Mitos e lendas de Kaispergama - carlos paiva
Opinião » 2025-10-04
Diz o ditado popular: mãos ociosas são a oficina do diabo. Sendo o cérebro o principal órgão do ser humano, cuja capacidade superior o distingue dos outros seres vivos, é órgão feito para pensar. Existindo matéria prima disponível para tal, problemas para resolver, obstáculos para ultrapassar, desafios para vencer, o cérebro, irá desempenhar a sua função, pensar. Não existindo matéria prima disponível, o cérebro não sabe fazer outra coisa e pensa à mesma. Vagueia, deambula, remói, inventa. O tédio torna-se uma ameaça ao seu bom funcionamento e, consequentemente, à sanidade do indivíduo.
Por vezes, o tédio atinge uma massa crítica de tal ordem que engendra coisas verdadeiramente prodigiosas. Em tempos idos, rezam as lendas torrejanas, o tédio era tão absurdamente gigantesco que conseguiu colocar um comboio no castelo. Uma lenda, é certo, mas ainda assim, confere um poder mítico ao tédio.
Com o aproximar das eleições autárquicas seria de esperar que ocorresse tudo menos tédio. Que brotassem discussões e debates animados, que se arremessassem ideias, que se propusessem caminhos a seguir, direcções a explorar. Ângulos de abordagem e interpretações diferentes da realidade do concelho. Não.
Numa articulação perfeita entre as facções, há um consenso estranhamente alheio ao natural confronto entre candidatos/partidos, típico do contexto eleitoral: todos concordam que o concelho está estagnado, em especial a cidade sede. A desertificação. O subdesenvolvimento económico. O rio Almonda. Todos evocam o compromisso de combater a estagnação, todos prometem converter o pântano de águas paradas em rio agitado, vivo, com águas cristalinas. Todos referem os mesmos temas. Todos dizem as mesmas generalidades. Um tédio.
Com o tédio a prometer esta dimensão de inércia, arrisco prever nova lenda: um tubarão branco a nadar no rio Almonda. Eu sei que o tubarão branco (carcharodon carcharias) é bicho de água salgada e não de água doce. Mas a água do rio Almonda deixou de ser doce há muitos anos, daí tudo ser plausível. A lenda a ser: haverá quem jure ter visto uma barbatana dorsal triangular a cortar as águas. Visão acompanhada por um misterioso apito de comboio vindo da bruma a pairar em redor das ameias do castelo. A experiência é de tal forma assustadora e arrepiante que a testemunha entra em pânico, tropeça, cai desamparada de cara no chão, fracturando o nariz. O relato pormenorizado da experiência traumática, registado nas urgências do hospital de Abrantes, pois no de Torres Novas não existiam competências para endireitar o septo nasal ao paciente, eleva o tubarão rapidamente à categoria de celebridade. Mais de trinta mil curiosos deslocam-se a Torres Novas na expectativa de ver o tubarão do rio Almonda. O parque de estacionamento nas antigas oficinas da rodoviária fica a abarrotar. O presidente da Câmara retira dividendos deste sucesso sem hesitar, publicando no jornal O Mirante quatro páginas de texto enaltecendo as suas qualidades de líder, sublinhando repetidamente a sua mundialmente reconhecida modéstia. O rancho dos Riachos, vem a pé dos Riachos, em procissão atrás de um autocarro da Câmara Municipal completamente vazio, para actuar no jardim das rosas e entreter os fãs do tubarão. Alguém, totalmente por coincidência, cria uma página de Facebook para vender merchandise do tubarão, mas só por acaso. Calhou. Os bonés são um sucesso de vendas singular. Aparentemente toda a gente quis apanhar um. Fim de lenda.
O facto de todas as facções políticas identificarem exactamente os mesmos problemas, evidencia o resultado nefasto das maiorias absolutas, tanto quanto evidencia um péssimo desempenho da oposição. Se não adianta nada confrontar em assembleia, leve-se o confronto para a rua. Informe-se e sensibilize-se a população. Combata-se a indiferença e a apatia. Angariar recursos subtraindo-os à abstenção, porque foi a abstenção que permitiu a maioria absoluta em primeiro lugar. A arrogância dos intocáveis que, ao longo de trinta anos, interpretaram os trunfos de Torres Novas como incómodos, chatices e empecilhos, pode ter agora um fim. Desperdiçar a oportunidade é leviano.
