Rio Almonda: água é pública!
Sociedade » 2023-03-04Explica esclarecimento da Agência Portuguesa do Ambiente
O rio Almonda não é uma ribeira ou uma linha de água com uma nascente localizada num ponto específico e passível de ser considerada privada. A água do rio resulta do enchimento de quilómetros de galerias subterrâneas de uma grande área geográfica, cuja água só pode ser pública. Parece evidente para toda a gente, para o Estado, para a ciência geológica. Só para a Renova parecia haver uma “questão” onde ela não existe e nunca existiu.
Parece bizarro ter de se anunciar e noticiar que a água do rio Almonda é pública e não particualr, mas no passado verão, recorde-se, quando a Assembleia Municipal de Torres Novas aprovou por unanimidade uma moção contra a vedação da barragem da nascente do Almonda e a exigir o acesso público ao local, bem o arranjo da estrada pública, a empresa veio insinuar que a água que brota da nascente do rio Almonda seria sua propriedade, o que causou espanto e repúdio generalizado.
Perante esse o cenário, o presidente da Assembleia Municipal de Torres Novas, José Trincão Marques, solicitou um esclarecimento oficial ao Estado, através da APA (Agência Portuguesa do Ambiente), organismo do Ministério do Ambiente que tutela a área da água e tem as competências da antiga Hidráulica.
Na resposta, a APA explica e recorda que o rio Almonda nasce numa zona cársica, nas Serras de Aire e Candeeiros e resulta, entre outras origens, das escorrências na superfície da serra (e de áreas mais vastas, como o planalto de Fátima e polje de Minde), que se infiltram no solo e que são conduzidas ao longo de galerias, com quilómetros de extensão, no maciço calcário. O seu surgimento à superfície, explica ainda o esclarecimento da APA, ocorre ao longo das falhas geológicas, e que podem variar em função do nível de água nas galerias, como se sabe. Na verdade, há diversos níveis de galerias fósseis na rede subterrânea do Almonda, correspondentes a diferentes níveis das ribeiras subterrâneas e a diferentes exsurgências, que foram variando ao longo de milhares anos.
“Considerar que as águas são particulares, parte do pressuposto que todas as diversas falhas afluem na mesma propriedade, situação que a APA não considera demonstrada na documentação do processo”, diz o esclarecimento da Agência portuguesa do Ambiente.
“Com este pressuposto, no contexto do licenciamento da captação de água da Renova, a água sempre foi considerada pública”, remata o texto, explicando que ao infiltrar-se nas fracturas da rocha calcária, a água das chuvas forma importantes reservatórios de água doce: os aquíferos cársicos. É nas fracturas que a maioria desta água surge à superfície, em nascentes que podem ser permanentes ou temporárias”.
“Com a documentação apresentada pela Renova não é possível considerar que todas as nascentes permanentes ou temporárias se situam na sua propriedade”, diz ainda a APA, dando a entender que a empresa tentou apresentar-se como proprietária da água do rio Almonda, como se fosse o caso de um olho de água ou da nascente uma de uma linha de água ou pequena ribeira, que se podem localizar.
“Acresce referir que a água superficial da encosta onde ocorre a nascente tem a sua origem fora da propriedade da Renova, e que drena para a retenção onde se efectua a captação, estamos assim perante água pública e não particular”, remata o esclarecimento, explicando que a empresa, ao querer que a água fosse privada, estaria a apropriar-se de biliões de metros cúbicos de água retida numa área de vários quilómetros em redor e que, por convergência das intrincadas galerias que a conduzem, exsurge na actual nascente do rio Almonda.
A propriedade é particular
“A propriedade da parcela é particular, no entanto a água é pública”, reconhece a APA, ao admitir que o local onde hoje está a nascente do rio Almonda se situa em propriedade particular. Sendo verdade, não deixa de ser verdade e de ser preciso recordar que a empresa foi adquirindo, desde os anos 40, todas as propriedades em redor, de modo a que a nascente ficasse em sua propriedade. Note-se que até um baldio municipal a Câmara de Torres Novas lhe vendeu abusivamente, nos anos 50, de modo a que a empresa ficasse proprietária de parte da encosta que sobe até à linha do arrife.
Recorde-se, também, que a própria actual barragem foi construída ilegalmente, isto é, sem licença, o que levou a uma acção da Hidráulica junto da tutela e a um parecer da Procuradoria Geral da República, de 1942, que corroborou a ilegalidade da construção da barragem dois anos antes. Também no início dos anos 70 do século passado, os edifícios fabris construídos sobre o leito do rio Almonda (em 1971 e 1973) o foram apenas com licença camarária, quando se exigia a autorização, que nunca teria sido dada, da Direcção Geral dos Serviços Industriais e da Direcção Geral dos Serviços Hidráulicos. Por isso, essas autorizações foram ilegalmente dispensadas e omitidas pela Câmara da altura, quando eram legalmente necessárias previamente à licença camarária para as referidas obras.
