OS AMIGOS DE OLEX
Opinião » 2015-09-25 » José Ricardo Costa"Começamos por estudar História mas será sempre a imaginação e a mitologia, como o Olex no cabelo, a fazer o seu trabalho de restauro"
Já me pude aperceber que há muitos jovens entusiasmados com a mitologia dos anos 60, olhando para os portugueses que terão hoje 60 e 70 anos e imaginando uma juventude de sexo, droga e rock and roll, quiçá, tendo alguns deles estado em Woodstock. E soubessem eles o que foi o Maio de 68 e ainda iriam pensar que os seus pais também tivessem andado por cá a proibir proibir e outras coisas engraçadas do género. Ora, acontece que Portugal não teve anos 60. Portugal, nos anos 60, era o TV Rural, as picarias, o Cantinflas mais o Django e o Sartana, a Crónica Feminina, as festas de aldeia, o Roberto Carlos, o Nelson Ned, a Hermínia Silva e o Gianni Morandi no Quando o Telefona Toca, o Benfica-Sporting na telefonia, Madalena Iglésias vs. Simone de Oliveira, a orgulhosa conquista da montanha francesa pelo Joaquim Agostinho, as casas de pasto, os salões de bilhar, os magalas, longe da terra, a mandar piropos às moças ou a dizer «Adeus, até ao meu regresso» mas sem direito a filmes de Hollywood e a manifestações subversivas e nada de pretos de cabeleira loira e brancos de carapinha. Enfim, mais do que o trio sex, drugs and rock and roll, Portugal era a Gina, as minis da Sagres e o Nilton César a cantar «Receba as flores que lhe dou/ e em cada flor um beijo meu».
Claro que havia jovens a ir a Londres e a Paris, por exemplo, no Interail, mas sair do Portugal rural desse tempo ou de uma Lisboa ou Porto, ainda provincianas, era como ir à Lua. Claro que se ouvia Doors, Rolling Stones, Led Zeppelin e Cat Stevens, este para os lascivos slows dançados em festas de garagem, mas isso era para quem tinha dinheiro para comprar discos, garagem para dançar e andasse no liceu, raridade naquele tempo uma vez que, para a maioria, a juventude era vivida a trabalhar.
Isto em Portugal. Mas mesmo em Inglaterra, EUA ou França, o que foram os anos 60? Na nossa consciência actual os anos 60 foram uma década de contestação, subversiva, marcada por comportamentos desviantes e anti-burgueses. Como foi construída nas nossas cabeças esta imagem dos anos 60? Com um filme chamado Woodstock (que não passou de um simples fim-de-semana de guitarradas eléctricas), meia-dúzia de fotografias que se transformaram em ícones, umas canções que falam de sexo e uns velhotes narcisistas que falam hoje daquele tempo como se o seu tempo e as suas acções fossem o centro da História. Mas até que ponto estas referências traduzem fielmente uma época? Como podemos nós dizer que conhecemos e penetramos nos anos 60, graças a essas referências? Como é possível que, tão pouco tempo depois, já exista tanta mitologia nas nossas cabeças a respeito de uma época cujos protagonistas ainda estão vivos?
Ora, se a imaginação se liberta tão fácil e rapidamente para divagar sobre acontecimentos tão recentes, como podemos nós dizer que conhecemos o que foi viver durante a Revolução Francesa? Ou viver na Inglaterra vitoriana? Ou no Renascimento? Ou na Idade Média? Não podemos. Falar em liberdade, igualdade e fraternidade no século XVIII é tão válido como falar em sexo, drogas e rock and roll nos anos 60 ou reduzir parte do século XX português a Deus, pátria e família. Tudo chavões, slogans que jamais traduzirão o que efectivamente se viveu. Independentemente do vasto material documental que possamos ter, cada vez me convenço mais de que a nossa representação do passado será sempre um produto da imaginação. Começamos por estudar História mas, depois de adormecermos sobre os livros, será sempre a imaginação e a mitologia, como o Olex no cabelo, a fazer o seu trabalho de restauro.
OS AMIGOS DE OLEX
Opinião » 2015-09-25 » José Ricardo CostaComeçamos por estudar História mas será sempre a imaginação e a mitologia, como o Olex no cabelo, a fazer o seu trabalho de restauro
Já me pude aperceber que há muitos jovens entusiasmados com a mitologia dos anos 60, olhando para os portugueses que terão hoje 60 e 70 anos e imaginando uma juventude de sexo, droga e rock and roll, quiçá, tendo alguns deles estado em Woodstock. E soubessem eles o que foi o Maio de 68 e ainda iriam pensar que os seus pais também tivessem andado por cá a proibir proibir e outras coisas engraçadas do género. Ora, acontece que Portugal não teve anos 60. Portugal, nos anos 60, era o TV Rural, as picarias, o Cantinflas mais o Django e o Sartana, a Crónica Feminina, as festas de aldeia, o Roberto Carlos, o Nelson Ned, a Hermínia Silva e o Gianni Morandi no Quando o Telefona Toca, o Benfica-Sporting na telefonia, Madalena Iglésias vs. Simone de Oliveira, a orgulhosa conquista da montanha francesa pelo Joaquim Agostinho, as casas de pasto, os salões de bilhar, os magalas, longe da terra, a mandar piropos às moças ou a dizer «Adeus, até ao meu regresso» mas sem direito a filmes de Hollywood e a manifestações subversivas e nada de pretos de cabeleira loira e brancos de carapinha. Enfim, mais do que o trio sex, drugs and rock and roll, Portugal era a Gina, as minis da Sagres e o Nilton César a cantar «Receba as flores que lhe dou/ e em cada flor um beijo meu».
Claro que havia jovens a ir a Londres e a Paris, por exemplo, no Interail, mas sair do Portugal rural desse tempo ou de uma Lisboa ou Porto, ainda provincianas, era como ir à Lua. Claro que se ouvia Doors, Rolling Stones, Led Zeppelin e Cat Stevens, este para os lascivos slows dançados em festas de garagem, mas isso era para quem tinha dinheiro para comprar discos, garagem para dançar e andasse no liceu, raridade naquele tempo uma vez que, para a maioria, a juventude era vivida a trabalhar.
Isto em Portugal. Mas mesmo em Inglaterra, EUA ou França, o que foram os anos 60? Na nossa consciência actual os anos 60 foram uma década de contestação, subversiva, marcada por comportamentos desviantes e anti-burgueses. Como foi construída nas nossas cabeças esta imagem dos anos 60? Com um filme chamado Woodstock (que não passou de um simples fim-de-semana de guitarradas eléctricas), meia-dúzia de fotografias que se transformaram em ícones, umas canções que falam de sexo e uns velhotes narcisistas que falam hoje daquele tempo como se o seu tempo e as suas acções fossem o centro da História. Mas até que ponto estas referências traduzem fielmente uma época? Como podemos nós dizer que conhecemos e penetramos nos anos 60, graças a essas referências? Como é possível que, tão pouco tempo depois, já exista tanta mitologia nas nossas cabeças a respeito de uma época cujos protagonistas ainda estão vivos?
Ora, se a imaginação se liberta tão fácil e rapidamente para divagar sobre acontecimentos tão recentes, como podemos nós dizer que conhecemos o que foi viver durante a Revolução Francesa? Ou viver na Inglaterra vitoriana? Ou no Renascimento? Ou na Idade Média? Não podemos. Falar em liberdade, igualdade e fraternidade no século XVIII é tão válido como falar em sexo, drogas e rock and roll nos anos 60 ou reduzir parte do século XX português a Deus, pátria e família. Tudo chavões, slogans que jamais traduzirão o que efectivamente se viveu. Independentemente do vasto material documental que possamos ter, cada vez me convenço mais de que a nossa representação do passado será sempre um produto da imaginação. Começamos por estudar História mas, depois de adormecermos sobre os livros, será sempre a imaginação e a mitologia, como o Olex no cabelo, a fazer o seu trabalho de restauro.
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia » 2024-04-10 » Jorge Carreira Maia Existe, em Portugal, uma franja pequena do eleitorado que quer, deliberadamente, destruir a democracia, não suporta os regimes liberais, sonha com o retorno ao autoritarismo. Ao votar Chega, fá-lo racionalmente. Contudo, a explosão do eleitorado do partido de André Ventura não se explica por esse tipo de eleitores. |
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
» 2024-04-10
» Jorge Carreira Maia
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia |