Saudades do Futuro
Opinião » 2016-07-21 » Ricardo Jorge Rodrigues
Os Trovante, banda liderada pelo carismático Luís Represas, têm uma música genialmente imortalizada pelos Rio Grande que fala em “saudades do futuro”. Parece complexo. Fazia-me confusão, quando era mais novo, e pensava que a letra não tinha sentido.
Ouvia o Vitorino cantar aquele verso e pensava sempre que ele estava enganado. Acontecia-me o mesmo sempre que revia o Regresso ao Futuro: isso é impossível, pensava eu. Até que hoje, a dez mil quilómetros de casa, me encontro a escrever este texto e tenho saudades, certamente, do passado mas sobretudo do que vou fazer quando regressar a Portugal.
É uma mistura contraditória mas que, simultaneamente, se completa. São os pequenos prazeres da vida que nos enchem de felicidade, são momentos como os que vivo aqui que nos completam e são desejos de fazer o que nos faz ser mais neste mundo de cada vez menos que nos fazem andar para a frente: em direcção ao futuro.
É verdade: ainda não cheguei a Portugal e já tenho saudades do que vou fazer. Saudades de acordar assim que o sol raiar, ainda com aquela brisa fresca de verão a revitalizar-nos a alma, e ir comer o melhor pastel de nata do mundo à Pastelaria Gena em Alcanena (não que me fique só pelo bolo, é impossível); saudades de me deitar no chão e deixar o meu cão encher-me de lambidelas que transportam um amor que não conhece limites; saudades de ver o pôr-do-sol na Nazaré lutando com todas as for- ças para que o sol se ponha antes que o frio de final de verão nos vença.
Talvez seja isto que o Represas cante. O mais impressionante de tudo é que já me imagino nestes locais com saudades de um futuro que não vem: saudades de voltar a viver em Moçambique algo tão forte como esta experiência.
Não são saudades do que vivi. É uma forma de pensar que ainda poderei sentir algo como o que aqui vivi.
No fundo, esta inquietação já fora cantada pelo António Variações bem antes de eu pensar na música dos Trovante. Todos temos em nós esta vontade de estarmos onde não estamos, de só estarmos bem onde não estamos e de só querermos ir onde nunca vamos. Mas é, também isso, essa colecção de desassossegos, incertezas e saudades acumuladas que nos vão construindo. Somos tudo isto, sim, porque as saudades do futuro são apenas a vontade de continuarmos a sonhar com algo mais.
Algo diferente, com uma base que não prescindimos. Algo que nos traga o futuro, mas que não nos leve essa saudade que guardamos com carinho mesmo que achemos que ela só nos enfraquece.
Aqui, de África, a dez mil quilómetros de casa, tenho saudades do futuro. Porque sei que o futuro é a minha base mas com sonhos renovados. É isso que nos completa e nunca nos esgota.
Saudades do Futuro
Opinião » 2016-07-21 » Ricardo Jorge RodriguesOs Trovante, banda liderada pelo carismático Luís Represas, têm uma música genialmente imortalizada pelos Rio Grande que fala em “saudades do futuro”. Parece complexo. Fazia-me confusão, quando era mais novo, e pensava que a letra não tinha sentido.
Ouvia o Vitorino cantar aquele verso e pensava sempre que ele estava enganado. Acontecia-me o mesmo sempre que revia o Regresso ao Futuro: isso é impossível, pensava eu. Até que hoje, a dez mil quilómetros de casa, me encontro a escrever este texto e tenho saudades, certamente, do passado mas sobretudo do que vou fazer quando regressar a Portugal.
É uma mistura contraditória mas que, simultaneamente, se completa. São os pequenos prazeres da vida que nos enchem de felicidade, são momentos como os que vivo aqui que nos completam e são desejos de fazer o que nos faz ser mais neste mundo de cada vez menos que nos fazem andar para a frente: em direcção ao futuro.
É verdade: ainda não cheguei a Portugal e já tenho saudades do que vou fazer. Saudades de acordar assim que o sol raiar, ainda com aquela brisa fresca de verão a revitalizar-nos a alma, e ir comer o melhor pastel de nata do mundo à Pastelaria Gena em Alcanena (não que me fique só pelo bolo, é impossível); saudades de me deitar no chão e deixar o meu cão encher-me de lambidelas que transportam um amor que não conhece limites; saudades de ver o pôr-do-sol na Nazaré lutando com todas as for- ças para que o sol se ponha antes que o frio de final de verão nos vença.
Talvez seja isto que o Represas cante. O mais impressionante de tudo é que já me imagino nestes locais com saudades de um futuro que não vem: saudades de voltar a viver em Moçambique algo tão forte como esta experiência.
Não são saudades do que vivi. É uma forma de pensar que ainda poderei sentir algo como o que aqui vivi.
No fundo, esta inquietação já fora cantada pelo António Variações bem antes de eu pensar na música dos Trovante. Todos temos em nós esta vontade de estarmos onde não estamos, de só estarmos bem onde não estamos e de só querermos ir onde nunca vamos. Mas é, também isso, essa colecção de desassossegos, incertezas e saudades acumuladas que nos vão construindo. Somos tudo isto, sim, porque as saudades do futuro são apenas a vontade de continuarmos a sonhar com algo mais.
Algo diferente, com uma base que não prescindimos. Algo que nos traga o futuro, mas que não nos leve essa saudade que guardamos com carinho mesmo que achemos que ela só nos enfraquece.
Aqui, de África, a dez mil quilómetros de casa, tenho saudades do futuro. Porque sei que o futuro é a minha base mas com sonhos renovados. É isso que nos completa e nunca nos esgota.
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Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
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» 2024-04-10
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