Matilde Bué, presidente da UDR Zona Alta: “Uma associação já não pode ser gerida apenas com o coração”
Sociedade » 2020-01-30
Ser mulher nunca travou os movimentos a Matilde Bué. Acredita que essa é uma questão do passado. Contabilista de profissão e presidente da União Desportiva e Recreativa da Zona Alta desde Setembro, Bué contou ao JT como chegou até aqui e falou dos desafios que se colocam à colectividade, que nasceu na zona alta da cidade há mais de 40 anos.
Matilde Bué tem 66 anos, é natural de Tortosendo, concelho da Covilhã, distrito de Castelo Branco, de onde saiu com apenas cinco meses. Viveu em Coimbra até aos dez anos. A mãe era modista de alta-costura, responsável pelas criações usadas pela mulher de Carmona. O pai, alfaiate. Fazia togas para os juízes. Tinha então dez anos quando o pai fechou a alfaitaria que aí tinha e veio trabalhar para o Entroncamento. Havia trocado as togas por fardas de militares, numa altura em que muitos havia na cidade dos fenómenos. Matilde acompanhou os pais. Fez a quarta classe no Entroncamento e como aí só havia formação feminina, veio estudar para a Escola Industrial e Comercial de Torres Novas, onde tirou o curso comercial. Fez as preparatórias em Tomar e propôs-se à Faculdade de Economia, em Lisboa, onde ingressou com 17 anos. Tem o bacharelato em economia e finanças. Deu aulas na actual Escola Maria Lamas durante seis anos e leccionou um em Tramagal. Por questões de saúde, deixou o ensino e quando voltou a trabalhar, direccionou-se para a área da contabilidade, primeiro no armazém dos sogros, depois na fábrica Almondina, na Chancelaria, mais tarde na Plaspeças, em Torres Novas e por fim o gabinete de contabilidade de Artur Correia, onde ainda hoje trabalha.
Mas este é apenas uma parte de um percurso maior e que provavelmente lhe dá mais visibilidade no concelho. Matilde Bué desde sempre acompanhou a sua actividade profissional com o associativismo: “Fui sempre muito de grupos e esses trouxeram-me aqui há anos. O meu marido era presidente da Columbófila e acabei a ajudar, por carolice, no bar. Depois de sair daí, eu e a minha filha mais velha começámos a ir fazer ginástica na colectividade do Carvalhal da Aroeira. Acabei por ficar lá três anos na direcção. Ninguém queria pegar, pegámos nós. Quando o meu marido se reformou, vinha muito para aqui ajudar e eu acabei por vir a reboque. Os meus filhos tinha feito aqui ginástica. Fui tesoureira na direcção anterior e em Setembro do ano passado propus-me a presidente da direcção e aqui fiquei por um mandato de dois anos”, resumiu Matilde Bué.
Nunca o facto de ser mulher a fez sentir em desvantagem, fosse onde fosse: “Sinto-me uma mulher muito privilegiada, porque por onde andei nunca tive obstrução nenhuma por parte de homens. Sempre vivi em comunidade com todos, nunca tive atritos. Assim como nesta direcção. Não sinto que tenha sido alvo de qualquer discriminação. A consciência dos homens também já está muito mudada. As mulheres são muito inovadoras e fazem as coisas andar para a frente. Nunca fui prejudicada por ser mulher”, garante.
Os dias da Zona Alta
Não podíamos conversar com a presidente da União Desportiva e Recreativa da Zona Alta, sem falar um pouco desta colectividade com tanta história na história de Torres Novas. A UDRZA não precisa de grandes apresentações. As constantes notícias de feitos, modalidades e eventos com a assinatura da colectividade torrejana, falam por si.
A UDRZA faz por estes dias 42 anos, tem aproximadamente 500 atletas, o mesmo número de sócios pagantes, e cerca de 13 funcionários, entre monitores das modalidades, empregados do bar da colectividade e funcionário da secretaria. “É uma casa que já manda muito balanço. Mas manda com muita dificuldade, porque os apoios são poucos. Temos apoios da câmara, mas já sabemos que os orçamentos das câmaras são pequenos e têm de ser divididos por muitas colectividades, e do IPDJ. É um apoio, mas no fundo não é o que era preciso”, assume Matilde Bué.
Um apoio que não chega para os grandes e ambiciosos projectos, de uma colectividade um dia pequena, que nasceu ali, junto ao bairro de Santo António: “Queremos dar continuidade às obras da sede, melhorar os balneários e a secretaria. Não é um projecto para este mandato. Para já, quero deixar bases para que seja dada continuidade a esse projecto. O meu objectivo para estes dois anos é fazer uma almofada para conseguirmos mais tarde fazer obras de melhoria. Não deixar estragar o que está feito, melhorar, arranjar o que pudermos”.
Quando Matilde Bué assumiu a direcção, não havia quaisquer dívidas dos mandatos anteriores. As obras de melhoria da sede estavam todas pagas. Pode dizer-se que é uma associação bem resolvida, no que a contas diz respeito: “É uma associação saudável em termos financeiros, apesar de fiscalmente sermos muito martirizados”, diz Matilde Bué, sobre um mundo que conhece bem. E como contabilista à frente de uma associação, Bué partilha a sua convicção: “Uma associação já não pode ser gerida apenas com o coração, mas sim com a cabeça. Penso que o futuro destas colectividades passará mesmo por ser gerida por uma pessoa assalariada, ligada à gestão. Gerir pessoas e dinheiros é cada vez mais complicado”.
Inês Vidal
Matilde Bué, presidente da UDR Zona Alta: “Uma associação já não pode ser gerida apenas com o coração”
Sociedade » 2020-01-30Ser mulher nunca travou os movimentos a Matilde Bué. Acredita que essa é uma questão do passado. Contabilista de profissão e presidente da União Desportiva e Recreativa da Zona Alta desde Setembro, Bué contou ao JT como chegou até aqui e falou dos desafios que se colocam à colectividade, que nasceu na zona alta da cidade há mais de 40 anos.
Matilde Bué tem 66 anos, é natural de Tortosendo, concelho da Covilhã, distrito de Castelo Branco, de onde saiu com apenas cinco meses. Viveu em Coimbra até aos dez anos. A mãe era modista de alta-costura, responsável pelas criações usadas pela mulher de Carmona. O pai, alfaiate. Fazia togas para os juízes. Tinha então dez anos quando o pai fechou a alfaitaria que aí tinha e veio trabalhar para o Entroncamento. Havia trocado as togas por fardas de militares, numa altura em que muitos havia na cidade dos fenómenos. Matilde acompanhou os pais. Fez a quarta classe no Entroncamento e como aí só havia formação feminina, veio estudar para a Escola Industrial e Comercial de Torres Novas, onde tirou o curso comercial. Fez as preparatórias em Tomar e propôs-se à Faculdade de Economia, em Lisboa, onde ingressou com 17 anos. Tem o bacharelato em economia e finanças. Deu aulas na actual Escola Maria Lamas durante seis anos e leccionou um em Tramagal. Por questões de saúde, deixou o ensino e quando voltou a trabalhar, direccionou-se para a área da contabilidade, primeiro no armazém dos sogros, depois na fábrica Almondina, na Chancelaria, mais tarde na Plaspeças, em Torres Novas e por fim o gabinete de contabilidade de Artur Correia, onde ainda hoje trabalha.
Mas este é apenas uma parte de um percurso maior e que provavelmente lhe dá mais visibilidade no concelho. Matilde Bué desde sempre acompanhou a sua actividade profissional com o associativismo: “Fui sempre muito de grupos e esses trouxeram-me aqui há anos. O meu marido era presidente da Columbófila e acabei a ajudar, por carolice, no bar. Depois de sair daí, eu e a minha filha mais velha começámos a ir fazer ginástica na colectividade do Carvalhal da Aroeira. Acabei por ficar lá três anos na direcção. Ninguém queria pegar, pegámos nós. Quando o meu marido se reformou, vinha muito para aqui ajudar e eu acabei por vir a reboque. Os meus filhos tinha feito aqui ginástica. Fui tesoureira na direcção anterior e em Setembro do ano passado propus-me a presidente da direcção e aqui fiquei por um mandato de dois anos”, resumiu Matilde Bué.
Nunca o facto de ser mulher a fez sentir em desvantagem, fosse onde fosse: “Sinto-me uma mulher muito privilegiada, porque por onde andei nunca tive obstrução nenhuma por parte de homens. Sempre vivi em comunidade com todos, nunca tive atritos. Assim como nesta direcção. Não sinto que tenha sido alvo de qualquer discriminação. A consciência dos homens também já está muito mudada. As mulheres são muito inovadoras e fazem as coisas andar para a frente. Nunca fui prejudicada por ser mulher”, garante.
Os dias da Zona Alta
Não podíamos conversar com a presidente da União Desportiva e Recreativa da Zona Alta, sem falar um pouco desta colectividade com tanta história na história de Torres Novas. A UDRZA não precisa de grandes apresentações. As constantes notícias de feitos, modalidades e eventos com a assinatura da colectividade torrejana, falam por si.
A UDRZA faz por estes dias 42 anos, tem aproximadamente 500 atletas, o mesmo número de sócios pagantes, e cerca de 13 funcionários, entre monitores das modalidades, empregados do bar da colectividade e funcionário da secretaria. “É uma casa que já manda muito balanço. Mas manda com muita dificuldade, porque os apoios são poucos. Temos apoios da câmara, mas já sabemos que os orçamentos das câmaras são pequenos e têm de ser divididos por muitas colectividades, e do IPDJ. É um apoio, mas no fundo não é o que era preciso”, assume Matilde Bué.
Um apoio que não chega para os grandes e ambiciosos projectos, de uma colectividade um dia pequena, que nasceu ali, junto ao bairro de Santo António: “Queremos dar continuidade às obras da sede, melhorar os balneários e a secretaria. Não é um projecto para este mandato. Para já, quero deixar bases para que seja dada continuidade a esse projecto. O meu objectivo para estes dois anos é fazer uma almofada para conseguirmos mais tarde fazer obras de melhoria. Não deixar estragar o que está feito, melhorar, arranjar o que pudermos”.
Quando Matilde Bué assumiu a direcção, não havia quaisquer dívidas dos mandatos anteriores. As obras de melhoria da sede estavam todas pagas. Pode dizer-se que é uma associação bem resolvida, no que a contas diz respeito: “É uma associação saudável em termos financeiros, apesar de fiscalmente sermos muito martirizados”, diz Matilde Bué, sobre um mundo que conhece bem. E como contabilista à frente de uma associação, Bué partilha a sua convicção: “Uma associação já não pode ser gerida apenas com o coração, mas sim com a cabeça. Penso que o futuro destas colectividades passará mesmo por ser gerida por uma pessoa assalariada, ligada à gestão. Gerir pessoas e dinheiros é cada vez mais complicado”.
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