Tudo e mais alguma coisa sobre o jardim do Almonda Parque: 100 anos e muitas histórias
Sociedade » 2021-04-23
Foi horta durante séculos, logo pegada à fábrica de chitas, depois “social club”, picadeiro da cavalaria, campo de jogos, recinto de feiras e mercados para ser trucidado por um parque de estacionamento. Na posta restante, fica agora um pequeno jardim. É pena.
Alapado às margens do rio Almonda vai para 30 anos, o regime socialista tem sido pródigo, entre outras manigâncias, na destruição e na falsificação da história de Torres Novas. Ao hospital velho, construído novinho em folha no século XIX como edifício hospitalar, o regime chama-lhe agora, depois de requalificado, “convento do Carmo”, chamando estúpidos a 35 mil torrejanos. Aos jardins da Fontinha puseram a alcunha de “jardim das rosas” por causa de um mal amanhado canteiro de um obscuro recanto do jardim, e que nem rosas tem ou raramente teve.
Desta vez, para amostra, respeitaram o nome do novo pequeno jardim implantado na antiga Horta das Pedras, dando-lhe a designação de “Almonda Parque”, consentânea com o que ocorreu naquele espaço a partir de 1927.
Um homem do norte
A história começa muito longe daqui, no verde Minho, em Joane, Famalicão, local de nascimento de José Manuel Ferreira, talvez o mais industrioso empreendedor (como agora se diz, mas dantes era a sério) “torrejano” dos últimos 120 anos. Chegou na viragem dos séculos XIX/XX e em 1918 já estava a montar a primeira maquineta para produção de energia eléctrica, no canto do matadouro, experiência pioneira e mais tarde por ele prolongada com a constituição da Empresa Industrial de Electricidade do Almonda, no Caldeirão. No canto do matadouro fundou uma fábrica de conservas de tomate e ervilha, onde mais tarde esteve o célebre “Salão Ervilha”, local de tertúlias e de ensaio da filarmónica torrejana.
Ferreira negociou aguardentes, vinhos e azeites, tinha casa bancária aberta, sediou-se entre o Lamego e a Bácora, onde construiu um prédio e um armazém onde funcionou uma fábrica de álcool (tudo onde está o edifício Parque). Nesse edifício albergou o Centro Republicano, a sede do Torres Novas Foot Ball Club e a Tuna Torrejana. Um verdadeiro centro cultural. Ao lado, o industrial fundou a Pensão Parque (FOTO 2). Próxima estava a sua casa e o “quintal do Zé Ferreira”, parte do actual largo D. Diogo de Almeida, onde até casamentos se faziam, e também uma loja de electrodomésticos e equipamentos de electricidade. Pelo meio, José Manuel Ferreira ainda fundou um jornal, “O Commercio de Torres Novas”.
Um “social club” em Torres Novas
E o que é que José Manuel Ferreira tem que ver com o Almonda Parque? Tem tudo. Em 1926, o Torres Novas Foot Ball Club jogava no Rossio, mas o campo não satisfazia as exigências oficiais e começou a falar-se num campo de jogos na Horta das Pedras, uma pequena várzea situada entre o rio e os campos e hortas do Nogueiral. José Manuel Ferreira não perdeu tempo e, juntamente com um amigo, António Campos, cria o “Almonda Parque”, um social club misto de passeio público, jardim, recreio desportivo e lazer. Com restaurante, ali se realizaram festarolas e verbenas, implantou-se o primeiro campo de ténis (Carlos Azevedo Mendes, o deputado, provedor da Misericórdia, director de “o Almonda”, presidente da Câmara, “senhor de Fátima”, “macho do petróleo” para os torrejanos, foi o principal entusiasta da modalidade), mas sobretudo o recinto compreendeu, logo em 1927, um campo de futebol, o célebre campo de futebol do Almonda Parque (FOTO 3).
E foi nesse campo que o TNFC viveu os primeiros gloriosos tempos do futebol torrejano e onde despontaram craques como Carlos Torres, que seria estrela do SL Benfica e campeão nacional pelos encarnados, e seu irmão, Francisco Torres, o “Barril”, que rumou para o Carcavelinhos, tal como o Benfica a disputar o campeonato de Lisboa, antes do campeonato de Portugal, pois não havia ainda o “nacional” nos termos em que se iniciou em 1938.