Meus caros, levem a responsabilidade um bocadinho mais a sério. Alinhados numa quase perfeição, a prometer impossibilidades agradáveis, juntamente com desculpas esfarrapadas mascaradas de direitos constitucionais, disponibilizam terreno fértil para que nasçam lendas e mitos. Tudo se perfila para que os problemas reais sejam condenados à perpetuação.
A cada quatro anos foi prometido como prioridade endereçar o rio Almonda. Em mais de vinte anos, foi tarefa impossível, nunca passou de promessa eleitoral. Foste intrujado com o tubarão do Almonda? #metoo. Depois, resta o efectivamente exequível: vender bonés.
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Mitos e lendas de Kaispergama - carlos paiva
Opinião » 2025-10-04Diz o ditado popular: mãos ociosas são a oficina do diabo. Sendo o cérebro o principal órgão do ser humano, cuja capacidade superior o distingue dos outros seres vivos, é órgão feito para pensar. Existindo matéria prima disponível para tal, problemas para resolver, obstáculos para ultrapassar, desafios para vencer, o cérebro, irá desempenhar a sua função, pensar. Não existindo matéria prima disponível, o cérebro não sabe fazer outra coisa e pensa à mesma. Vagueia, deambula, remói, inventa. O tédio torna-se uma ameaça ao seu bom funcionamento e, consequentemente, à sanidade do indivíduo.
Por vezes, o tédio atinge uma massa crítica de tal ordem que engendra coisas verdadeiramente prodigiosas. Em tempos idos, rezam as lendas torrejanas, o tédio era tão absurdamente gigantesco que conseguiu colocar um comboio no castelo. Uma lenda, é certo, mas ainda assim, confere um poder mítico ao tédio.
Com o aproximar das eleições autárquicas seria de esperar que ocorresse tudo menos tédio. Que brotassem discussões e debates animados, que se arremessassem ideias, que se propusessem caminhos a seguir, direcções a explorar. Ângulos de abordagem e interpretações diferentes da realidade do concelho. Não.
Numa articulação perfeita entre as facções, há um consenso estranhamente alheio ao natural confronto entre candidatos/partidos, típico do contexto eleitoral: todos concordam que o concelho está estagnado, em especial a cidade sede. A desertificação. O subdesenvolvimento económico. O rio Almonda. Todos evocam o compromisso de combater a estagnação, todos prometem converter o pântano de águas paradas em rio agitado, vivo, com águas cristalinas. Todos referem os mesmos temas. Todos dizem as mesmas generalidades. Um tédio.
Com o tédio a prometer esta dimensão de inércia, arrisco prever nova lenda: um tubarão branco a nadar no rio Almonda. Eu sei que o tubarão branco (carcharodon carcharias) é bicho de água salgada e não de água doce. Mas a água do rio Almonda deixou de ser doce há muitos anos, daí tudo ser plausível. A lenda a ser: haverá quem jure ter visto uma barbatana dorsal triangular a cortar as águas. Visão acompanhada por um misterioso apito de comboio vindo da bruma a pairar em redor das ameias do castelo. A experiência é de tal forma assustadora e arrepiante que a testemunha entra em pânico, tropeça, cai desamparada de cara no chão, fracturando o nariz. O relato pormenorizado da experiência traumática, registado nas urgências do hospital de Abrantes, pois no de Torres Novas não existiam competências para endireitar o septo nasal ao paciente, eleva o tubarão rapidamente à categoria de celebridade. Mais de trinta mil curiosos deslocam-se a Torres Novas na expectativa de ver o tubarão do rio Almonda. O parque de estacionamento nas antigas oficinas da rodoviária fica a abarrotar. O presidente da Câmara retira dividendos deste sucesso sem hesitar, publicando no jornal O Mirante quatro páginas de texto enaltecendo as suas qualidades de líder, sublinhando repetidamente a sua mundialmente reconhecida modéstia. O rancho dos Riachos, vem a pé dos Riachos, em procissão atrás de um autocarro da Câmara Municipal completamente vazio, para actuar no jardim das rosas e entreter os fãs do tubarão. Alguém, totalmente por coincidência, cria uma página de Facebook para vender merchandise do tubarão, mas só por acaso. Calhou. Os bonés são um sucesso de vendas singular. Aparentemente toda a gente quis apanhar um. Fim de lenda.
O facto de todas as facções políticas identificarem exactamente os mesmos problemas, evidencia o resultado nefasto das maiorias absolutas, tanto quanto evidencia um péssimo desempenho da oposição. Se não adianta nada confrontar em assembleia, leve-se o confronto para a rua. Informe-se e sensibilize-se a população. Combata-se a indiferença e a apatia. Angariar recursos subtraindo-os à abstenção, porque foi a abstenção que permitiu a maioria absoluta em primeiro lugar. A arrogância dos intocáveis que, ao longo de trinta anos, interpretaram os trunfos de Torres Novas como incómodos, chatices e empecilhos, pode ter agora um fim. Desperdiçar a oportunidade é leviano.
