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“O Almonda” e a história de Torres Novas - joão carlos lopes

Opinião  »  2022-11-12  »  João Carlos Lopes

“O Almonda” passa presentemente por uma crise de sobrevivência e meia dúzia de vozes tem-se levantado publicamente em defesa da continuidade do jornal. Atitude legítima e compreensível. Nada há de censurável ou criticável neste propósito. Não é esse o tema. O que é altamente contestável é a justificação apresentada para a defesa dessa ideia, assente em pressupostos completamente deturpados.

Vejamos: expressões como “não se pode fazer a história de Torres Novas sem “O Almonda”, “O Almonda faz parte da alma torrejana”, “O Almonda faz parte da identidade torrejana”, vulgarmente propaladas nessas arengas, encerram em si distorções na análise da história do jornalismo torrejano e dos jornais que fizeram essa história, e do papel que o jornal teve desde a sua fundação até nomeadamente ao 25 de Abril de 1974, num desconhecimento total da história do próprio jornal “O Almonda”.

Em primeiro lugar, os jornais são apenas um dos instrumentos e fontes para se abordar a história de uma terra, não são sequer as fontes fundamentais e imprescindíveis. No caso de Torres Novas, a história, uma parte dela, faz-se com os jornais que se foram sucedendo desde a década de 70 do século XIX, mas sobretudo com o JORNAL TORREJANO (1884-1915), que foi durante três décadas o jornal de Torres Novas, faz-se com O TORREJANO (1915-1917), fundado em 1915 a seguir ao encerramento do JORNAL TORREJANO e ele próprio encerrado pelo governo civil em 1917, faz-se com O ALMONDA a partir de 1918 e com as tentativas goradas de furar a ditadura, protagonizadas por A RENASCENÇA e A MOCIDADE ainda nos anos 30, numa fase em que existia apenas “O Almonda”, jornal católico e alinhado ao salazarismo, deixando de fora a expressão social e política de todos os outros sectores da sociedade torrejana. Esta é uma primeira definição e clarificação dos factos. O jornalismo torrejano foi isto e teve esta história até 1974.

Vejamos então, a traços grossos, a história do próprio “O Almonda”. Criado em 1918, não conseguiu publicar-se mais que escassos meses, encerrando logo de seguida. Deitou-lhe logo a mão Alberto Dinis da Fonseca, natural da Guarda, estabelecido como advogado em Torres Novas, companheiro e amigo próximo de António de Oliveira Salazar e de António Cerejeira dos tempos do Centro Académico da Democracia Cristã, agremiação de que foi fundador, em Coimbra, onde aliás foram correligionários de Carlos de Azevedo Mendes, a quem mais tarde Dinis da Fonseca confiaria o jornal.

Alberto Dinis da Fonseca montou tipografia própria para o jornal, a tipografia São Miguel, financiava-o e colocava à frente das tarefas do mesmo, incluindo o director, funcionários do seu cartório.

Antes de chegar a Torres Novas, Alberto Dinis da Fonseca já tinha sido candidato a deputado pelo Partido Nacionalista (1908), dirigente das juventudes católicas e activista da frente política e eleitoral católica, o Centro Católico. No período entre 1919 e cerca de 1930, “O Almonda” foi porta-voz quase privativo da actividade política e das ambições políticas de Alberto Dinis da Fonseca, que fazia do jornal o veículo das suas militâncias doutrinárias e políticas, de modo completamente claro e ostensivo. Sucedem-se primeiras páginas ou extensos artigos de propaganda doutrinária e política do Centro Católico e das suas posições anti-republicanas e reacionárias do ponto de vista social e ostensivamente contrárias às organizações dos trabalhadores.

Em “O Almonda”, não há Torres Novas, há a propaganda política e a voz da elite dirigente da acção católica. A sociedade torrejana não existe para o jornal: o mundo do trabalho, o movimento social e operário, as lutas sindicais, a realidade do mundo rural, numa época em que, note-se, não havia ainda a censura que viria com o golpe militar de 1926 e o Estado Novo. As poucas notícias, muito poucas em anos, que o jornal dá sobre o movimento social dos trabalhadores, é sempre para achincalhar e ridicularizar. Para Alberto Dinis da Fonseca, como para o activismo católico, a luta era contra o “socialismo” (ainda não existia o PCP, o velho Partido Socialista estava em extinção, emergiam o sindicalismo e o anarco-sindicalismo), e só havia duas opções, assim mesmo: “catolicismo ou bolchevismo”.

No início dos anos 30, Alberto Dinis da Fonseca vende a tipografia São Miguel, onde se imprimia o jornal, ao Patriarcado, e coloca o jornal nas mãos de Carlos de Azevedo Mendes, que depois de se fazer dele proprietário o entrega à Igreja e à sua estrutura paroquial local. Carlos de Azevedo Mendes, o todo poderoso presidente da Câmara, provedor da Misericórdia, procurador à Câmara Corporativa, deputado durante três mandatos à Assembleia Nacional da ditadura, acumula durante muito tempo estas funções e este imenso poder com a direcção de “O Almonda”. O jornal opta, obviamente, por uma política seguidista do Estado Novo e do salazarismo e os editoriais e artigos doutrinários muitas vezes ultrapassam ideologicamente o salazarismo pela direita, o que é notável.

Também esta fase de “O Almonda” do mandato de Carlos de Azevedo Mendes foi uma fase negra do jornalismo torrejano. Só “O Almonda” foi tolerado, mais nenhum jornal pôde existir e toda a sociedade torrejana continuava asfixiada, sem voz, sem expressão. De resto, os que lutavam eram presos. O pensamento social vertido nas páginas de “O Almonda” continua a ser um, o pensamento social da igreja alinhado à ideologia salazarista, omitindo de forma sempre cruel todas as outras expressões da sociedade torrejana. Um jornal político: não existe a realidade económica e social de todo um concelho, as aspirações dos operários e dos trabalhadores dos ofícios e do comércio, as breves do termo rural são quase sempre sobre eventos religiosos e pouco mais.

Nem os ventos do pós-guerra abanaram a rigidez salazarista de “O Almonda”. Nas eleições de 1958, não houve contemplações nem o mínimo respeito para com Humberto Delgado, um homem da terra, que já tinha fundado a TAP, ridicularizado pelos mandantes locais da União Nacional que tinha em “O Almonda” o seu porta-voz político e ideológico. Um situacionismo sem um pingo de vergonha durante décadas, em que a explicação do país e do mundo eram as notas oficiosas do governo. Não tinha de ser assim, não foi assim em todo o lado. Mas assim continuou e foi assim nas pseudo-eleições de 1969 e de 1973 e durante a guerra colonial, defendendo acerrimamente o colonialismo em contra corrente com o que as igrejas de outros países europeus pensavam (e de resto agiam nas “colónias” portuguesas, muitas vezes denunciando ao mundo crimes como o de Wiriamu).

O Almonda foi isto, até ao dia 25 de Abril de 1974. É uma fonte histórica relevante para a abordagem do passado de Torres Novas entre 1918 e 1974? Sem dúvida. Nas suas páginas há informação factológica única no que toca ao desporto, por exemplo, determinados eventos que iam marcando esses tempos, a partir de certa altura suplementos culturais (literatura, cinema, artes) em que era permitida a participação de personalidades da cultura local, conotadas com a oposição, sob a pressão das colectividades culturais, tudo isso é verdade. Informação factológica única que é única não devido a especiais méritos, mas porque na altura não pôde haver outra, é preciso lembrar isto. Informação factual única, repita-se, filtrada pelo crivo da censura e, mais do que pela censura, pelas opções políticas inequívocas do jornal sempre em defesa do regime.

Por isso o jornal, no seu todo, dá uma imagem desfocada e viciada de Torres Novas, apresenta a visão de um lado, omite os outros, calou-lhe a voz, moldou uma certa imagem de Torres Novas, do seu presente e do seu futuro, suportada por ideias conservadoras, retrógadas do ponto de vista social e que, em parte, contribuíram para o provincianismo torrejano e a sua distância face a cidades como Tomar e Abrantes, onde o mundo tinha outros horizontes.

O Almonda não é, portanto, a “alma torrejana”, ou símbolo maior da “identidade torrejana” nem é fonte única para a história de Torres Novas do passado recente. Desse passado recente, do 25 de Abril de 1974 até aos dias de hoje, os anais de onde se respira algo da “identidade torrejana” estão em quase 50 anos de publicação de “O ALMONDA”, alguns anos de A FORJA, 40 anos de publicação de O RIACHENSE e 30 anos de publicação desta série do JORNAL TORREJANO, agora sim, uma pluralidade de perpectivas que só a democracia permitiu. Os que legitimamente lutam pela sua sobrevivência têm de perceber que não é preciso adulterar ou “vender” uma visão deturpada do papel de “O Almonda” na nossa história recente para virem em socorro do velho jornal.

 

 

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