Filhos e netos
Opinião » 2018-11-23 » Jorge Carreira Maia" Que sejamos mortais, isso pouco importa, pois, ao olharmos o neto acabado de nascer, a imaginação e a razão especulativa põem diante de nós a imortalidade."
Para o meu neto Manuel.
Há uma diferença essencial, para um pai e avô, entre o nascimento de um filho e o de um neto. O nascimento do filho traz com ele, para além do prazer que a sua vinda significa, problemas práticos. Cuidar dele, educá-lo, prepará-lo para o mundo e para a vida que vai ter de enfrentar. Um pai olha para o filho envolvido no presente. Mesmo quando considera o futuro, fá-lo sempre preso ao agora. O futuro de que fala ao filho não é uma abstracção, mas uma realidade que tem as suas raízes em cada hora que se vive. Aquilo que ele será amanhã está a ser decidido hoje. O nascimento de um neto é uma abertura para a especulação. O avô está liberto da preocupação prática e a forma como olha para o futuro, ao ver o neto recém-nascido, permite-lhe um voo da imaginação que os filhos nunca podem permitir. No neto, o avô prolonga-se num futuro em que ele avô só estará presente por breves instantes, mesmo que sejam anos.
O neto vê já, ainda antes de ter consciência, muito, mas muito mais longe do que o avô alguma vez poderá perscrutar. Embora num horizonte mais reduzido, o filho também o faz, mas o pai está demasiado absorvido no quotidiano que a paternidade impõe para poder meditar sobre isso. O neto, porém, liberta o avô da tirania do presente e abre-lhe um horizonte de esperança e de expectativa. Este horizonte que os olhos cansados do avô já não conseguem circunscrever, passou a existir para o neto, está dentro dos seus olhos e passa a tomar realidade conforme ele os vai abrindo. Um filho dá sentido ao presente. Um neto confere vida ao futuro que não se viverá. Mas esse não viver não é motivo de ressentimento. Que sejamos mortais, isso pouco importa, pois, ao olharmos o neto acabado de nascer, a imaginação e a razão especulativa põem diante de nós a imortalidade.
Estamos num tempo em que se fala muito de tradição. No entanto, a tradição mais fecunda, a mais sólida e a mais autêntica é aquela que é estabelecida dentro das famílias. Mais do que genes transmitidos, são palavras e gestos, formas de olhar o mundo. Tece-se uma corrente, mas não é uma corrente que limita e prende, mas que leva mais longe e liberta. Um neto liberta o avô das muralhas que o tempo construiu à sua volta e oferece à imaginação a possibilidade de se transportar para um mundo que só pela vinda do neto poderá tornar-se real. A natureza quis-nos limitados e deu ao tempo o poder terrível para fazer cumprir a sua sentença, mas a vida nunca desiste de enfrentar o tempo e de lembrar à natureza que, dentro de nós, seres humanos, há uma esperança de imortalidade. Todo o neto é um símbolo dessa esperança.
Filhos e netos
Opinião » 2018-11-23 » Jorge Carreira MaiaQue sejamos mortais, isso pouco importa, pois, ao olharmos o neto acabado de nascer, a imaginação e a razão especulativa põem diante de nós a imortalidade.
Para o meu neto Manuel.
Há uma diferença essencial, para um pai e avô, entre o nascimento de um filho e o de um neto. O nascimento do filho traz com ele, para além do prazer que a sua vinda significa, problemas práticos. Cuidar dele, educá-lo, prepará-lo para o mundo e para a vida que vai ter de enfrentar. Um pai olha para o filho envolvido no presente. Mesmo quando considera o futuro, fá-lo sempre preso ao agora. O futuro de que fala ao filho não é uma abstracção, mas uma realidade que tem as suas raízes em cada hora que se vive. Aquilo que ele será amanhã está a ser decidido hoje. O nascimento de um neto é uma abertura para a especulação. O avô está liberto da preocupação prática e a forma como olha para o futuro, ao ver o neto recém-nascido, permite-lhe um voo da imaginação que os filhos nunca podem permitir. No neto, o avô prolonga-se num futuro em que ele avô só estará presente por breves instantes, mesmo que sejam anos.
O neto vê já, ainda antes de ter consciência, muito, mas muito mais longe do que o avô alguma vez poderá perscrutar. Embora num horizonte mais reduzido, o filho também o faz, mas o pai está demasiado absorvido no quotidiano que a paternidade impõe para poder meditar sobre isso. O neto, porém, liberta o avô da tirania do presente e abre-lhe um horizonte de esperança e de expectativa. Este horizonte que os olhos cansados do avô já não conseguem circunscrever, passou a existir para o neto, está dentro dos seus olhos e passa a tomar realidade conforme ele os vai abrindo. Um filho dá sentido ao presente. Um neto confere vida ao futuro que não se viverá. Mas esse não viver não é motivo de ressentimento. Que sejamos mortais, isso pouco importa, pois, ao olharmos o neto acabado de nascer, a imaginação e a razão especulativa põem diante de nós a imortalidade.
Estamos num tempo em que se fala muito de tradição. No entanto, a tradição mais fecunda, a mais sólida e a mais autêntica é aquela que é estabelecida dentro das famílias. Mais do que genes transmitidos, são palavras e gestos, formas de olhar o mundo. Tece-se uma corrente, mas não é uma corrente que limita e prende, mas que leva mais longe e liberta. Um neto liberta o avô das muralhas que o tempo construiu à sua volta e oferece à imaginação a possibilidade de se transportar para um mundo que só pela vinda do neto poderá tornar-se real. A natureza quis-nos limitados e deu ao tempo o poder terrível para fazer cumprir a sua sentença, mas a vida nunca desiste de enfrentar o tempo e de lembrar à natureza que, dentro de nós, seres humanos, há uma esperança de imortalidade. Todo o neto é um símbolo dessa esperança.
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
Eleições, para que vos quero! - antónio mário santos » 2024-02-22 Quando me aborreço, mudo de canal. Vou seguindo os debates eleitorais televisivos, mas, saturado, opto por um filme no SYFY, onde a Humanidade tenta salvar com seus heróis americanizados da Marvel o planeta Terra, em vez de gramar as notas e as opiniões dos comentadores profissionais e partidocratas que se esfalfam na crítica ou no elogio do seu candidato de estimação. |