Meus caros, levem a responsabilidade um bocadinho mais a sério. Alinhados numa quase perfeição, a prometer impossibilidades agradáveis, juntamente com desculpas esfarrapadas mascaradas de direitos constitucionais, disponibilizam terreno fértil para que nasçam lendas e mitos. Tudo se perfila para que os problemas reais sejam condenados à perpetuação.
A cada quatro anos foi prometido como prioridade endereçar o rio Almonda. Em mais de vinte anos, foi tarefa impossível, nunca passou de promessa eleitoral. Foste intrujado com o tubarão do Almonda? #metoo. Depois, resta o efectivamente exequível: vender bonés.
Se me for permitido - antónio mário santos
» 2025-10-18
» António Mário Santos
Em democracia, o voto do povo é soberano. Tanto os vencedores, como os vencidos, devem reflectir no resultado das opções populares, como na consequência para os projectos com que se apresentaram na campanha. Sou um dos perdedores. |
Autárquicas em Torres Novas - jorge carreira maia
» 2025-10-18
» Jorge Carreira Maia
Trincão Marques. O PS perdeu 1533 votos (diminui 7,7%) e dois vereadores. Uma vitória risível, quase uma derrota de Trincão Marques? Pelo contrário. A candidatura socialista tinha contra si 3 factores importantes: 1. |
O universo num grão de areia - carlos paiva
» 2025-10-18
» Carlos Paiva
Somos um povo granular. Se há algum denominador comum no nosso comportamento, é esse o mais evidente. Por defeito, permanecemos divididos em pequenos domínios e, apenas pontualmente, mediante grande pressão, somos capazes de união num bloco sólido. |
Martim Sousa Tavares e o efeito da arte - inês vidal
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» Inês Vidal
Sinto-me sempre noutra cidade, numa daquelas grandes, bem cotadas, por essa Europa adentro, quando me sento no auditório da Biblioteca Municipal de Torres Novas a ouvir Martim Sousa Tavares. Na terceira conferência do ciclo “Arte, beleza e significado ao longo do tempo”, que tem estado a promover na cidade ao longo deste ano, Martim fala de vida e de arte, começando na música clássica, passando pela escultura e pela pintura, indo da ópera ao teatro. |
Equívocos desastrosos - acácio gouveia
» 2025-10-04
» Acácio Gouveia
Pelos mesmos caminhos não se chega sempre aos mesmos fins Jean Jacques Rousseau
Quando ouço os generais Agostinho Sousa ou Carlos Branco tecerem considerações acerca da guerra na Ucrânia, presumo que estejam cronologicamente desfasados e, ao lançar os olhares para leste, vislumbrem a sigla CCCP e não РФ. |
Terramotos, tsunamis e incêndios - jorge carreira maia
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» Jorge Carreira Maia
Corre como se fosse uma maldição chinesa, mas é duvidosa a origem. Diz o seguinte: “Que vivas tempos interessantes!”. Ora, não apenas os tempos são interessantes, como muitos de nós os vivem como uma maldição. |
Linguagem comum - jorge carreira maia
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» Jorge Carreira Maia
As democracias vivem do desacordo e do conflito entre perspectivas e interesses políticos divergentes. Contudo, esses desacordos e conflitos estão enraizados numa linguagem comum que permite que os projectos políticos sejam julgados pelo voto popular, sem isso representar um problema para quem defende projectos derrotados, nem dar um acréscimo de poder e de legitimidade – para além do que está na lei – a quem vence. |
O regresso à escola - antónio mário santos
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» António Mário Santos
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Um país a brincar - carlos paiva
» 2025-09-20
» Carlos Paiva
"A malta sabe que é curto. Mas vai ter de dar." Episódios ilustradores da mentalidade portuguesa, em versão condensada. Ou, a cronologia recente em pontos altos, do culto da irresponsabilidade endémica lusitana. Acidente de aviação na ilha da Madeira em 1977, do qual resultaram 131 mortos. |
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» 2025-10-18
» Jorge Carreira Maia
Autárquicas em Torres Novas - jorge carreira maia |
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» 2025-10-18
» António Mário Santos
Se me for permitido - antónio mário santos |
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» 2025-10-18
» Carlos Paiva
O universo num grão de areia - carlos paiva |