Mas, em 1934, uma notícia caiu que nem uma bomba na vila: o Almonda Parque ia ser arrendado à Escola Prática de Cavalaria e o clube a vila ficariam sem campo de jogos para o futebol oficial. Protestos, pressões, mas a tropa era um posto e a EPC não teve pejo em acabar com o futebol oficial em Torres Novas, criando um enorme prejuízo ao clube e ao futebol torrejano, o que teria consequências irreparáveis e nunca compensadas. Para nada, uma vez que passados poucos anos a EPC desinteressava-se do espaço e parte dele seria adquirido pela câmara, que durante a penúria do tempo da Segunda Guerra Mundial permitiu que algumas famílias usassem o terreno para semear batatas, como se fez nos adros de algumas aldeias do concelho. Voltavam as hortas à Horta das Pedras, enquanto Hitler se afundava às portas de Estalingrado e Churchil fechava o cerco pelas praias da Normandia.
Vão-se os cavalos, volta a bola
Em 1944, surge a hipótese de a Câmara ceder o Almonda Parque para o renascimento do clube, que andava na ordem do dia desde 1939, e após trabalhos de limpeza do espaço e pequenas reparações, o campo de jogos do Almonda Parque renascia para a sua segunda vida, em 1945, para servir de “casa” ao Clube Desportivo de Torres Novas (FOTO 4).
Na década de 50 uma outra modalidade desportiva cativava os torrejanos, com os êxitos da selecção nacional: o hóquei em patins. E depois de uma campanha liderada por Luís Marques Galamba, que recolheu os 7200 mosaicos necessários, era inaugurado no topo sul do Almonda Parque o rinque de patinagem, que incluía uma grande bancada de madeira, onde se viveram grandes tardes e noites desportivas e se consolidou uma grande tradição do hóquei e da patinagem artística em Torres Novas (FOTOS 5 e 6).
Nesse dia 9 de Agosto de 1953, estavam em Torres Novas as equipa de hóquei em patins do Benfica e do Paço de Arcos e o seleccionador nacional e presidente da FPP, Sidónio Serpa. Curiosamente em Lisboa (Paço de Arcos), à mesma hora, João José Lopes (Espanhol) averbava o título nacional do concurso de cançonetistas “À procura de uma estrela”. A torcer por ele, estava Jesus Correia, hoquista de renome com costela brogueirense, que telefonou para Torres Novas a dar a notícia do êxito do João Espanhol.
Ainda nos anos 50 e no topo sul, haviam de ser construídos os lavadouros municipais, uma obra tão ansiada pelos torrejanos que, depois de longos anos dedicados à sua construção que parecia não ter fim, seriam demolidos pouco tempo a seguir à sua construção (FOTO 7). As casas ricas que mandavam as criadas lavar a roupa já compravam máquinas, o Rossio e Santo António passaram entretanto a ter água canalizada. Por ali estiveram dependências várias, designadamente depósito de gás da empresa de José Manuel Ferreira, agora dos sucessores, e outras traquitanas várias (FOTO 8).
Imperava o campo de jogos, o futebol, e no final da década de 50 despontava ali outro grande craque da bola, José Torres, filho de Francisco Torres e sobrinho de Carlos Torres. O jovem operário da oficina Claras começou ali a meter golos às cabazadas e rumou para o Benfica e o resto é história: campeão nacional várias vezes, é o quarto goleador da história dos encarnados, integrou a selecção nacional do Mundial de Inglaterra, em 1966, marcando a Yachine, o “aranha negra”, o golo da vitória que deu aos magriços o terceiro lugar, e seleccionador nacional no Mundial do México depois do célebre “Deixem-me sonhar” antes do pontapé de meio campo do Carlos Manuel, a “locomotiva do Barreiro”, frente à Alemanha.
Recinto de feiras e mercados
Em 1969, acabava a história gloriosa do Almonda Parque como campo de jogos de futebol (duas subidas de divisão dos amarelos ao segundo escalão) e de hóquei em patins, com a inauguração, em Dezembro desse ano, do novíssimo estádio municipal numa encosta da Bica, depois de avultados desaterros para lhe conferir aquele ambiente de teatro sobre a cidade.
O velhinho Almonda Parque iria agora servir, naquele início da década de 70, para albergar o mercado municipal das segundas-feiras, que se realizava na praça 5 de Outubro, no Paço e no Salvador. A partir de 1986 seria ali o palco da Feira dos Frutos Secos e outras iniciativas, mas o rio estava ainda bastante poluído e houve edições do certame que ficaram marcadas pelo escândalo de um ar irrespirável, o que levava os próprios torrejanos a abandonarem a vila nesses dias. A partir de 1991, com as obras de despoluição do rio, a situação mudaria para sempre.
