João Canuto: fibromialgia em documentário como expressão biográfica e vivencial
Cultura » 2022-11-24
“Pain: stories of fibromyalgia” é um documentário com mais de uma hora sobre a doença que afecta João Canuto, cineasta torrejano. Ainda sem data para apresentação pública, o filme reúne um conjunto de testemunhos de quem convive com a doença. Um pretexto para uma conversa com João Ribeiro.
Nos teus filmes, são recorrentes referências biográficas. Neste documentário, há uma incidência total num tema pessoal: a doença. É sempre uma abordagem difícil. Como rodeaste essa dificuldade?
Sempre tive uma enorme dificuldade em expor-me. E isso causou em mim, creio eu, a manifestação de vários problemas de saúde que têm dificultado imenso a minha vivência. Daí ter começado a sentir necessidade de me obrigar a abordar temas directamente biográficos. Até porque, acredito que seja (ou deveria ser) esse o papel da arte, a derradeira forma de expressão pessoal. Quando decidi produzir este documentário, estava no limite e a questionar a minha própria sanidade mental, precisava de perceber o que sentiam outras pessoas com a mesma doença.
O documentário é sem dúvida uma acção militante em defesa do conhecimento e do reconhecimento da doença. Como equilibras esta tua pulsão criativa, que exige energia, com a fragilidade que a doença causa?
Costuma-se dizer que quem corre por gosto não cansa. Mas a verdade é que, quem disse isto, com certeza não tinha fibromialgia. E é exaustante. Perseguir e concretizar os nossos sonhos e paixões é, por si só e para qualquer pessoa, uma enorme batalha. Fazê-lo quando se tem fibromialgia, é de uma loucura tal que só talvez alguém demente ou com muito pouco amor próprio é que se atreve a isso. A palavra correcta é mesmo equilíbrio. Não só entre o que posso e não fazer, quando o posso fazer ou durante quanto tempo, mas também, de que maneira. Ou seja, muitas vezes sinto que podia fazer melhor. Podia fazer mais um take, podia filmar mais uma ou duas horas. E é nessas alturas que me tenho de relembrar, que estou a fazer o melhor com as ferramentas que tenho e encontrar o dito equilíbrio, entre a visão artística e as limitações causadas pela fibromialgia.
Como conseguiste reunir testemunhos de pessoas que dão o seu testemunho, também algo difícil de conseguir, dada a dificuldade da maioria das pessoas em exporem-se de forma íntima?
Neste caso foi mais fácil. Encontrámos, claro, pessoas que não queriam dar a cara ou não conseguiam falar em frente a uma câmara, mas na maioria e talvez devido ao facto da fibromialgia ser tão ignorada e incompreendida, creio que existe uma enorme necessidade de as pessoas serem ouvidas e conseguirem expor a sua situação. Os fibromiálgicos são rotulados de preguiçosos ou loucos e sentem-se maioritariamente abandonados. Muitos não conseguem trabalhar ou sustentar-se e não há qualquer tipo de apoio para estes doentes. Isso ajudou muito a que as pessoas aceitassem e fizessem o esforço de expor, desta forma, as suas fragilidades.
Pretendes, obviamente, dar a maior visibilidade possível ao documentário. A que festivais ou certames contas candidatá-lo?
A verdade é que o vou candidatar a todos os festivais que me sejam possíveis e gratuitos. Este documentário foi feito com 700€, o que por si só parece ridículo, é uma quantia irrisória. E mais irrisório que isso é que é o meu projecto mais caro. O dinheiro foi angariado através de crowdfunding e maioritariamente entre amigos. Não foi este o caso, mas normalmente fico sempre endividado quando faço um projecto. O pouco dinheiro que possa gastar, 200, 300 ou 500€, faz-me imensa falta e muitas vezes tenho de cortar na alimentação ou vestuário para o conseguir fazer. E a maior parte dos festivais, obviamente os mais prestigiados, custam dinheiro. Dinheiro esse, que muitas das vezes, nem me dá qualquer retorno porque o filme pode nem ser seleccionado. Gostava que este documentário participasse em todos os festivais mais reconhecidos e que mostrasse ao mundo o que é a fibromialgia, mas não tenho dinheiro para o fazer. Acrescento que nunca em nenhum dos meus projectos lucrei um euro que fosse.
Como te sentes no papel de cineasta, é isso que tu és, nesta circunstância concreta de viveres numa pequena cidade, de teres de trabalhar noutras áreas para poderes fazer os teus filmes e de não poderes contar com circuitos de difusão e exibição mais de acordo com as tuas expectativas?
Esta é uma pergunta bastante complexa. Eu amo Torres Novas, é a minha cidade. E acredito na descentralização da cultura. Infelizmente, Torres Novas, sendo uma pequena cidade, tem vindo a ser mais reduzida pelo mau aproveitamento e gestão dos seus recursos. No entanto, este não é um problema limitado à nossa cidade ou sequer a Portugal, é um problema cultural. Vivemos numa altura em que cada vez é mais fácil produzir arte e paradoxalmente é mais difícil encontrá-la. Há uns meses, vi uma entrevista do grande Coppola onde ele afirmava, parafraseando: "Se querem fazer a arte que gostam, têm de ter um emprego que vos sustente". E é isto. Cada vez mais é difícil fazer arte fora da caixa, a tal derradeira forma de expressão pessoal, que não procure apelar ao máximo número de pessoas mas sim, transbordar uma identidade própria e fomentar o pensamento crítico. Obviamente, odeio "perder" tempo em trabalhos que pouco me interessam apenas para suprimir as necessidades básicas. E é claro que a minha arte sofre com isso. Aliando isso às dificuldades económicas, aos problemas de saúde e ao viver sozinho na crise em que estamos, não é de todo fácil. Mas a arte faz-me sentir concretizado e não seria capaz de ceder a tal identidade e expressão pessoal. Acho que a cultura é um pilar demasiado importante na sociedade para ser criada com foco no lucro. Este documentário, provavelmente, chegaria mais longe com uma estética mais agradável, uma montagem mais coesa e áudio decente, mas na minha visão artística, esta é a melhor forma de representar o que é a fibromialgia. E creio que a concretização da nossa visão pessoal, é mais importante que qualquer outra ambição, seja ela financeira ou algum tipo de reconhecimento ou validação social.
João Canuto: fibromialgia em documentário como expressão biográfica e vivencial
Cultura » 2022-11-24“Pain: stories of fibromyalgia” é um documentário com mais de uma hora sobre a doença que afecta João Canuto, cineasta torrejano. Ainda sem data para apresentação pública, o filme reúne um conjunto de testemunhos de quem convive com a doença. Um pretexto para uma conversa com João Ribeiro.
Nos teus filmes, são recorrentes referências biográficas. Neste documentário, há uma incidência total num tema pessoal: a doença. É sempre uma abordagem difícil. Como rodeaste essa dificuldade?
Sempre tive uma enorme dificuldade em expor-me. E isso causou em mim, creio eu, a manifestação de vários problemas de saúde que têm dificultado imenso a minha vivência. Daí ter começado a sentir necessidade de me obrigar a abordar temas directamente biográficos. Até porque, acredito que seja (ou deveria ser) esse o papel da arte, a derradeira forma de expressão pessoal. Quando decidi produzir este documentário, estava no limite e a questionar a minha própria sanidade mental, precisava de perceber o que sentiam outras pessoas com a mesma doença.
O documentário é sem dúvida uma acção militante em defesa do conhecimento e do reconhecimento da doença. Como equilibras esta tua pulsão criativa, que exige energia, com a fragilidade que a doença causa?
Costuma-se dizer que quem corre por gosto não cansa. Mas a verdade é que, quem disse isto, com certeza não tinha fibromialgia. E é exaustante. Perseguir e concretizar os nossos sonhos e paixões é, por si só e para qualquer pessoa, uma enorme batalha. Fazê-lo quando se tem fibromialgia, é de uma loucura tal que só talvez alguém demente ou com muito pouco amor próprio é que se atreve a isso. A palavra correcta é mesmo equilíbrio. Não só entre o que posso e não fazer, quando o posso fazer ou durante quanto tempo, mas também, de que maneira. Ou seja, muitas vezes sinto que podia fazer melhor. Podia fazer mais um take, podia filmar mais uma ou duas horas. E é nessas alturas que me tenho de relembrar, que estou a fazer o melhor com as ferramentas que tenho e encontrar o dito equilíbrio, entre a visão artística e as limitações causadas pela fibromialgia.
Como conseguiste reunir testemunhos de pessoas que dão o seu testemunho, também algo difícil de conseguir, dada a dificuldade da maioria das pessoas em exporem-se de forma íntima?
Neste caso foi mais fácil. Encontrámos, claro, pessoas que não queriam dar a cara ou não conseguiam falar em frente a uma câmara, mas na maioria e talvez devido ao facto da fibromialgia ser tão ignorada e incompreendida, creio que existe uma enorme necessidade de as pessoas serem ouvidas e conseguirem expor a sua situação. Os fibromiálgicos são rotulados de preguiçosos ou loucos e sentem-se maioritariamente abandonados. Muitos não conseguem trabalhar ou sustentar-se e não há qualquer tipo de apoio para estes doentes. Isso ajudou muito a que as pessoas aceitassem e fizessem o esforço de expor, desta forma, as suas fragilidades.
Pretendes, obviamente, dar a maior visibilidade possível ao documentário. A que festivais ou certames contas candidatá-lo?
A verdade é que o vou candidatar a todos os festivais que me sejam possíveis e gratuitos. Este documentário foi feito com 700€, o que por si só parece ridículo, é uma quantia irrisória. E mais irrisório que isso é que é o meu projecto mais caro. O dinheiro foi angariado através de crowdfunding e maioritariamente entre amigos. Não foi este o caso, mas normalmente fico sempre endividado quando faço um projecto. O pouco dinheiro que possa gastar, 200, 300 ou 500€, faz-me imensa falta e muitas vezes tenho de cortar na alimentação ou vestuário para o conseguir fazer. E a maior parte dos festivais, obviamente os mais prestigiados, custam dinheiro. Dinheiro esse, que muitas das vezes, nem me dá qualquer retorno porque o filme pode nem ser seleccionado. Gostava que este documentário participasse em todos os festivais mais reconhecidos e que mostrasse ao mundo o que é a fibromialgia, mas não tenho dinheiro para o fazer. Acrescento que nunca em nenhum dos meus projectos lucrei um euro que fosse.
Como te sentes no papel de cineasta, é isso que tu és, nesta circunstância concreta de viveres numa pequena cidade, de teres de trabalhar noutras áreas para poderes fazer os teus filmes e de não poderes contar com circuitos de difusão e exibição mais de acordo com as tuas expectativas?
Esta é uma pergunta bastante complexa. Eu amo Torres Novas, é a minha cidade. E acredito na descentralização da cultura. Infelizmente, Torres Novas, sendo uma pequena cidade, tem vindo a ser mais reduzida pelo mau aproveitamento e gestão dos seus recursos. No entanto, este não é um problema limitado à nossa cidade ou sequer a Portugal, é um problema cultural. Vivemos numa altura em que cada vez é mais fácil produzir arte e paradoxalmente é mais difícil encontrá-la. Há uns meses, vi uma entrevista do grande Coppola onde ele afirmava, parafraseando: "Se querem fazer a arte que gostam, têm de ter um emprego que vos sustente". E é isto. Cada vez mais é difícil fazer arte fora da caixa, a tal derradeira forma de expressão pessoal, que não procure apelar ao máximo número de pessoas mas sim, transbordar uma identidade própria e fomentar o pensamento crítico. Obviamente, odeio "perder" tempo em trabalhos que pouco me interessam apenas para suprimir as necessidades básicas. E é claro que a minha arte sofre com isso. Aliando isso às dificuldades económicas, aos problemas de saúde e ao viver sozinho na crise em que estamos, não é de todo fácil. Mas a arte faz-me sentir concretizado e não seria capaz de ceder a tal identidade e expressão pessoal. Acho que a cultura é um pilar demasiado importante na sociedade para ser criada com foco no lucro. Este documentário, provavelmente, chegaria mais longe com uma estética mais agradável, uma montagem mais coesa e áudio decente, mas na minha visão artística, esta é a melhor forma de representar o que é a fibromialgia. E creio que a concretização da nossa visão pessoal, é mais importante que qualquer outra ambição, seja ela financeira ou algum tipo de reconhecimento ou validação social.
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