José Ribeiro: a paixão dos presépios em tempo de clausura forçada
Sociedade » 2020-09-12Paciência do velho resistente mantém-lhe as rotinas e a criatividade
Cadeia do forte de Peniche: era o ano de 1963 e os “presos comuns” andavam a levantar um muro do recreio da prisão para que os presos políticos não pudessem ter notícias do mundo que não as filtradas pelos métodos habituais. Mas um dos presos abeirou-se de José Ribeiro e segredou-lhe: “O da América (depois fez dois gestos de tiros na cabeça), já foi. Deviam fazer o mesmo era ao amigo do ‘Cereja’, não era?”.
Foi assim, num momento de certa cumplicidade de um “preso comum”, que o preso político torrejano José Ribeiro Sineiro soube do assassinato de John F. Kennedy, em Dallas, em Novembro de 1963. Apressou-se a contar a Octávio Pato, lendário dirigente do PCP e responsável político pela organização comunista dentro da cadeia, que ficou admirado: “Como é que tu soubeste isso?” – admirou-se aquele que anos depois, já em liberdade, seria o primeiro candidato do PCP a umas eleições presidenciais.
Na verdade, os jornais que entravam na prisão, enviados aos presos pelas famílias, eram esquartejados, eliminado-se as notícias que a direcção da cadeia considerava não serem indicadas. De resto, as cartas eram abertas e censuradas e as conversas, no parlatório da prisão, ouvidas atentamente e interrompidas se o assunto o justificasse. Os presos políticos acabavam por saber determinadas notícias através dos métodos conspirativos organizados na prisão, levadas por uma rede que as fazia entrar milagrosamente.
Histórias destas são como cerejas, quando José Ribeiro Sineiro se põe a desfiar lembranças de um outro confinamento a que foi sujeito, na longínqua década de 60: foi preso em Lisboa quando trabalhava da UTIC, estava a ser interrogado na sede da PIDE, na Rua António Maria Cardoso, quando fez 25 anos, passaria pelo Aljube até ser levado para Peniche, de onde saiu em 1965, ao fim de cinco anos de prisão.
Aos 85 anos, José Ribeiro enfrenta agora o segundo grande confinamento da sua vida, nada que se compare ao que lhe ceifou cinco anos de vida em liberdade. Mas a extrema paciência com que, na prisão, fazia pequenos bonecos e peças de xadrez em miniatura com miolo de pão, surripiado na cantina, é a mesma paciência com que se dedica, desde Março, a esculpir minúsculas peças de madeira e, sobretudo, presépios de miniatura.
José Ribeiro sempre foi um apaixonado por miniaturas de presépios, contando com uma colecção de muitas dezenas de presépios de todo o mundo e de todas as culturas, colecção que se junta a outras, muitas, colecções de vários objectos que fazem da sua casa um pequeno museu de curiosidades e recordações de uma vida de lutas e de amores. Lutas difíceis, daquelas que obrigam a nunca desistir, amores dos mais próximos, família e amigos, à volta do amor maior, eterno e sempre presente amor que foi em viagem e lhe abalou a existência de forma abrupta e traiçoeira.
O confinamento desta pandemia guiou-lhe os meticulosos gestos para voltar aos presépios, e desde Março até agora, José Ribeiro juntou à colecção dos que já tinha, comprados e oferecidos, mais cerca de sessenta, laboriosamente moldados. São vários os materiais a que José Ribeiro recorre, desde os pequenos búzios que recolhia na praia, às conchas e conchinhas de todas as matizes, até aos pedaços de matéria fóssil que retirava de um afloramento existente junto ao Moinho da Cova, à entrada das Casas Altas, onde morava em pequeno. É com esses materiais que faz as bases, ou simula as grutas ou rochedos da parábola natalícia, a que junta bonecos incrivelmente pequenos a representar as figuras.
Alinham-se agora, repartidos por várias prateleiras, mais de seis dezenas de pequenos novos presépios, um testemunho destes dias de clausura forçada. “Desde Março, só tenho saído para ir ao médico e pouco mais”, diz José Ribeiro. Na verdade, até os jornais, de que foi um leitor inveterado durante décadas, já não o fazem descer diariamente a ladeira da rua Miguel de Arnide – apenas ao fim de semana um sobrinho lhe leva alguns. De resto, ocupa o tempo com leituras, numa sala onde se acumulam centenas de livros e a televisão passa o canal de História, o único que lhe prende a atenção. J.C.L.
P.S. (para os mais novos) – José Ribeiro Sineiro, de 85 anos de idade, cresceu nas brincadeiras do rio ao Moinho da Cova e Casas Altas, foi electricista da UTIC em Lisboa onde seria preso pela PIDE por ligações ao PCP. Passou cinco anos na prisão e em 1965, quando voltoua Torres Novas, retomou a sua actividade de militante associativo e cultural (embora proibido oficialmente pelo regime), nomeadamente no Cine-Clube. Depois do 25 de Abril, foi militante e dirigente regional e nacional do MDP/CDE, fundou e animou o jornal regional “A FORJA”, fundou e foi principal dirigente da Associação de Defesa do Património de Torres Novas, que desenvolveu uma actividade cultural ímpar em Torres Novas nos anos 80/90. Deve-se a José Ribeiro o lançamento de algumas ideias que mudaram para sempre a cultura em Torres Novas, casos da requalificação da Casa Mogo para Museu Municipal ou das comemorações do VIII centenário do foral de Torres Novas, em 1990.
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Sociedade » 2020-09-12Paciência do velho resistente mantém-lhe as rotinas e a criatividade
Cadeia do forte de Peniche: era o ano de 1963 e os “presos comuns” andavam a levantar um muro do recreio da prisão para que os presos políticos não pudessem ter notícias do mundo que não as filtradas pelos métodos habituais. Mas um dos presos abeirou-se de José Ribeiro e segredou-lhe: “O da América (depois fez dois gestos de tiros na cabeça), já foi. Deviam fazer o mesmo era ao amigo do ‘Cereja’, não era?”.
Foi assim, num momento de certa cumplicidade de um “preso comum”, que o preso político torrejano José Ribeiro Sineiro soube do assassinato de John F. Kennedy, em Dallas, em Novembro de 1963. Apressou-se a contar a Octávio Pato, lendário dirigente do PCP e responsável político pela organização comunista dentro da cadeia, que ficou admirado: “Como é que tu soubeste isso?” – admirou-se aquele que anos depois, já em liberdade, seria o primeiro candidato do PCP a umas eleições presidenciais.
Na verdade, os jornais que entravam na prisão, enviados aos presos pelas famílias, eram esquartejados, eliminado-se as notícias que a direcção da cadeia considerava não serem indicadas. De resto, as cartas eram abertas e censuradas e as conversas, no parlatório da prisão, ouvidas atentamente e interrompidas se o assunto o justificasse. Os presos políticos acabavam por saber determinadas notícias através dos métodos conspirativos organizados na prisão, levadas por uma rede que as fazia entrar milagrosamente.
Histórias destas são como cerejas, quando José Ribeiro Sineiro se põe a desfiar lembranças de um outro confinamento a que foi sujeito, na longínqua década de 60: foi preso em Lisboa quando trabalhava da UTIC, estava a ser interrogado na sede da PIDE, na Rua António Maria Cardoso, quando fez 25 anos, passaria pelo Aljube até ser levado para Peniche, de onde saiu em 1965, ao fim de cinco anos de prisão.
Aos 85 anos, José Ribeiro enfrenta agora o segundo grande confinamento da sua vida, nada que se compare ao que lhe ceifou cinco anos de vida em liberdade. Mas a extrema paciência com que, na prisão, fazia pequenos bonecos e peças de xadrez em miniatura com miolo de pão, surripiado na cantina, é a mesma paciência com que se dedica, desde Março, a esculpir minúsculas peças de madeira e, sobretudo, presépios de miniatura.
José Ribeiro sempre foi um apaixonado por miniaturas de presépios, contando com uma colecção de muitas dezenas de presépios de todo o mundo e de todas as culturas, colecção que se junta a outras, muitas, colecções de vários objectos que fazem da sua casa um pequeno museu de curiosidades e recordações de uma vida de lutas e de amores. Lutas difíceis, daquelas que obrigam a nunca desistir, amores dos mais próximos, família e amigos, à volta do amor maior, eterno e sempre presente amor que foi em viagem e lhe abalou a existência de forma abrupta e traiçoeira.
O confinamento desta pandemia guiou-lhe os meticulosos gestos para voltar aos presépios, e desde Março até agora, José Ribeiro juntou à colecção dos que já tinha, comprados e oferecidos, mais cerca de sessenta, laboriosamente moldados. São vários os materiais a que José Ribeiro recorre, desde os pequenos búzios que recolhia na praia, às conchas e conchinhas de todas as matizes, até aos pedaços de matéria fóssil que retirava de um afloramento existente junto ao Moinho da Cova, à entrada das Casas Altas, onde morava em pequeno. É com esses materiais que faz as bases, ou simula as grutas ou rochedos da parábola natalícia, a que junta bonecos incrivelmente pequenos a representar as figuras.
Alinham-se agora, repartidos por várias prateleiras, mais de seis dezenas de pequenos novos presépios, um testemunho destes dias de clausura forçada. “Desde Março, só tenho saído para ir ao médico e pouco mais”, diz José Ribeiro. Na verdade, até os jornais, de que foi um leitor inveterado durante décadas, já não o fazem descer diariamente a ladeira da rua Miguel de Arnide – apenas ao fim de semana um sobrinho lhe leva alguns. De resto, ocupa o tempo com leituras, numa sala onde se acumulam centenas de livros e a televisão passa o canal de História, o único que lhe prende a atenção. J.C.L.
P.S. (para os mais novos) – José Ribeiro Sineiro, de 85 anos de idade, cresceu nas brincadeiras do rio ao Moinho da Cova e Casas Altas, foi electricista da UTIC em Lisboa onde seria preso pela PIDE por ligações ao PCP. Passou cinco anos na prisão e em 1965, quando voltoua Torres Novas, retomou a sua actividade de militante associativo e cultural (embora proibido oficialmente pelo regime), nomeadamente no Cine-Clube. Depois do 25 de Abril, foi militante e dirigente regional e nacional do MDP/CDE, fundou e animou o jornal regional “A FORJA”, fundou e foi principal dirigente da Associação de Defesa do Património de Torres Novas, que desenvolveu uma actividade cultural ímpar em Torres Novas nos anos 80/90. Deve-se a José Ribeiro o lançamento de algumas ideias que mudaram para sempre a cultura em Torres Novas, casos da requalificação da Casa Mogo para Museu Municipal ou das comemorações do VIII centenário do foral de Torres Novas, em 1990.
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