Violência na família - mariana varela
Opinião » 2021-11-25 » Mariana Varela"A análise do problema da violência no seio de uma família requer uma análise daquilo que é o próprio conceito de família."
A evolução do estado de coisas, a nível sócio-cultural, é quase sempre gradual e lenta, repleta de avanços e recuos constantes. Se é certo que em vários domínios da vida em comunidade alcançámos, sim, objectivos muito valiosos, outras situações continuam a destoar profundamente do ideal que possamos ter de uma sociedade mais justa. Sendo impensável que nos remetamos ao silêncio e à cobertura dos problemas que nos afligem, podemos e devemos reflectir sobre as suas profundas raízes e procurar entender as razões por que se fazem sentir ainda nas sociedades do séc. XXI.
Refiro-me, em particular, à multiplicidade de casos de violência doméstica, na sua dimensão física, sexual, verbal e psicológica - tendo como alvos crianças, adolescentes, mulheres e homens - que ainda hoje se verificam com tanta intensidade. Embora se tenha já observado reformas legislativas no que toca ao reconhecimento dos crimes de maus-tratos, bem como uma preocupação crescente com a sensibilização de agentes da justiça e forças de segurança e até com a institucionalização da dimensão do apoio à vítima, o adiamento prolongado de intervenção jurídico-criminal nesta matéria deixou marcas que se fazem ainda sentir no actual sistema jurídico e, inevitavelmente, no próprio entendimento social do fenómeno em causa. Surge como inegável a importância que a actuação do poder público assume no processo de consciencialização pública referente a algumas matérias, do mesmo modo que a transformação espontânea de estereótipos sociais deverá provocar no próprio sistema uma urgência de adequação a essa constante e necessária mutação social.
A análise do problema da violência no seio de uma família requer uma análise daquilo que é o próprio conceito de família e das noções e representações sociais que se lhe associam. Todas as formas de violência, para que historicamente se perpetuassem, foram encontrando mecanismos de justificação, quase sempre ideológicos, religiosos e políticos, dando margem para que se questionasse a sua existência ou até a sua correcção moral e função própria (no caso das crianças, o facto de se pensar, por exemplo, ser esse um método essencial e eficaz na sua formação e educação…). A tolerância perante os fenómenos violentos vividos na privacidade da família, e muitas vezes negação, está claramente associada a uma noção de família ideal, instituição fundamental para o desenvolvimento da vida humana, o lugar privilegiado para a preocupação e protecção incondicionais. Cada um tem, assim, uma posição específica a ocupar, quer numa relação conjugal, quer, por exemplo, numa relação pai-filho.
É comum que se tente justificar os maus-tratos pelo suposto mau desempenho da vítima naquele que é o seu papel conjugal (sendo paradigmáticas as situações de adultério), pelas próprias obrigações decorrentes da consumação de matrimónio, que justifica todo o tipo de actos violentos por parte do homem todo-poderoso que deve impor a disciplina no lar, punindo e violentando a mulher e os filhos, quase tidos como propriedade. As relações conjugais assentes nesta “relação de poder” serão sempre fontes de infelicidade e desgaste para quem as vive. Por outro lado, os homens em situações abusivas no seio da relação conjugal estão clara e fortemente desprotegidos: o papel social e familiar que tradicionalmente lhes é atribuído não lhes deixa espaço para se apresentarem à sociedade, ou a si mesmos, como vítimas do que quer que seja.
E assim se sustentam desigualdades sociais, injustiças e graves problemas de direitos humanos. Desvalorizam-se situações de verdadeira miséria humana, de violência infantil e conjugal, desprezam-se relações conjugais e modelos de vida familiar alternativos ao padrão - apesar da crescente versatilidade de modelos de família a que assistimos. A família pode e consegue ser um lugar de opressão, e é preciso que o sistema judicial adeque a sua resposta a essa realidade. É também, e essencialmente, tarefa das entidades públicas competentes, criar condições para que se dê uma resposta cabal e multidisciplinar, de prevenção, educação e acompanhamento.
Violência na família - mariana varela
Opinião » 2021-11-25 » Mariana VarelaA análise do problema da violência no seio de uma família requer uma análise daquilo que é o próprio conceito de família.
