Viva quem canta: a despedida de Pedro Barroso no Teatro Virgínia de Torres Novas
Cultura » 2019-12-22
Aberto o pano e sem uma palavra dita ainda, do público que enchia por completo o Teatro Virgínia irrompeu um espontâneo e caloroso aplauso, a primeira das muitas ovações a um Pedro Barroso que anunciara ser ali, naquela noite de 21 de Dezembro, o último espectáculo da sua carreira, iniciada precisamente há 50 anos.
Amigo de longa data, o radialista Armando Carvalheda foi o mestre de cerimónias e condutor de um guião que foi mais do que um concerto, na forma de uma alinhamento de canções: memórias, pequenas historietas e curiosidades, repescadas ora por um ora por outro dos milhares de apresentações do cantautor e dos seus músicos, fizeram daquela noite uma revisitação a meio século de vivências, de recordação de lugares e de amigos.
E foram os amigos iniciais das cantigas, José Duarte e Luciano de Jesus, que tinham acompanhado Pedro Barroso nas primeiras aventuras artísticas, que subiram ao palco para tocar com ele uma canção, uma muito singela canção (“Pedido de Menino”) com que se estreara na televisão, no saudoso ZIP-ZIP, com Pedro Barroso a recordar que a produção do programa impôs que fosse acompanhado musicalmente por outros dois músicos profissionais, em vez dos seus amigos: eram aqueles, nada mais nada menos que o futuro musicólogo e multi-instrumentista Pedro Caldeira Cabral e o eterno acompanhante de Carlos Paredes, Fernando Alvim.
Para a história fica, no entanto, que este concerto do Teatro Virgínia, em Torres Novas, estava a decorrer precisamente 50 anos depois da estreia televisiva de Pedro Barroso, que ocorreu na noite de 21 de Dezembro de 1969, no icónico programa apresentado por Carlos Cruz, Fialho Gouveia e Raul Solnado.
Apesar de seriamente debilitado fisicamente (o concerto esteve em dúvida devido ao agravamento dos problemas de saúde do artista), Pedro Barroso foi forte e corajoso, nunca abdicando de um sentido de humor às vezes cáustico e desconstrutor, outras vezes mais apaziguado, sempre insinuando que estava ali a fazer o seu último espectáculo e a deixar aos músicos e amigos presentes uma espécie de legado, traduzido em histórias e pequenos segredos de 50 anos de carreira.
Mais do que as canções de Pedro Barroso, aquelas que do seu reportório o público conhece exaustivamente, foram desfilando pelo palco muitos amigos do “último trovador”, nascido em Lisboa mas residente em Riachos nas últimas décadas (Pedro Barroso é filho de um riachense ilustre, António Chora Barroso, professor, jornalista e escritor, que lhe deixou a casa de família na Raposa, em Riachos).
Por isso, foram subindo ao palco João Chora, fadista da Chamusca que interpretou o “fado Ribatejo”, da autoria de Barroso, também a fadista riachense Teresa Tapadas, um velho amigo do Porto, António Laranjeira, o filho Nuno Barroso, com participação mais directa no espectáculo, e em saudação, as vozes de Janita Salomé, Júlio Isidro ou de Manuel Freire, pretexto para uma belíssima interpretação de Pedro Barroso da “Pedra Filosofal”, uma canção que parece ter sido feita mais à medida da sua voz do que à do “baladeiro” de Ílhavo.
Barroso quis ainda recordar um artista de curta vida e escassa obra (António Macedo), mas que compôs uma das canções quiçá das mais conhecidas do cancioneiro popular português, “Canta, amigo canta”, e que quase todos os portugueses com mais de 50 anos conhecem e trauteiam, sem saber de quem é e quem foi António Macedo.
Entretanto, o fantástico quarteto de violoncelos (Susana Santos e Luís Sá Pessoa), contra-baixo (Davis Serrão) e violino (Manuel Rocha), deixava em palco uma pérola de muitos quilates, uma espécie de rapsódia de melodias de Pedro Barroso, arranjadas pela violoncelista Susana Santos, quarteto que, na maioria das canções, tinha em apoio da secção de cordas, ainda, uma guitarra (Ricardo Parreira) e duas violas, uma delas na mão de outro riachense, Miguel Carreira, também no acordeon, e que outrora por aqui deambulou com o grupo como “Cêpa Torta", outra de Pedro Fragoso, velho companheirode palco de Pedro Barroso, e ainda David Zagalo nas teclas.
Mas um dos momentos mais belos da noite estava guardado para a aparição em palco de Francisco Fanhais, que naquele ano de 1969, não a 21 de Dezembro mas no dia 19, era capa da célebre revista “Mundo da Canção”, ele que também se estreara no Zip-Zip. Fanhais estivera até 1968 por estas bandas, pároco assistente e professor no Colégio de Andrade Corvo (é natural da Praia do Ribatejo e o pai, médico, tinha consultório no Entroncamento), mas em 1969 já tinha zarpado para a capital a desenhar novos rumos para a vida.
Fanhais começou por fazer o discurso da noite, uma bela e sentida alusão poética ao sentido da vida, da partilha e da construção de um mundo novo, e às primeiras palavras do antigo padre muitos na sala ficaram logo a saber o que iria sair dali. Fanhais optou primeiro, no entanto, por esse belo hino com poema de Sophia, “Porque os outros se mascaram e tu não”, trauteado pela sala inteira, para depois sim, arrancar com esse monumento poético e musical, que contém toda a herança artística, política, filsosófia e existencial de José Afonso, a “Utopia”, que continua a marcar o rumo vivencial de uma geração que tem em Zeca a sua inspiração, Zeca de quem Pedro Barroso, ao longo do espectáculo não se cansou de referir como a sua “alma mater”, dele e de todos os músicos de uma geração.
E foi num registo de talk-show de dois pivots, ora era Carvalheda que destapava pontas para mais uma história, ou o próprio Pedro Barroso que as insinuava, que foram subindo ao palco, ainda, o filho Nuno Barroso, outra vez João Chora e Tapadas, mais os fandangueiros dos “Camponeses” de Riachos para interpretarem o “Romance de Almeirim”, o Choral Phydellius de Torres Novas para enquadrar um “Requiem”, que foi um momento belíssimo da noite.
“Aqui, no teatro Virgínia, a despedida deste velho músico...”, assim de referiu mais uma vez Pedro Barroso a este histórico concerto, cujo público lhe daria mais duas ou três ovações de pé entre encores, vibrando com “Viva quem canta” e fechando a cena com “Cantarei”, com o placo cheio de todos quantos, nesta cálida noite de 21 de Dezembro de 2019, quiseram abraçar o autor da “Menina dos Olhos de Água” e de mais de uma mão cheia de canções que ficarão no cancioneiro popular português das últimas décadas.
Nascido em 1950, Pedro Barroso foi professor de educação física, integrou a mal designada “geração dos baladeiros”, gravou quase uma trintena de discos (o primeiro em 1970), fez milhares de espectáculos, percorreu vários países, escreveu poesia e dedicou-se à pintura. Vive actualmente em Riachos, na casa de família do Casal da Raposa.
JCL, com foto de Anália Gomes
Viva quem canta: a despedida de Pedro Barroso no Teatro Virgínia de Torres Novas
Cultura » 2019-12-22Aberto o pano e sem uma palavra dita ainda, do público que enchia por completo o Teatro Virgínia irrompeu um espontâneo e caloroso aplauso, a primeira das muitas ovações a um Pedro Barroso que anunciara ser ali, naquela noite de 21 de Dezembro, o último espectáculo da sua carreira, iniciada precisamente há 50 anos.
Amigo de longa data, o radialista Armando Carvalheda foi o mestre de cerimónias e condutor de um guião que foi mais do que um concerto, na forma de uma alinhamento de canções: memórias, pequenas historietas e curiosidades, repescadas ora por um ora por outro dos milhares de apresentações do cantautor e dos seus músicos, fizeram daquela noite uma revisitação a meio século de vivências, de recordação de lugares e de amigos.
E foram os amigos iniciais das cantigas, José Duarte e Luciano de Jesus, que tinham acompanhado Pedro Barroso nas primeiras aventuras artísticas, que subiram ao palco para tocar com ele uma canção, uma muito singela canção (“Pedido de Menino”) com que se estreara na televisão, no saudoso ZIP-ZIP, com Pedro Barroso a recordar que a produção do programa impôs que fosse acompanhado musicalmente por outros dois músicos profissionais, em vez dos seus amigos: eram aqueles, nada mais nada menos que o futuro musicólogo e multi-instrumentista Pedro Caldeira Cabral e o eterno acompanhante de Carlos Paredes, Fernando Alvim.
Para a história fica, no entanto, que este concerto do Teatro Virgínia, em Torres Novas, estava a decorrer precisamente 50 anos depois da estreia televisiva de Pedro Barroso, que ocorreu na noite de 21 de Dezembro de 1969, no icónico programa apresentado por Carlos Cruz, Fialho Gouveia e Raul Solnado.
Apesar de seriamente debilitado fisicamente (o concerto esteve em dúvida devido ao agravamento dos problemas de saúde do artista), Pedro Barroso foi forte e corajoso, nunca abdicando de um sentido de humor às vezes cáustico e desconstrutor, outras vezes mais apaziguado, sempre insinuando que estava ali a fazer o seu último espectáculo e a deixar aos músicos e amigos presentes uma espécie de legado, traduzido em histórias e pequenos segredos de 50 anos de carreira.
Mais do que as canções de Pedro Barroso, aquelas que do seu reportório o público conhece exaustivamente, foram desfilando pelo palco muitos amigos do “último trovador”, nascido em Lisboa mas residente em Riachos nas últimas décadas (Pedro Barroso é filho de um riachense ilustre, António Chora Barroso, professor, jornalista e escritor, que lhe deixou a casa de família na Raposa, em Riachos).
Por isso, foram subindo ao palco João Chora, fadista da Chamusca que interpretou o “fado Ribatejo”, da autoria de Barroso, também a fadista riachense Teresa Tapadas, um velho amigo do Porto, António Laranjeira, o filho Nuno Barroso, com participação mais directa no espectáculo, e em saudação, as vozes de Janita Salomé, Júlio Isidro ou de Manuel Freire, pretexto para uma belíssima interpretação de Pedro Barroso da “Pedra Filosofal”, uma canção que parece ter sido feita mais à medida da sua voz do que à do “baladeiro” de Ílhavo.
Barroso quis ainda recordar um artista de curta vida e escassa obra (António Macedo), mas que compôs uma das canções quiçá das mais conhecidas do cancioneiro popular português, “Canta, amigo canta”, e que quase todos os portugueses com mais de 50 anos conhecem e trauteiam, sem saber de quem é e quem foi António Macedo.
Entretanto, o fantástico quarteto de violoncelos (Susana Santos e Luís Sá Pessoa), contra-baixo (Davis Serrão) e violino (Manuel Rocha), deixava em palco uma pérola de muitos quilates, uma espécie de rapsódia de melodias de Pedro Barroso, arranjadas pela violoncelista Susana Santos, quarteto que, na maioria das canções, tinha em apoio da secção de cordas, ainda, uma guitarra (Ricardo Parreira) e duas violas, uma delas na mão de outro riachense, Miguel Carreira, também no acordeon, e que outrora por aqui deambulou com o grupo como “Cêpa Torta", outra de Pedro Fragoso, velho companheirode palco de Pedro Barroso, e ainda David Zagalo nas teclas.
Mas um dos momentos mais belos da noite estava guardado para a aparição em palco de Francisco Fanhais, que naquele ano de 1969, não a 21 de Dezembro mas no dia 19, era capa da célebre revista “Mundo da Canção”, ele que também se estreara no Zip-Zip. Fanhais estivera até 1968 por estas bandas, pároco assistente e professor no Colégio de Andrade Corvo (é natural da Praia do Ribatejo e o pai, médico, tinha consultório no Entroncamento), mas em 1969 já tinha zarpado para a capital a desenhar novos rumos para a vida.
Fanhais começou por fazer o discurso da noite, uma bela e sentida alusão poética ao sentido da vida, da partilha e da construção de um mundo novo, e às primeiras palavras do antigo padre muitos na sala ficaram logo a saber o que iria sair dali. Fanhais optou primeiro, no entanto, por esse belo hino com poema de Sophia, “Porque os outros se mascaram e tu não”, trauteado pela sala inteira, para depois sim, arrancar com esse monumento poético e musical, que contém toda a herança artística, política, filsosófia e existencial de José Afonso, a “Utopia”, que continua a marcar o rumo vivencial de uma geração que tem em Zeca a sua inspiração, Zeca de quem Pedro Barroso, ao longo do espectáculo não se cansou de referir como a sua “alma mater”, dele e de todos os músicos de uma geração.
E foi num registo de talk-show de dois pivots, ora era Carvalheda que destapava pontas para mais uma história, ou o próprio Pedro Barroso que as insinuava, que foram subindo ao palco, ainda, o filho Nuno Barroso, outra vez João Chora e Tapadas, mais os fandangueiros dos “Camponeses” de Riachos para interpretarem o “Romance de Almeirim”, o Choral Phydellius de Torres Novas para enquadrar um “Requiem”, que foi um momento belíssimo da noite.
“Aqui, no teatro Virgínia, a despedida deste velho músico...”, assim de referiu mais uma vez Pedro Barroso a este histórico concerto, cujo público lhe daria mais duas ou três ovações de pé entre encores, vibrando com “Viva quem canta” e fechando a cena com “Cantarei”, com o placo cheio de todos quantos, nesta cálida noite de 21 de Dezembro de 2019, quiseram abraçar o autor da “Menina dos Olhos de Água” e de mais de uma mão cheia de canções que ficarão no cancioneiro popular português das últimas décadas.
Nascido em 1950, Pedro Barroso foi professor de educação física, integrou a mal designada “geração dos baladeiros”, gravou quase uma trintena de discos (o primeiro em 1970), fez milhares de espectáculos, percorreu vários países, escreveu poesia e dedicou-se à pintura. Vive actualmente em Riachos, na casa de família do Casal da Raposa.
JCL, com foto de Anália Gomes
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