O Almonda Parque era agora um espaço desqualificado e esteticamente deplorável, cheios de ferros e chapas de zinco das barracas do mercado, parque de estacionamento nos intervalos, e durante anos e anos alimentou-se a expectativa de toda aquela imensa área vir a tornar-se um amplo parque verde no coração da cidade, fazendo emergir a presença do rio encanado em estreito e baixo leito, quase invisível, trazendo-o ao plano do parque através de um jogo de águas que reproduzisse essa tradição torrejana no campo industrial.
Lena chega a Torres Novas
Mas o desastre iria abater-se, mais uma vez, sobre aquele espaço, com a construção, em 2009, do parque de estacionamento, que alienou mais de metade da área total, deixando disponível apenas uma pequena faixa de traseiras onde agora foi implantado o pequeno jardim. A obra foi polémica e só foi levada por diante devido à grande e desproporcionada pressão dos comerciantes, que atribuíam o fracasso comercial do centro histórico à falta de estacionamento. Não era verdade, qualquer cidadão mediamente informado o sabia: a decadência do comércio torrejano era uma consequência directa do despovoamento do centro e da vampirização provocada pelas grandes superfícies. O regime socialista calava e enganava os comerciantes, porque o que interessava era os votos.
Calava-os, porque decidia-se pela construção do parque, enganava-os porque nas costas licenciava uma enorme quantidade de grandes e médias superfícies de comércio a retalho, com as inevitáveis consequências no comércio local. Construiu-se o parque, e essa construção coincidiu, exactamente, com o declínio do comércio da cidade. Não era do estacionamento, obviamente. Pelo meio, o Grupo Lena, a quem tinha sido dada a concessão até 2030, começou a esticar a corda porque o parque estava sempre às moscas, os carros estacionavam era ao pé do Modelo, do Continente e do Retail Park e outros altares da nova religião, até que em 2014 a empresa de Joaquim Barroca, o tal que depositava uns trocos na conta do amigo do outro, fechou o parque em conflito com a autarquia. Do nosso dinheiro, a Câmara socialista deu quase 2 milhões de euros a pronto pagamento ao grupo Lena para a empresa da Quinta da Sardinha se ver livre do mausoléu, isto em 2015.
O regresso do Almonda Parque
Restava, depois desta epopeia, uma estreita faixa de terreno nas traseiras do mausoléu dos carros, um quintal onde se mal via o rio a correr encostado às casas e foi este resto da grande Horta das Pedras e do glorioso Almonda Parque que deu lugar, com dinheiro da Europa e no âmbito do PEDU, ao Almonda Parque que vai ser inaugurado como pequena área ajardinada, centenas de milhares de euros depois. Na verdade, é mais um passeio ribeirinho que um jardim, porque um jardim não é coisa tão pequena assim.
E que dizer, deste “jardim”? Depois da destruição da maior parte da área disponível para uma zona verde de descompressão no centro da cidade, o que foi implantado numa estreita língua de traseiras do parque de estacionamento cumpre os mínimos. Em geral, as pessoas simpatizam com a obra, mas é muito fácil simpatizar com qualquer obra que substitua o entulho e as ruínas, sobretudo esquecendo todo o histórico e todos os contextos que as envolvem.
Claro que o mundo não é perfeito e algumas coisas podiam ter sido um pouco mais pensadas, se os projectos camarários não fossem elaborados à socapa, evitando toda e qualquer reflexão mais ponderada.
Salta à vista que o parque infantil deveria ter ficado mais resguardado, encostado ao palácio dos carros, aliás como os aparelhos de ginástica estão, e bem. Isso permitiria que o “passeio” corresse sempre junto ao rio e afastasse as crianças um pouco mais da margem. De resto, discute-se até se se justifica enfiar um “parque infantil” em qualquer espaço público que se requalifica, quando se sabe estarmos perante sociedades demograficamente envelhecidas e crianças não é o que mais abunda, infelizmente. Também se discute se aquelas geringonças de plástico são mais aprazíveis para as crianças do que um espaço verde livre de obstáculos, dado a brincadeiras menos induzidas e mais livres. A opção pelo plástico para os elementos também choca com a estética envolvente: a considerar-se aquele parque infantil, seria sempre de optar pela alternativa em madeira, que as mesmas empresas fabricam.
Outra bizarria é a cor rosa-cueca do passeio. É chocante e nisso também toda a gente que por ali passa concorda. Havia o vermelhão, como no Rossio, havia a cor de tijolo, enfim, o normal que se vê por aí. Aquele cor de rosa borra a pintura de ridículo. A ponte é um elemento bonito, apesar das dúvidas quanto às ripas do pavimento, as mesmas de outros sítios do jardim, que parecem de qualidade muito fraca (algumas já estão estaladas ou rachadas) e depressa serão degradadas com o uso normal. Muitos parafusos de fixação das ripas, que deveriam estar nelas incrustados, nem sequer foram apertados até ao fim, foram-no agora à pressa, estando salientes ainda por detrás dos bancos.
Mas a elegância da ponte esconde um crime contra o património medieval da cidade: Pedro Ferreira, Luís Silva, Elvira Sequeira, Joaquim Cabral e Carlos Ramos ficarão nos anais da história torrejana como as pessoas que viabilizaram a destruição do porto da Bácora, elemento patrimonial de extrema importância do diálogo entre a vila e o rio ao longo dos séculos e que fazia todo o sentido preservar e requalificar como elemento fundamental do próprio projecto.
Em termos estruturais, e apesar de todos os avisos, não foi deixada uma pequena rampa de dois metros para acesso ao leito por uma máquina para as necessárias limpezas periódicas do leito. Assim, tudo será mais trabalhoso e oneroso, já que quando o leito for limpo, tem de se içar a máquina através da ponte rodoviária.
Por falar em limpeza do rio, também tem de se dizer que a gestão socialista, sabendo que ia gastar centenas de milhares de euros no arranjo da margem, não quis contemplar a prévia e simultânea limpeza do leito, que uma máquina faria numa dúzia de horas. Assim, por baixo da água, está um leito totalmente conspurcado de tudo quanto é lixo, de pneus a chapas de zinco, de troncos de árvores a grades de ferro, para não falar de enormes pedras e restos de construção de estruturas que foram caindo ao longo do tempo (FOTO 9 e 10).
O caso mais intrigante tem que ver com um tubo de lata ferrugento caído para a água, que está ali há mais de 60 anos e que tombou para dentro do leito há mais de meio século. Ali continua, sem ninguém neste mundo se lembrar que é preciso acabar com aquela cena miserável (FOTO 11).
Não faz sentido inaugurar uma obra desta natureza, cuja mote é a requalificação das margens do rio, e o essencial, o prévio, a limpeza do rio, não tenha sido feita. É como uma pessoa ir a um casamento toda apinocada, fatinho elegante, com umas cuecas de quinze dias por baixo. É esta, a atitude badalhoca da maioria socialista: veste o casaco de gala mas não toma banho.
Salve-se ao menos a intenção inclusiva, bastante inclusiva, na informação disponibilizada nas placas de ferro, contando com a possibilidade dos cidadãos sado-masoch também usufruírem daquele espaço. Diz-se na placa “É proibido circular sem trela”. Sim, é isso que lá está escrito (FOTO 12). Já é um avanço nisto das políticas fracturantes e aqui a maioria socialista surpreendeu o próprio Bloco de Esquerda. Chapeau!
João Carlos Lopes
Tudo e mais alguma coisa sobre o jardim do Almonda Parque: 100 anos e muitas histórias
Sociedade » 2021-04-23Foi horta durante séculos, logo pegada à fábrica de chitas, depois “social club”, picadeiro da cavalaria, campo de jogos, recinto de feiras e mercados para ser trucidado por um parque de estacionamento. Na posta restante, fica agora um pequeno jardim. É pena.
Alapado às margens do rio Almonda vai para 30 anos, o regime socialista tem sido pródigo, entre outras manigâncias, na destruição e na falsificação da história de Torres Novas. Ao hospital velho, construído novinho em folha no século XIX como edifício hospitalar, o regime chama-lhe agora, depois de requalificado, “convento do Carmo”, chamando estúpidos a 35 mil torrejanos. Aos jardins da Fontinha puseram a alcunha de “jardim das rosas” por causa de um mal amanhado canteiro de um obscuro recanto do jardim, e que nem rosas tem ou raramente teve.
Desta vez, para amostra, respeitaram o nome do novo pequeno jardim implantado na antiga Horta das Pedras, dando-lhe a designação de “Almonda Parque”, consentânea com o que ocorreu naquele espaço a partir de 1927.
Um homem do norte
A história começa muito longe daqui, no verde Minho, em Joane, Famalicão, local de nascimento de José Manuel Ferreira, talvez o mais industrioso empreendedor (como agora se diz, mas dantes era a sério) “torrejano” dos últimos 120 anos. Chegou na viragem dos séculos XIX/XX e em 1918 já estava a montar a primeira maquineta para produção de energia eléctrica, no canto do matadouro, experiência pioneira e mais tarde por ele prolongada com a constituição da Empresa Industrial de Electricidade do Almonda, no Caldeirão. No canto do matadouro fundou uma fábrica de conservas de tomate e ervilha, onde mais tarde esteve o célebre “Salão Ervilha”, local de tertúlias e de ensaio da filarmónica torrejana.