A evolução do estado de coisas, a nível sócio-cultural, é quase sempre gradual e lenta, repleta de avanços e recuos constantes. Se é certo que em vários domínios da vida em comunidade alcançámos, sim, objectivos muito valiosos, outras situações continuam a destoar profundamente do ideal que possamos ter de uma sociedade mais justa. Sendo impensável que nos remetamos ao silêncio e à cobertura dos problemas que nos afligem, podemos e devemos reflectir sobre as suas profundas raízes e procurar entender as razões por que se fazem sentir ainda nas sociedades do séc. XXI.
Refiro-me, em particular, à multiplicidade de casos de violência doméstica, na sua dimensão física, sexual, verbal e psicológica - tendo como alvos crianças, adolescentes, mulheres e homens - que ainda hoje se verificam com tanta intensidade. Embora se tenha já observado reformas legislativas no que toca ao reconhecimento dos crimes de maus-tratos, bem como uma preocupação crescente com a sensibilização de agentes da justiça e forças de segurança e até com a institucionalização da dimensão do apoio à vítima, o adiamento prolongado de intervenção jurídico-criminal nesta matéria deixou marcas que se fazem ainda sentir no actual sistema jurídico e, inevitavelmente, no próprio entendimento social do fenómeno em causa. Surge como inegável a importância que a actuação do poder público assume no processo de consciencialização pública referente a algumas matérias, do mesmo modo que a transformação espontânea de estereótipos sociais deverá provocar no próprio sistema uma urgência de adequação a essa constante e necessária mutação social.
A análise do problema da violência no seio de uma família requer uma análise daquilo que é o próprio conceito de família e das noções e representações sociais que se lhe associam. Todas as formas de violência, para que historicamente se perpetuassem, foram encontrando mecanismos de justificação, quase sempre ideológicos, religiosos e políticos, dando margem para que se questionasse a sua existência ou até a sua correcção moral e função própria (no caso das crianças, o facto de se pensar, por exemplo, ser esse um método essencial e eficaz na sua formação e educação…). A tolerância perante os fenómenos violentos vividos na privacidade da família, e muitas vezes negação, está claramente associada a uma noção de família ideal, instituição fundamental para o desenvolvimento da vida humana, o lugar privilegiado para a preocupação e protecção incondicionais. Cada um tem, assim, uma posição específica a ocupar, quer numa relação conjugal, quer, por exemplo, numa relação pai-filho.
É comum que se tente justificar os maus-tratos pelo suposto mau desempenho da vítima naquele que é o seu papel conjugal (sendo paradigmáticas as situações de adultério), pelas próprias obrigações decorrentes da consumação de matrimónio, que justifica todo o tipo de actos violentos por parte do homem todo-poderoso que deve impor a disciplina no lar, punindo e violentando a mulher e os filhos, quase tidos como propriedade. As relações conjugais assentes nesta “relação de poder” serão sempre fontes de infelicidade e desgaste para quem as vive. Por outro lado, os homens em situações abusivas no seio da relação conjugal estão clara e fortemente desprotegidos: o papel social e familiar que tradicionalmente lhes é atribuído não lhes deixa espaço para se apresentarem à sociedade, ou a si mesmos, como vítimas do que quer que seja.
E assim se sustentam desigualdades sociais, injustiças e graves problemas de direitos humanos. Desvalorizam-se situações de verdadeira miséria humana, de violência infantil e conjugal, desprezam-se relações conjugais e modelos de vida familiar alternativos ao padrão - apesar da crescente versatilidade de modelos de família a que assistimos. A família pode e consegue ser um lugar de opressão, e é preciso que o sistema judicial adeque a sua resposta a essa realidade. É também, e essencialmente, tarefa das entidades públicas competentes, criar condições para que se dê uma resposta cabal e multidisciplinar, de prevenção, educação e acompanhamento.
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
Eleições, para que vos quero! - antónio mário santos » 2024-02-22 Quando me aborreço, mudo de canal. Vou seguindo os debates eleitorais televisivos, mas, saturado, opto por um filme no SYFY, onde a Humanidade tenta salvar com seus heróis americanizados da Marvel o planeta Terra, em vez de gramar as notas e as opiniões dos comentadores profissionais e partidocratas que se esfalfam na crítica ou no elogio do seu candidato de estimação. |
» 2024-02-28
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