O discurso de Marcelo e a democracia - jorge carreira maia
Opinião » 2021-05-10 » Jorge Carreira Maia"As democracias são regimes políticos concorrenciais, nos quais o conflito é fundamental"
Quando este artigo chegar ao público, já o discurso do Presidente da República, no dia 25 de Abril, terá quase duas semanas. Poucos se lembrarão dele. Marcelo Rebelo de Sousa é um actor político talentoso, tem grande capacidade de sedução, mesmo dos seus adversários. Não foi isso, porém, que terá feito que quase todo a Assembleia o tivesse aplaudido. De forma mais ou menos inconsciente, os deputados pressentiram que ele tocava numa questão central para a existência de uma democracia, tal como se entende no mundo ocidental.
As democracias são regimes políticos concorrenciais, nos quais o conflito é fundamental, sendo mesmo aquilo que lhes dá energia e os torna capazes de responderem melhor do que qualquer outro regime aos anseios das populações. No entanto, essa conflitualidade necessita de ser sustentada por um consenso de fundo, o qual permanece muitas vezes silencioso, mas nunca deixa de estar presente. Esse consenso é o grande alicerce da democracia. Se ele derrui, o regime é arrastado ou para uma situação autoritária ou, no pior dos casos, para a guerra civil.
O Presidente da República sentiu o perigo e, com o seu discurso, tentou evitar que o incêndio deflagrasse. A democracia portuguesa foi construída sobre um silêncio consensual e nunca assumido perante o passado colonial. Esse silêncio consensual não significa que não se fale nisso, que os cidadãos não tenham opiniões e sentimentos opostos sobre esse assunto. Significa que os partidos principais evitam que essa seja uma questão com visibilidade política e que interpretações diferentes do passado sejam causas de rupturas perigosas. Significa ainda que os agentes políticos esperam que a passagem do tempo faça à questão colonial aquilo que fez com a questão monárquica.
Marcelo Rebelo de Sousa sabe bem que os tempos estão propícios para grandes clivagens identitárias e que a questão colonial portuguesa se inscreve muito bem nesse panorama. Se se não tiver algum cuidado, o país em vez de discutir os problemas que enfrenta não tarda está incendiado por causa do passado. O discurso conciliador do PR tinha como fim chegar aí e foi uma efectiva lição não de história, como se pretendeu, mas de política. Não fez a apologia, como alguns leram, da relativização de crimes perpetrados, mas explicou, a quem o quis ouvir, que a política é a arte do possível. Que se investigue tudo, disse. Isto é, que a Academia faça esse trabalho e que a política se liberte do ónus, para que o consenso necessário à democracia não seja dilacerado até à morte desta. O discurso do PR foi um acto de defesa da democracia.
O discurso de Marcelo e a democracia - jorge carreira maia
Opinião » 2021-05-10 » Jorge Carreira MaiaAs democracias são regimes políticos concorrenciais, nos quais o conflito é fundamental
Quando este artigo chegar ao público, já o discurso do Presidente da República, no dia 25 de Abril, terá quase duas semanas. Poucos se lembrarão dele. Marcelo Rebelo de Sousa é um actor político talentoso, tem grande capacidade de sedução, mesmo dos seus adversários. Não foi isso, porém, que terá feito que quase todo a Assembleia o tivesse aplaudido. De forma mais ou menos inconsciente, os deputados pressentiram que ele tocava numa questão central para a existência de uma democracia, tal como se entende no mundo ocidental.
As democracias são regimes políticos concorrenciais, nos quais o conflito é fundamental, sendo mesmo aquilo que lhes dá energia e os torna capazes de responderem melhor do que qualquer outro regime aos anseios das populações. No entanto, essa conflitualidade necessita de ser sustentada por um consenso de fundo, o qual permanece muitas vezes silencioso, mas nunca deixa de estar presente. Esse consenso é o grande alicerce da democracia. Se ele derrui, o regime é arrastado ou para uma situação autoritária ou, no pior dos casos, para a guerra civil.
O Presidente da República sentiu o perigo e, com o seu discurso, tentou evitar que o incêndio deflagrasse. A democracia portuguesa foi construída sobre um silêncio consensual e nunca assumido perante o passado colonial. Esse silêncio consensual não significa que não se fale nisso, que os cidadãos não tenham opiniões e sentimentos opostos sobre esse assunto. Significa que os partidos principais evitam que essa seja uma questão com visibilidade política e que interpretações diferentes do passado sejam causas de rupturas perigosas. Significa ainda que os agentes políticos esperam que a passagem do tempo faça à questão colonial aquilo que fez com a questão monárquica.
Marcelo Rebelo de Sousa sabe bem que os tempos estão propícios para grandes clivagens identitárias e que a questão colonial portuguesa se inscreve muito bem nesse panorama. Se se não tiver algum cuidado, o país em vez de discutir os problemas que enfrenta não tarda está incendiado por causa do passado. O discurso conciliador do PR tinha como fim chegar aí e foi uma efectiva lição não de história, como se pretendeu, mas de política. Não fez a apologia, como alguns leram, da relativização de crimes perpetrados, mas explicou, a quem o quis ouvir, que a política é a arte do possível. Que se investigue tudo, disse. Isto é, que a Academia faça esse trabalho e que a política se liberte do ónus, para que o consenso necessário à democracia não seja dilacerado até à morte desta. O discurso do PR foi um acto de defesa da democracia.
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
Eleições, para que vos quero! - antónio mário santos » 2024-02-22 Quando me aborreço, mudo de canal. Vou seguindo os debates eleitorais televisivos, mas, saturado, opto por um filme no SYFY, onde a Humanidade tenta salvar com seus heróis americanizados da Marvel o planeta Terra, em vez de gramar as notas e as opiniões dos comentadores profissionais e partidocratas que se esfalfam na crítica ou no elogio do seu candidato de estimação. |
» 2024-02-28
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» 2024-03-08
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