A anemia democrática
Opinião » 2018-04-05 » Jorge Carreira Maia"A agonia da vida democrática nasce precisamente do facto do cadáver da cristandade ter sido completamente consumido. "
Se olharmos para as três principais ideologias políticas que estruturaram as democracias representativas, conservadorismo, liberalismo e socialismo (cada uma delas com diversas nuances), descobrimos que resultaram da implosão da visão cristã do mundo. O conservadorismo liga-se à ideia de tradição e de autoridade da Igreja (mesmo de uma Igreja reformada que rompeu com a Igreja Católica e as ideias de tradição e de autoridade). O liberalismo funda-se na crença de que os cristãos procuram a liberdade dos filhos de Deus e também na ideia de livre-arbítrio, ligada à liberdade de escolha. O socialismo emana da visão de comunidade, de uma comunhão na fé e na esperança de salvação. A implosão da visão cristã do mundo, que tem os seus começos no século XIV, na filosofia de Guilherme de Ockam, libertou cada uma destas perspectivas e permitiu que se especializassem como ideologias em sociedades cada vez mais seculares.
O que era um organismo, ao cindir-se, estruturou um horizonte que permitiu alicerçar crenças políticas e sociais diferentes – por vezes, antagónicas – e, ao mesmo tempo, um campo de conflito e de negociação. As democracias, até há pouco, viveram nesse horizonte proveniente da desagregação da cristandade ocidental. Na verdade, pode-se afirmar que as democracias se alimentaram do generoso cadáver da velha ordem cristã. Por isso, elas eram ainda formas políticas cristãs, se bem que sob um véu secular. Ora um cadáver, mesmo generoso, não é eterno. O facto de as nossas sociedades se terem tornado pós-cristãs, de os valores fundamentais que regem as decisões dos indivíduos provirem de outros lados, não poderá deixar de ter um impacto sobre os regimes políticos democráticos.
A agonia da vida democrática nasce precisamente do facto do cadáver da cristandade ter sido completamente consumido. As visões morais, sociais, políticas e económicas, que estruturavam as ideologias dos conservadorismos, dos liberalismos e dos socialismos, perderam a sua fonte de alimentação e, perante a avassaladora anemia que as atinge, entregam-se nas mãos do primeiro curandeiro exaltado que encontram. Estamos a chegar a um momento em que possuímos instituições e rituais democráticos mas aos quais falta o alimento. Instituições e práticas políticas que se tornaram destituídas de sentido podem durar algum tempo, mas acabarão por desaparecer substituídas por algo que pareça mais adequado. A crise das democracias está precisamente ligada ao fim dos valores que as alimentavam. O problema para quem defende a democracia representativa é esse: como alimentá-la se as suas fontes de nutrição desapareceram?
A anemia democrática
Opinião » 2018-04-05 » Jorge Carreira MaiaA agonia da vida democrática nasce precisamente do facto do cadáver da cristandade ter sido completamente consumido.
Se olharmos para as três principais ideologias políticas que estruturaram as democracias representativas, conservadorismo, liberalismo e socialismo (cada uma delas com diversas nuances), descobrimos que resultaram da implosão da visão cristã do mundo. O conservadorismo liga-se à ideia de tradição e de autoridade da Igreja (mesmo de uma Igreja reformada que rompeu com a Igreja Católica e as ideias de tradição e de autoridade). O liberalismo funda-se na crença de que os cristãos procuram a liberdade dos filhos de Deus e também na ideia de livre-arbítrio, ligada à liberdade de escolha. O socialismo emana da visão de comunidade, de uma comunhão na fé e na esperança de salvação. A implosão da visão cristã do mundo, que tem os seus começos no século XIV, na filosofia de Guilherme de Ockam, libertou cada uma destas perspectivas e permitiu que se especializassem como ideologias em sociedades cada vez mais seculares.
O que era um organismo, ao cindir-se, estruturou um horizonte que permitiu alicerçar crenças políticas e sociais diferentes – por vezes, antagónicas – e, ao mesmo tempo, um campo de conflito e de negociação. As democracias, até há pouco, viveram nesse horizonte proveniente da desagregação da cristandade ocidental. Na verdade, pode-se afirmar que as democracias se alimentaram do generoso cadáver da velha ordem cristã. Por isso, elas eram ainda formas políticas cristãs, se bem que sob um véu secular. Ora um cadáver, mesmo generoso, não é eterno. O facto de as nossas sociedades se terem tornado pós-cristãs, de os valores fundamentais que regem as decisões dos indivíduos provirem de outros lados, não poderá deixar de ter um impacto sobre os regimes políticos democráticos.
A agonia da vida democrática nasce precisamente do facto do cadáver da cristandade ter sido completamente consumido. As visões morais, sociais, políticas e económicas, que estruturavam as ideologias dos conservadorismos, dos liberalismos e dos socialismos, perderam a sua fonte de alimentação e, perante a avassaladora anemia que as atinge, entregam-se nas mãos do primeiro curandeiro exaltado que encontram. Estamos a chegar a um momento em que possuímos instituições e rituais democráticos mas aos quais falta o alimento. Instituições e práticas políticas que se tornaram destituídas de sentido podem durar algum tempo, mas acabarão por desaparecer substituídas por algo que pareça mais adequado. A crise das democracias está precisamente ligada ao fim dos valores que as alimentavam. O problema para quem defende a democracia representativa é esse: como alimentá-la se as suas fontes de nutrição desapareceram?
Caminho de Abril - maria augusta torcato » 2024-04-22 » Maria Augusta Torcato Olho para o meu caminho e fico contente. Acho mesmo que fiz o caminho de Abril. O caminho que Abril representa. No entanto, a realidade atual e os desafios diários levam-me a desejar muito que este caminho não seja esquecido, não por querer que ele se repita, mas para não nos darmos conta, quase sem tempo de manteiga nos dentes, que estamos, outra vez, lá muito atrás e há que fazer de novo o caminho com tudo o que isso implica e que hoje seria incompreensível e inaceitável. |
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia » 2024-04-10 » Jorge Carreira Maia Existe, em Portugal, uma franja pequena do eleitorado que quer, deliberadamente, destruir a democracia, não suporta os regimes liberais, sonha com o retorno ao autoritarismo. Ao votar Chega, fá-lo racionalmente. Contudo, a explosão do eleitorado do partido de André Ventura não se explica por esse tipo de eleitores. |
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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» 2024-04-22
» Maria Augusta Torcato
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» 2024-04-10
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