Toda a gente dá, toda a gente tira. Será?
Opinião » 2016-11-30 » Maria Augusta Torcato
Nós cuidamos do mundo e o mundo cuida de nós. Tão simples. Tão linear. Então por que não é assim? Então por que é que o mundo está como está? E nós estamos como estamos? Nem nós nem o mundo estamos bem.
Há muito li, creio que em Vergílio Ferreira, uma afirmação, “Toda a gente dá e toda a gente tira”, que me fez pensar e foi mote para, várias vezes, subordinar os alunos a uma reflexão e à escrita sobre o tema, aplicando-o à sua realidade. As dissertações produzidas foram, e poderão ser sempre, plurais.
De facto, quer se queira, quer não, estabelece-se entre todos uma relação em que todos dão e todos tiram, sendo que o tirar não deve ser entendido no sentido literal, mas sim como o que se tem de dar em troca de qualquer doação, que deixa de o ser porque, afinal, se teve de retribuir. No fundo, é como F. Pessoa diz “Os Deuses vendem quando dão”.
O longo preâmbulo para focalizar o assunto objeto desta crónica serve, porventura, para me distrair e afastar do que quero dizer. Parece estranho, mas não é.
Há dias, estava junto a uma caixa central num supermercado, quando ouvi uma funcionária a perguntar, antes a pedir, se podia ir beber água. Mas o que mais me impressionou foi o tom de voz, a expressão facial e corporal que carregava. A senhora foi beber água e demorou ainda menos tempo do que aquele que levou a dirigir-se ao gabinete por detrás do balcão e fazer o pedido a quem lá estava. Fiquei com aquele momento registado, não, foi antes o momento que me capturou, o que significa que teve impacto em mim. Se não tivesse tido, eu, certamente, não teria sequer reparado.
Sei que aquilo que tenho vindo a recordar me provoca desconforto e me provoca tristeza, mas também repulsa e raiva. Raiva por ver que as relações pessoais e profissionais se têm vindo a degradar de um modo tal que parece que voltamos ao tempo dos senhores e dos vassalos. Raiva por ver que todo o percurso feito no sentido de valorização do humanismo e da construção da equidade resultou nesta triste realidade. Raiva por ver que os direitos humanos, ao longo de tantos anos preconizados e almejados, foram considerados tábua rasa e só são evocados quando convém. Evocados, porque praticados, estão muito longe disso. Raiva por ver que há quem viva e domine através do medo que impõe aos outros, aos que precisam de sobreviver, porque é sobrevivência o que acontece, infelizmente, com a maioria das pessoas.
Quando lembro o que ouvi, apetece-me reformular a citação inicial. Afinal, há quem dê, sem dúvida. Mas também há quem tire. No sentido literal. E o pior que se pode tirar às pessoas é a sua dignidade. É o respeito a que têm direito. Quando isto acontece todos sabemos o que, mais tarde ou mais cedo, acontecerá ao mundo, como quem diz a todos nós. E não pode ser nada de bom.
Toda a gente dá, toda a gente tira. Será?
Opinião » 2016-11-30 » Maria Augusta TorcatoNós cuidamos do mundo e o mundo cuida de nós. Tão simples. Tão linear. Então por que não é assim? Então por que é que o mundo está como está? E nós estamos como estamos? Nem nós nem o mundo estamos bem.
Há muito li, creio que em Vergílio Ferreira, uma afirmação, “Toda a gente dá e toda a gente tira”, que me fez pensar e foi mote para, várias vezes, subordinar os alunos a uma reflexão e à escrita sobre o tema, aplicando-o à sua realidade. As dissertações produzidas foram, e poderão ser sempre, plurais.
De facto, quer se queira, quer não, estabelece-se entre todos uma relação em que todos dão e todos tiram, sendo que o tirar não deve ser entendido no sentido literal, mas sim como o que se tem de dar em troca de qualquer doação, que deixa de o ser porque, afinal, se teve de retribuir. No fundo, é como F. Pessoa diz “Os Deuses vendem quando dão”.
O longo preâmbulo para focalizar o assunto objeto desta crónica serve, porventura, para me distrair e afastar do que quero dizer. Parece estranho, mas não é.
Há dias, estava junto a uma caixa central num supermercado, quando ouvi uma funcionária a perguntar, antes a pedir, se podia ir beber água. Mas o que mais me impressionou foi o tom de voz, a expressão facial e corporal que carregava. A senhora foi beber água e demorou ainda menos tempo do que aquele que levou a dirigir-se ao gabinete por detrás do balcão e fazer o pedido a quem lá estava. Fiquei com aquele momento registado, não, foi antes o momento que me capturou, o que significa que teve impacto em mim. Se não tivesse tido, eu, certamente, não teria sequer reparado.
Sei que aquilo que tenho vindo a recordar me provoca desconforto e me provoca tristeza, mas também repulsa e raiva. Raiva por ver que as relações pessoais e profissionais se têm vindo a degradar de um modo tal que parece que voltamos ao tempo dos senhores e dos vassalos. Raiva por ver que todo o percurso feito no sentido de valorização do humanismo e da construção da equidade resultou nesta triste realidade. Raiva por ver que os direitos humanos, ao longo de tantos anos preconizados e almejados, foram considerados tábua rasa e só são evocados quando convém. Evocados, porque praticados, estão muito longe disso. Raiva por ver que há quem viva e domine através do medo que impõe aos outros, aos que precisam de sobreviver, porque é sobrevivência o que acontece, infelizmente, com a maioria das pessoas.
Quando lembro o que ouvi, apetece-me reformular a citação inicial. Afinal, há quem dê, sem dúvida. Mas também há quem tire. No sentido literal. E o pior que se pode tirar às pessoas é a sua dignidade. É o respeito a que têm direito. Quando isto acontece todos sabemos o que, mais tarde ou mais cedo, acontecerá ao mundo, como quem diz a todos nós. E não pode ser nada de bom.
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
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O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
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