Ferreira negociou aguardentes, vinhos e azeites, tinha casa bancária aberta, sediou-se entre o Lamego e a Bácora, onde construiu um prédio e um armazém onde funcionou uma fábrica de álcool (tudo onde está o edifício Parque). Nesse edifício albergou o Centro Republicano, a sede do Torres Novas Foot Ball Club e a Tuna Torrejana. Um verdadeiro centro cultural. Ao lado, o industrial fundou a Pensão Parque (FOTO 2). Próxima estava a sua casa e o “quintal do Zé Ferreira”, parte do actual largo D. Diogo de Almeida, onde até casamentos se faziam, e também uma loja de electrodomésticos e equipamentos de electricidade. Pelo meio, José Manuel Ferreira ainda fundou um jornal, “O Commercio de Torres Novas”.
Um “social club” em Torres Novas
E o que é que José Manuel Ferreira tem que ver com o Almonda Parque? Tem tudo. Em 1926, o Torres Novas Foot Ball Club jogava no Rossio, mas o campo não satisfazia as exigências oficiais e começou a falar-se num campo de jogos na Horta das Pedras, uma pequena várzea situada entre o rio e os campos e hortas do Nogueiral. José Manuel Ferreira não perdeu tempo e, juntamente com um amigo, António Campos, cria o “Almonda Parque”, um social club misto de passeio público, jardim, recreio desportivo e lazer. Com restaurante, ali se realizaram festarolas e verbenas, implantou-se o primeiro campo de ténis (Carlos Azevedo Mendes, o deputado, provedor da Misericórdia, director de “o Almonda”, presidente da Câmara, “senhor de Fátima”, “macho do petróleo” para os torrejanos, foi o principal entusiasta da modalidade), mas sobretudo o recinto compreendeu, logo em 1927, um campo de futebol, o célebre campo de futebol do Almonda Parque (FOTO 3).
E foi nesse campo que o TNFC viveu os primeiros gloriosos tempos do futebol torrejano e onde despontaram craques como Carlos Torres, que seria estrela do SL Benfica e campeão nacional pelos encarnados, e seu irmão, Francisco Torres, o “Barril”, que rumou para o Carcavelinhos, tal como o Benfica a disputar o campeonato de Lisboa, antes do campeonato de Portugal, pois não havia ainda o “nacional” nos termos em que se iniciou em 1938.
Mas, em 1934, uma notícia caiu que nem uma bomba na vila: o Almonda Parque ia ser arrendado à Escola Prática de Cavalaria e o clube a vila ficariam sem campo de jogos para o futebol oficial. Protestos, pressões, mas a tropa era um posto e a EPC não teve pejo em acabar com o futebol oficial em Torres Novas, criando um enorme prejuízo ao clube e ao futebol torrejano, o que teria consequências irreparáveis e nunca compensadas. Para nada, uma vez que passados poucos anos a EPC desinteressava-se do espaço e parte dele seria adquirido pela câmara, que durante a penúria do tempo da Segunda Guerra Mundial permitiu que algumas famílias usassem o terreno para semear batatas, como se fez nos adros de algumas aldeias do concelho. Voltavam as hortas à Horta das Pedras, enquanto Hitler se afundava às portas de Estalingrado e Churchil fechava o cerco pelas praias da Normandia.
Vão-se os cavalos, volta a bola
Em 1944, surge a hipótese de a Câmara ceder o Almonda Parque para o renascimento do clube, que andava na ordem do dia desde 1939, e após trabalhos de limpeza do espaço e pequenas reparações, o campo de jogos do Almonda Parque renascia para a sua segunda vida, em 1945, para servir de “casa” ao Clube Desportivo de Torres Novas (FOTO 4).
Na década de 50 uma outra modalidade desportiva cativava os torrejanos, com os êxitos da selecção nacional: o hóquei em patins. E depois de uma campanha liderada por Luís Marques Galamba, que recolheu os 7200 mosaicos necessários, era inaugurado no topo sul do Almonda Parque o rinque de patinagem, que incluía uma grande bancada de madeira, onde se viveram grandes tardes e noites desportivas e se consolidou uma grande tradição do hóquei e da patinagem artística em Torres Novas (FOTOS 5 e 6).
Nesse dia 9 de Agosto de 1953, estavam em Torres Novas as equipa de hóquei em patins do Benfica e do Paço de Arcos e o seleccionador nacional e presidente da FPP, Sidónio Serpa. Curiosamente em Lisboa (Paço de Arcos), à mesma hora, João José Lopes (Espanhol) averbava o título nacional do concurso de cançonetistas “À procura de uma estrela”. A torcer por ele, estava Jesus Correia, hoquista de renome com costela brogueirense, que telefonou para Torres Novas a dar a notícia do êxito do João Espanhol.
