tantos assuntos, nunca quis saber da periferia da terra. Nas cidades, pelo menos antes do aparecimento disruptivo dos centros comerciais, o centro constituía o núcleo da vida comum, um espaço de desenvolvimento económico, social e cultural. Neste sentido, os edifícios que delimitam esse espaço tornam-se ao longo dos séculos uma memória arquitetónica desse papel. Cada cidade é assim um museu de si própria.

Em Torres Novas, o centro histórico assume na plenitude a sua dimensão histórica. Se não, vejamos. Entra-se no Largo de Dom Diogo Fernandes de Almeida e a impressão que se tem é a de se estar numa estação arqueológica. Aliás, não é raro encontrar um ou outro turista perdido que ao entrar no largo do Sr. Prior do Crato crê ter atingido a Vila Cardilium, tal é o estado de ruína da praça. De facto, nos restos do edificado da zona é possível testemunhar toda uma compilação de desastres: prédios desabados, muros esboroados, fuligem de incêndios que invocam os delírios de Nero, tectos que cederam ao peso da chuva e dos anos, frestas, cacos. Isto sim, é um centro histórico a valer, como se quer: em ruínas! Em Torres Novas é esta a forma de demonstrar como a cidade é antiga: ninguém acreditaria que temos oitocentos anos de história se atrás do painel do alcaide Gil Pais não existisse um edifício em escombros. Ninguém ficaria convencido da autenticidade da rua do condestável Nuno Alvares Pereira, se os prédios limítrofes não exibissem eles próprios cicatrizes de combate.

É tal a vocação histórica da cidade que em muitos casos a própria toponímia torrejana combina na perfeição com o edificado. Que melhor exemplo para atestar a nossa inclinação histórica do que ter como artéria principal uma rua Alexandre Herculano ladeada por edifícios meticulosamente inclinados para a ruína e intocados desde a publicação do ”Presbítero”? Nem Roma, carago! Nem Cartago! Também a subsidiária da Alexandre Herculano, a Rua do Tenente Valadim, nos remete imediatamente para o passado histórico da personagem, estabelecendo uma dialéctica peculiar entre a selva urbana e a luxuriante savana moçambicana. Curiosamente, uma outra afluente da Herculano, a Travessa da Bácora, apresenta-se até bastante cuidada e ninguém diria que tal bicha lá morou. A Travessa da Bácora, pode dizer-se, configura neste particular um misto de tradição e modernidade.

Relativamente ao contexto nacional, Torres Novas segue a grande corrente decadente de outros centros históricos portugueses, a começar pela metrópole. De resto, alguém acreditaria que a baixa de Lisboa é de facto pombalina, se cada edifício lisboeta não albergasse realmente um pombal? Claro que não! Em Portugal, para se perceber que um edifício é antigo é preciso que esteja bem estafado, cheio de rachas e esfoladelas, caso contrário ninguém percebe. Em contrapartida, quando alguém tem um edifício entradote e lhe quer dar um toque avant-garde, a solução habitual é construir uma marquise. A propósito desta preciosidade arquitectónica, creio que está por fazer a apologética da marquise. Em geral, este elemento tem sido encarado meramente como o exemplo mais inestético e brejeiro da caixilharia urbana. Mas, a meu ver, tal análise é superficial e imprudente. Na verdade, a marquise tem origens clássicas. A marquise é no fundo uma prima (afastada) do varandim, mas sem a balaustrada, entretanto substituída pela caixilharia em alumínio - muito moderna! - e a sua sonoridade remete imediatamente para marquesa, sendo portanto um elemento arquitectónico com requintes aristocratas: o que uma vez mais atesta a nossa autenticidade e nobreza históricas. Se quisermos (muito), a marquise está para a arquitectura como ”Les Demoiselles d’ Avignon” estão para a pintura. E, a julgar pelo edificado das nossas cidades, o que não tem faltado são artistas da caixilharia que deram asas à produção massiva desta pérola do (sub)urbanismo, com requintes aristocratas e memórias recalcadas de demoiselles suspirantes em varandins. - Ainda que o resultado estético final frequentemente invoque ”Guernica”. Exemplos destas miscelâneas histórico-arquitectónicas não faltam, seja na Amadora, em Benfica ou no Babalhau.

Mas voltemos ao centro da questão do centro histórico. Se queremos preservar a cidade e a sua identidade arquitetónica, é preciso mais do que uma feira medieval. Admito que uma feira medieval seja uma oportunidade ímpar para beber cerveja em copos de barro e comer leitão no espeto, mas se queremos uma cidade verdadeiramente medieval é escusado gastar rios de dinheiro numa feira com camelos: tudo o que há a fazer é apenas manter tudo como está e deixar que a ruína prossiga o seu reinado.

Bem sei que as coisas têm uma tendência obstinada para se deteriorarem. É da sua natureza e da dos corpos. Mas aos Homens e à civilização cabe criar, organizar e preservar.

Para que, evocando Eduardo Bento, não doa mais o abandono da casa.

 

 

 Outras notícias - Opinião


As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia »  2024-04-10  »  Jorge Carreira Maia

Existe, em Portugal, uma franja pequena do eleitorado que quer, deliberadamente, destruir a democracia, não suporta os regimes liberais, sonha com o retorno ao autoritarismo. Ao votar Chega, fá-lo racionalmente. Contudo, a explosão do eleitorado do partido de André Ventura não se explica por esse tipo de eleitores.
(ler mais...)


Eleições "livres"... »  2024-03-18  »  Hélder Dias

Este é o meu único mundo! - antónio mário santos »  2024-03-08  »  António Mário Santos

Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza.
(ler mais...)


Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato »  2024-03-08  »  Maria Augusta Torcato

Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente.
(ler mais...)


A crise das democracias liberais - jorge carreira maia »  2024-03-08  »  Jorge Carreira Maia

A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David.
(ler mais...)


A carne e os ossos - pedro borges ferreira »  2024-03-08  »  Pedro Ferreira

Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA.
(ler mais...)


O Flautista de Hamelin... »  2024-02-28  »  Hélder Dias

Este mundo e o outro - joão carlos lopes »  2024-02-22 

Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”.
(ler mais...)


2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões »  2024-02-22  »  Jorge Cordeiro Simões

 

 


O dia 5 de Fevereiro de 2032, em que o Francisco Falcão fez 82 anos - aos quais nunca julgara ir chegar -, nasceu ainda mais frio do que os anteriores e este Inverno parecia ser nisso ainda pior que os que o antecederam, o que contribuiu para que cada vez com mais frequência ele se fosse deixando ficar na cama até mais tarde e neste dia festivo só de lá iria sair depois do meio-dia.
(ler mais...)


Avivar a memória - antónio gomes »  2024-02-22  »  António Gomes

Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento.

Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa.
(ler mais...)

 Mais lidas - Opinião (últimos 30 dias)
»  2024-04-10  »  Jorge Carreira Maia As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia