Casa Espanhol encerrou: o eterno adeus ao comerciante mais antigo de Torres Novas, que o "Canja" continua fino
Sociedade » 2018-05-30João José Lopes trabalhou na loja quase 78 anos
Mais de cem anos depois, se contarmos o tempo em que a loja esteve na cave do velho teatro Virgínia, encerrou as portas a Casa Espanhol, em Torres Novas. Na quarta-feira, dia 30 de Maio de 2018.
Tudo começou numa pequena loja que pouco mais era que um corredor, sob o velho teatro Virgínia, paredes meias com a Praça do Peixe, na rua Nova. Ali teve início, no princípio do século XX, um pequeno negócio de amola facas e tesouras, que era propriedade de um cidadão espanhol. Já então era a “loja do espanhol”.
No início dos anos XX chega a Torres Novas o cidadão espanhol Juan Lopez, com a sua roda de amolador, depois de uma temporada em Mira de Aire, onde conhecera a mulher que com ele havia de casar. Era de Laña del Monte, perto de Orense, na Galiza. Não fugiu da guerra civil, como se escreve amiúde por aí – o conflito que ensanguentou a Espanha só teria início em 1936.
Nessa altura, anos 30, já Juan Lopez tinha há muito a loja do seu velho conterrâneo, que lha havia passado por questões de afinidade, de pátria e de ofício. E, em 1929, já lhe tinha nascido em Torres Novas, ali bem perto da praça do peixe, no bairro de Valverde, João José Lopes, o segundo filho – primeiro tinha nascido a irmã, Lucília. Quando Juan Lopez morreu, em 1940, a pobreza assolava o país, a vila e em especial aquela família. Com 11 anos, João José Lopes não teve outro remédio: no dia seguinte ao enterro do pai, a mãe entregou-lhe a chave da loja e ele foi abri-la. Começou a trabalhar na loja. Onze anos e a sustentar a família. Não parou até hoje. Quase 78 anos de trabalho.
Mudada para a rua Carlos Reis a escassos metros do seu local inicial, a Casa Espanhol foi durante décadas referência comercial na sua área. Na zona, eram poucos e cada vez menos os artesãos especializados em cofres e fechaduras, ou na arte de afiar lâminas de tipografia, um dos ramos de negócio que foi determinante na sobrevivência da loja. Nos anos 70, a Casa Espanhol vendia, para além de guarda-chuvas e uma gama vasta de produtos de cutelaria, vidros e objectos de decoração. A produção de chaves era massiva (não havia mais nenhuma loja na vila e arredores), muita gente mandava arranjar guarda-chuvas, as tesouras de poda e de tosquiar eram negócios fortes e sazonais, havia muitas tipografias e pequenas gráficas e, na arte de abrir cofres e resolver problemas difíceis com fechaduras, não havia artista como o João José Lopes, o “João Espanhol” para os torrejanos e terras em redor.
A abertura dos mercados nos anos 80, o fim de muitas tipografias, os hábitos de consumo que ditavam novas regras (já não se arranjavam guarda-chuvas como antigamente, as tesouras e facas começaram a usar-se e deitar-se fora), a importação massiva de guarda-chuvas mais baratos e de fraca qualidade oriundos de mercados emergentes, foram o cenário perfeito para que a Casa Espanhol começasse a perder a importância comercial que tivera.
A loja, propriedade de João José Lopes e de seu irmão Manuel Joaquim Lopes, nunca deu para enriquecer ninguém. Mas, nos últimos 20 anos, o negócio mal dava para pagar à empregada, quando dava. Com 88 anos feitos neste mês de Maio, há muito que João Espanhol poderia ter fechado a loja, mas quis resistir até poder. O trabalho foi para ele uma questão vital, de sobrevivência física, uma estratégia de luta contra a ordem natural das coisas. Só a debilidade da sua saúde, que se acentuou há pouco mais de ano e meio, levou João Espanhol a encarar, embora com dificuldade, o fecho de uma loja que foi mais que uma vida. Nela trabalhou quase 80 anos, uma raridade em qualquer parte do mundo nos tempos que correm e muito mais nos outros, quando a esperança de vida não permitia estas missões de longo curso. Na quarta-feira e último dia desta incrível caminhada, não é dia de descanso: há muito trabalho ainda por acabar para os últimos clientes, diz o João Espanhol.
Para Torres Novas, representa o fim da actividade profissional do mais antigo comerciante da cidade e o encerramento de portas de uma das três lojas mais antigas. Mais que isso, o fim da presença diária de uma figura humana que é uma referência de um tempo longo, de um tempo em que a vila era habitada e tinha gente com vida e com história.
A outra “Casa Espanhol”
A loja do João Espanhol não era apenas um espaço comercial. Foi desde sempre uma tertúlia aberta à passagem diária e ao convívio de amigos, muitos, que o João Espanhol tinha e tem. Desde o início dos anos 70, ali se alinhavam as pequenas conspirações da luta contra o regime: a Casa Espanhol era uma espécie de sede autorizada da oposição. Com a democracia, passou a ser igualmente um entreposto logístico do PCP, de que nunca o João Espanhol escondeu simpatias. Ali se ia buscar o “Avante” ou as entradas para a festa, na loja se faziam inscrições para os almoços do 25 de Abril, ali o “Canja” tinha uma espécie de capelinha dedicada aos políticos da sua devoção, com cartazes e retratos de Álvaro Cunhal ou Fidel Castro.
Este cenário politizado nunca foi impeditivo para os amigos do João Espanhol, o "Canja": sabiam-no um homem de convicções mas, mais que isso, um homem de grande generosidade, amigo dos seus amigos. Com ele, o abraço, a amizade e a alegria de viver estavam primeiro que a política. Por isso trabalhou tanto e tanto tem vivido.
Ali naquela loja estava também uma pequena exposição documental da segunda vida do João Espanhol, que ele teve uma segunda vida: a de artista das canções, campeão de Portugal das cantigas no concurso “À procura de uma estrela”, vocalista do conjunto Níger durante décadas. Mas essa história dava um livro. J.C.L.
Casa Espanhol encerrou: o eterno adeus ao comerciante mais antigo de Torres Novas, que o "Canja" continua fino
Sociedade » 2018-05-30João José Lopes trabalhou na loja quase 78 anos
Mais de cem anos depois, se contarmos o tempo em que a loja esteve na cave do velho teatro Virgínia, encerrou as portas a Casa Espanhol, em Torres Novas. Na quarta-feira, dia 30 de Maio de 2018.
Tudo começou numa pequena loja que pouco mais era que um corredor, sob o velho teatro Virgínia, paredes meias com a Praça do Peixe, na rua Nova. Ali teve início, no princípio do século XX, um pequeno negócio de amola facas e tesouras, que era propriedade de um cidadão espanhol. Já então era a “loja do espanhol”.
No início dos anos XX chega a Torres Novas o cidadão espanhol Juan Lopez, com a sua roda de amolador, depois de uma temporada em Mira de Aire, onde conhecera a mulher que com ele havia de casar. Era de Laña del Monte, perto de Orense, na Galiza. Não fugiu da guerra civil, como se escreve amiúde por aí – o conflito que ensanguentou a Espanha só teria início em 1936.
Nessa altura, anos 30, já Juan Lopez tinha há muito a loja do seu velho conterrâneo, que lha havia passado por questões de afinidade, de pátria e de ofício. E, em 1929, já lhe tinha nascido em Torres Novas, ali bem perto da praça do peixe, no bairro de Valverde, João José Lopes, o segundo filho – primeiro tinha nascido a irmã, Lucília. Quando Juan Lopez morreu, em 1940, a pobreza assolava o país, a vila e em especial aquela família. Com 11 anos, João José Lopes não teve outro remédio: no dia seguinte ao enterro do pai, a mãe entregou-lhe a chave da loja e ele foi abri-la. Começou a trabalhar na loja. Onze anos e a sustentar a família. Não parou até hoje. Quase 78 anos de trabalho.
Mudada para a rua Carlos Reis a escassos metros do seu local inicial, a Casa Espanhol foi durante décadas referência comercial na sua área. Na zona, eram poucos e cada vez menos os artesãos especializados em cofres e fechaduras, ou na arte de afiar lâminas de tipografia, um dos ramos de negócio que foi determinante na sobrevivência da loja. Nos anos 70, a Casa Espanhol vendia, para além de guarda-chuvas e uma gama vasta de produtos de cutelaria, vidros e objectos de decoração. A produção de chaves era massiva (não havia mais nenhuma loja na vila e arredores), muita gente mandava arranjar guarda-chuvas, as tesouras de poda e de tosquiar eram negócios fortes e sazonais, havia muitas tipografias e pequenas gráficas e, na arte de abrir cofres e resolver problemas difíceis com fechaduras, não havia artista como o João José Lopes, o “João Espanhol” para os torrejanos e terras em redor.
A abertura dos mercados nos anos 80, o fim de muitas tipografias, os hábitos de consumo que ditavam novas regras (já não se arranjavam guarda-chuvas como antigamente, as tesouras e facas começaram a usar-se e deitar-se fora), a importação massiva de guarda-chuvas mais baratos e de fraca qualidade oriundos de mercados emergentes, foram o cenário perfeito para que a Casa Espanhol começasse a perder a importância comercial que tivera.
A loja, propriedade de João José Lopes e de seu irmão Manuel Joaquim Lopes, nunca deu para enriquecer ninguém. Mas, nos últimos 20 anos, o negócio mal dava para pagar à empregada, quando dava. Com 88 anos feitos neste mês de Maio, há muito que João Espanhol poderia ter fechado a loja, mas quis resistir até poder. O trabalho foi para ele uma questão vital, de sobrevivência física, uma estratégia de luta contra a ordem natural das coisas. Só a debilidade da sua saúde, que se acentuou há pouco mais de ano e meio, levou João Espanhol a encarar, embora com dificuldade, o fecho de uma loja que foi mais que uma vida. Nela trabalhou quase 80 anos, uma raridade em qualquer parte do mundo nos tempos que correm e muito mais nos outros, quando a esperança de vida não permitia estas missões de longo curso. Na quarta-feira e último dia desta incrível caminhada, não é dia de descanso: há muito trabalho ainda por acabar para os últimos clientes, diz o João Espanhol.
Para Torres Novas, representa o fim da actividade profissional do mais antigo comerciante da cidade e o encerramento de portas de uma das três lojas mais antigas. Mais que isso, o fim da presença diária de uma figura humana que é uma referência de um tempo longo, de um tempo em que a vila era habitada e tinha gente com vida e com história.
A outra “Casa Espanhol”
A loja do João Espanhol não era apenas um espaço comercial. Foi desde sempre uma tertúlia aberta à passagem diária e ao convívio de amigos, muitos, que o João Espanhol tinha e tem. Desde o início dos anos 70, ali se alinhavam as pequenas conspirações da luta contra o regime: a Casa Espanhol era uma espécie de sede autorizada da oposição. Com a democracia, passou a ser igualmente um entreposto logístico do PCP, de que nunca o João Espanhol escondeu simpatias. Ali se ia buscar o “Avante” ou as entradas para a festa, na loja se faziam inscrições para os almoços do 25 de Abril, ali o “Canja” tinha uma espécie de capelinha dedicada aos políticos da sua devoção, com cartazes e retratos de Álvaro Cunhal ou Fidel Castro.
Este cenário politizado nunca foi impeditivo para os amigos do João Espanhol, o "Canja": sabiam-no um homem de convicções mas, mais que isso, um homem de grande generosidade, amigo dos seus amigos. Com ele, o abraço, a amizade e a alegria de viver estavam primeiro que a política. Por isso trabalhou tanto e tanto tem vivido.
Ali naquela loja estava também uma pequena exposição documental da segunda vida do João Espanhol, que ele teve uma segunda vida: a de artista das canções, campeão de Portugal das cantigas no concurso “À procura de uma estrela”, vocalista do conjunto Níger durante décadas. Mas essa história dava um livro. J.C.L.
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