Ainda nos anos 50 e no topo sul, haviam de ser construídos os lavadouros municipais, uma obra tão ansiada pelos torrejanos que, depois de longos anos dedicados à sua construção que parecia não ter fim, seriam demolidos pouco tempo a seguir à sua construção (FOTO 7). As casas ricas que mandavam as criadas lavar a roupa já compravam máquinas, o Rossio e Santo António passaram entretanto a ter água canalizada. Por ali estiveram dependências várias, designadamente depósito de gás da empresa de José Manuel Ferreira, agora dos sucessores, e outras traquitanas várias (FOTO 8).
Imperava o campo de jogos, o futebol, e no final da década de 50 despontava ali outro grande craque da bola, José Torres, filho de Francisco Torres e sobrinho de Carlos Torres. O jovem operário da oficina Claras começou ali a meter golos às cabazadas e rumou para o Benfica e o resto é história: campeão nacional várias vezes, é o quarto goleador da história dos encarnados, integrou a selecção nacional do Mundial de Inglaterra, em 1966, marcando a Yachine, o “aranha negra”, o golo da vitória que deu aos magriços o terceiro lugar, e seleccionador nacional no Mundial do México depois do célebre “Deixem-me sonhar” antes do pontapé de meio campo do Carlos Manuel, a “locomotiva do Barreiro”, frente à Alemanha.
Recinto de feiras e mercados
Em 1969, acabava a história gloriosa do Almonda Parque como campo de jogos de futebol (duas subidas de divisão dos amarelos ao segundo escalão) e de hóquei em patins, com a inauguração, em Dezembro desse ano, do novíssimo estádio municipal numa encosta da Bica, depois de avultados desaterros para lhe conferir aquele ambiente de teatro sobre a cidade.
O velhinho Almonda Parque iria agora servir, naquele início da década de 70, para albergar o mercado municipal das segundas-feiras, que se realizava na praça 5 de Outubro, no Paço e no Salvador. A partir de 1986 seria ali o palco da Feira dos Frutos Secos e outras iniciativas, mas o rio estava ainda bastante poluído e houve edições do certame que ficaram marcadas pelo escândalo de um ar irrespirável, o que levava os próprios torrejanos a abandonarem a vila nesses dias. A partir de 1991, com as obras de despoluição do rio, a situação mudaria para sempre.
O Almonda Parque era agora um espaço desqualificado e esteticamente deplorável, cheios de ferros e chapas de zinco das barracas do mercado, parque de estacionamento nos intervalos, e durante anos e anos alimentou-se a expectativa de toda aquela imensa área vir a tornar-se um amplo parque verde no coração da cidade, fazendo emergir a presença do rio encanado em estreito e baixo leito, quase invisível, trazendo-o ao plano do parque através de um jogo de águas que reproduzisse essa tradição torrejana no campo industrial.
Lena chega a Torres Novas
Mas o desastre iria abater-se, mais uma vez, sobre aquele espaço, com a construção, em 2009, do parque de estacionamento, que alienou mais de metade da área total, deixando disponível apenas uma pequena faixa de traseiras onde agora foi implantado o pequeno jardim. A obra foi polémica e só foi levada por diante devido à grande e desproporcionada pressão dos comerciantes, que atribuíam o fracasso comercial do centro histórico à falta de estacionamento. Não era verdade, qualquer cidadão mediamente informado o sabia: a decadência do comércio torrejano era uma consequência directa do despovoamento do centro e da vampirização provocada pelas grandes superfícies. O regime socialista calava e enganava os comerciantes, porque o que interessava era os votos.
Calava-os, porque decidia-se pela construção do parque, enganava-os porque nas costas licenciava uma enorme quantidade de grandes e médias superfícies de comércio a retalho, com as inevitáveis consequências no comércio local. Construiu-se o parque, e essa construção coincidiu, exactamente, com o declínio do comércio da cidade. Não era do estacionamento, obviamente. Pelo meio, o Grupo Lena, a quem tinha sido dada a concessão até 2030, começou a esticar a corda porque o parque estava sempre às moscas, os carros estacionavam era ao pé do Modelo, do Continente e do Retail Park e outros altares da nova religião, até que em 2014 a empresa de Joaquim Barroca, o tal que depositava uns trocos na conta do amigo do outro, fechou o parque em conflito com a autarquia. Do nosso dinheiro, a Câmara socialista deu quase 2 milhões de euros a pronto pagamento ao grupo Lena para a empresa da Quinta da Sardinha se ver livre do mausoléu, isto em 2015.
O regresso do Almonda Parque
Restava, depois desta epopeia, uma estreita faixa de terreno nas traseiras do mausoléu dos carros, um quintal onde se mal via o rio a correr encostado às casas e foi este resto da grande Horta das Pedras e do glorioso Almonda Parque que deu lugar, com dinheiro da Europa e no âmbito do PEDU, ao Almonda Parque que vai ser inaugurado como pequena área ajardinada, centenas de milhares de euros depois. Na verdade, é mais um passeio ribeirinho que um jardim, porque um jardim não é coisa tão pequena assim.
E que dizer, deste “jardim”? Depois da destruição da maior parte da área disponível para uma zona verde de descompressão no centro da cidade, o que foi implantado numa estreita língua de traseiras do parque de estacionamento cumpre os mínimos. Em geral, as pessoas simpatizam com a obra, mas é muito fácil simpatizar com qualquer obra que substitua o entulho e as ruínas, sobretudo esquecendo todo o histórico e todos os contextos que as envolvem.
Claro que o mundo não é perfeito e algumas coisas podiam ter sido um pouco mais pensadas, se os projectos camarários não fossem elaborados à socapa, evitando toda e qualquer reflexão mais ponderada.
Salta à vista que o parque infantil deveria ter ficado mais resguardado, encostado ao palácio dos carros, aliás como os aparelhos de ginástica estão, e bem. Isso permitiria que o “passeio” corresse sempre junto ao rio e afastasse as crianças um pouco mais da margem. De resto, discute-se até se se justifica enfiar um “parque infantil” em qualquer espaço público que se requalifica, quando se sabe estarmos perante sociedades demograficamente envelhecidas e crianças não é o que mais abunda, infelizmente. Também se discute se aquelas geringonças de plástico são mais aprazíveis para as crianças do que um espaço verde livre de obstáculos, dado a brincadeiras menos induzidas e mais livres. A opção pelo plástico para os elementos também choca com a estética envolvente: a considerar-se aquele parque infantil, seria sempre de optar pela alternativa em madeira, que as mesmas empresas fabricam.
Outra bizarria é a cor rosa-cueca do passeio. É chocante e nisso também toda a gente que por ali passa concorda. Havia o vermelhão, como no Rossio, havia a cor de tijolo, enfim, o normal que se vê por aí. Aquele cor de rosa borra a pintura de ridículo. A ponte é um elemento bonito, apesar das dúvidas quanto às ripas do pavimento, as mesmas de outros sítios do jardim, que parecem de qualidade muito fraca (algumas já estão estaladas ou rachadas) e depressa serão degradadas com o uso normal. Muitos parafusos de fixação das ripas, que deveriam estar nelas incrustados, nem sequer foram apertados até ao fim, foram-no agora à pressa, estando salientes ainda por detrás dos bancos.
Mas a elegância da ponte esconde um crime contra o património medieval da cidade: Pedro Ferreira, Luís Silva, Elvira Sequeira, Joaquim Cabral e Carlos Ramos ficarão nos anais da história torrejana como as pessoas que viabilizaram a destruição do porto da Bácora, elemento patrimonial de extrema importância do diálogo entre a vila e o rio ao longo dos séculos e que fazia todo o sentido preservar e requalificar como elemento fundamental do próprio projecto.
Em termos estruturais, e apesar de todos os avisos, não foi deixada uma pequena rampa de dois metros para acesso ao leito por uma máquina para as necessárias limpezas periódicas do leito. Assim, tudo será mais trabalhoso e oneroso, já que quando o leito for limpo, tem de se içar a máquina através da ponte rodoviária.
Por falar em limpeza do rio, também tem de se dizer que a gestão socialista, sabendo que ia gastar centenas de milhares de euros no arranjo da margem, não quis contemplar a prévia e simultânea limpeza do leito, que uma máquina faria numa dúzia de horas. Assim, por baixo da água, está um leito totalmente conspurcado de tudo quanto é lixo, de pneus a chapas de zinco, de troncos de árvores a grades de ferro, para não falar de enormes pedras e restos de construção de estruturas que foram caindo ao longo do tempo (FOTO 9 e 10).
O caso mais intrigante tem que ver com um tubo de lata ferrugento caído para a água, que está ali há mais de 60 anos e que tombou para dentro do leito há mais de meio século. Ali continua, sem ninguém neste mundo se lembrar que é preciso acabar com aquela cena miserável (FOTO 11).
Não faz sentido inaugurar uma obra desta natureza, cuja mote é a requalificação das margens do rio, e o essencial, o prévio, a limpeza do rio, não tenha sido feita. É como uma pessoa ir a um casamento toda apinocada, fatinho elegante, com umas cuecas de quinze dias por baixo. É esta, a atitude badalhoca da maioria socialista: veste o casaco de gala mas não toma banho.
Salve-se ao menos a intenção inclusiva, bastante inclusiva, na informação disponibilizada nas placas de ferro, contando com a possibilidade dos cidadãos sado-masoch também usufruírem daquele espaço. Diz-se na placa “É proibido circular sem trela”. Sim, é isso que lá está escrito (FOTO 12). Já é um avanço nisto das políticas fracturantes e aqui a maioria socialista surpreendeu o próprio Bloco de Esquerda. Chapeau!
João Carlos Lopes
Bombeiros: nova direcção, velhos hábitos » 2024-03-21 Chegou ao fim a guerra nos Bombeiros Voluntários Torrejanos. Pelo menos, para já. A nova direcção da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários Torrejanos tomou posse ao fim da tarde de hoje, 21 de Março, Dia Mundial da Poesia. |
Paulo Ganhão Simões, presidente da Junta de Pedrógão: “Só se consegue tentar reverter a desertificação com mais investimento público” » 2024-03-21 Diz que é uma pessoa diferente após esta já longa carreira de autarca e que também ficou com uma percepção mais rica do que é o território da sua freguesia. Considera que contribuiu para mitigar antigos antagonismos, faz um balanço positivo da sua acção, mas ainda tem projectos por finalizar, entre eles uma melhor ligação à sede do concelho. |
Bombeiros: a saga continua, agora para destituição da mesa da assembleia geral » 2024-03-20 Quando se pensava que as eleições para a direcção da AHBVT iriam dar lugar a um momento de acalmia na vida da associação, eis que um grupo de associados pediu a Arnaldo Santos, presidente da assembleia geral, a convocação de uma assembleia geral extraordinária para destituir, note-se, a própria mesa da assembleia geral. |
Publicidade institucional – Grupo de Amigos Avós e Netos de Lapas – Assembleia Geral CONVOCATÓRIA » 2024-03-20 Publicidade institucional - Grupo de Amigos Avós e Netos de Lapas Assembleia Geral CONVOCATÓRIA A Presidente da Mesa da Assembleia Geral do Grupo de Amigos Avós e Netos, vem pela presente, nos termos do disposto no n. |
Bombeiros: lista A saiu vencedora com 407 votos » 2024-03-18 Alguma expectativa rodeava a assembleia geral eleitoral de sábado, dia 16, para a eleição da direcção da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários Torrejanos. Concorriam duas listas, uma liderada por Gonçalo Pereira e outra cujo cabeça-de-lista era Nuno Cruz, ex-presidente da direcção que estava em funções desde Maio de 2023. |
Fótica apresentou nova colecção da Kaleos » 2024-03-13 Em festa e ambiente de boa disposição, uma das mais antigas lojas do comércio tradicional do centro histórico de Torres Novas apresentou no sábado, dia 2, a nova colecção de óculos da marca Kaleos. |
Publicidade institucional - Associação de Dadores de Sangue de Torres Novas, assembleia geral CONVOCATÓRIA » 2024-03-13 Associação de Dadores de Sangue de Torres Novas assembleia geral CONVOCATÓRIA Pela presente convoco V.Exª para a sessão Ordinária da Assembleia Geral da Associação de Dadores de Sangue de Torres Novas, a realizar no próximo dia 26 de março de 2024, pelas 20:30 horas, na sede da Associação, no número 37 da Avenida Dr. |
Bombeiros: convocatória das eleições gera confusão » 2024-03-12 A assembleia geral eleitoral da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários Torrejanos, marcada para o dia 16 de Março, na sequência da demissão da direcção, está a causar alguma confusão entre os associados. |
Desportivo e Bombeiros vão a eleições » 2024-03-07 Duas colectividades torrejanas têm eleições marcadas para as próximas semanas. Uma delas é a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários Torrejanos, com assembleia geral eleitoral marcada para o dia 16 de Março, na sequência da demissão da direcção. |
Publicidade institucional – Clube Desportivo de Torres Novas, Assembleia-Geral Eleitoral - CONVOCATÓRIA » 2024-03-06 Clube Desportivo de Torres Novas Assembleia-Geral Eleitoral CONVOCATÓRIA Nos termos e para os efeitos do disposto no Artigo 33° e seguintes do Regulamento Interno do Clube Desportivo de Torres Novas, convocam-se todos os associados para reunir, em Assembleia-Geral Eleitoral, no próximo dia 22 de Março de 2024 pelas 21h00, no Estádio Municipal Dr. |