Vedação da barragem não tem licença
A ostensiva e desproporcionada vedação da barragem da nascente do Almonda, um dos alvos da contestação à empresa Renova, não foi licenciada pela APA (Agência Portuguesa do Ambiente) ou qualquer organismo da administração central, diz o chefe da divisão do Tejo e Oeste da Administração Regional Hidráulica.
O esclarecimento da APA, enviado à Assembleia Municipal de Torres Novas, refere que a “RENOVA I” é a unidade que se situa nas proximidades da nascente do rio Almonda, unidade industrial construída nos anos 30 do século XX com laboração iniciada nos anos 40 do mesmo século, “não havendo licenças de construção da época referida”.
O rio Almonda, por não ser rio navegável nem flutuável perto da nascente, faz com que as suas margens no local sejam propriedade privada (isto porque a empresa foi comprando tudo à volta da nascente), mas, regista a APA, “a água do rio é pública” e por isso, “qualquer intervenção/acção que se pretenda realizar na faixa de servidão administrativa do domínio hídrico (faixa dos 10 metros contados a partir da crista e/ou aresta do talude da linha de água) carece de autorização prévia”, ao abrigo da Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro, alterada e republicada pelo Decreto-Lei n.º 130/2012, de 22 de junho e Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio, a requerer à APA/ARHTO. Por miúdos, a vedação colocada pela Renova à volta da barragem não tem autorização.
Rio Almonda: água é pública!
Sociedade » 2023-03-04Explica esclarecimento da Agência Portuguesa do Ambiente
O rio Almonda não é uma ribeira ou uma linha de água com uma nascente localizada num ponto específico e passível de ser considerada privada. A água do rio resulta do enchimento de quilómetros de galerias subterrâneas de uma grande área geográfica, cuja água só pode ser pública. Parece evidente para toda a gente, para o Estado, para a ciência geológica. Só para a Renova parecia haver uma “questão” onde ela não existe e nunca existiu.
Parece bizarro ter de se anunciar e noticiar que a água do rio Almonda é pública e não particualr, mas no passado verão, recorde-se, quando a Assembleia Municipal de Torres Novas aprovou por unanimidade uma moção contra a vedação da barragem da nascente do Almonda e a exigir o acesso público ao local, bem o arranjo da estrada pública, a empresa veio insinuar que a água que brota da nascente do rio Almonda seria sua propriedade, o que causou espanto e repúdio generalizado.
Perante esse o cenário, o presidente da Assembleia Municipal de Torres Novas, José Trincão Marques, solicitou um esclarecimento oficial ao Estado, através da APA (Agência Portuguesa do Ambiente), organismo do Ministério do Ambiente que tutela a área da água e tem as competências da antiga Hidráulica.
Na resposta, a APA explica e recorda que o rio Almonda nasce numa zona cársica, nas Serras de Aire e Candeeiros e resulta, entre outras origens, das escorrências na superfície da serra (e de áreas mais vastas, como o planalto de Fátima e polje de Minde), que se infiltram no solo e que são conduzidas ao longo de galerias, com quilómetros de extensão, no maciço calcário. O seu surgimento à superfície, explica ainda o esclarecimento da APA, ocorre ao longo das falhas geológicas, e que podem variar em função do nível de água nas galerias, como se sabe. Na verdade, há diversos níveis de galerias fósseis na rede subterrânea do Almonda, correspondentes a diferentes níveis das ribeiras subterrâneas e a diferentes exsurgências, que foram variando ao longo de milhares anos.
“Considerar que as águas são particulares, parte do pressuposto que todas as diversas falhas afluem na mesma propriedade, situação que a APA não considera demonstrada na documentação do processo”, diz o esclarecimento da Agência portuguesa do Ambiente.
“Com este pressuposto, no contexto do licenciamento da captação de água da Renova, a água sempre foi considerada pública”, remata o texto, explicando que ao infiltrar-se nas fracturas da rocha calcária, a água das chuvas forma importantes reservatórios de água doce: os aquíferos cársicos. É nas fracturas que a maioria desta água surge à superfície, em nascentes que podem ser permanentes ou temporárias”.
“Com a documentação apresentada pela Renova não é possível considerar que todas as nascentes permanentes ou temporárias se situam na sua propriedade”, diz ainda a APA, dando a entender que a empresa tentou apresentar-se como proprietária da água do rio Almonda, como se fosse o caso de um olho de água ou da nascente uma de uma linha de água ou pequena ribeira, que se podem localizar.
“Acresce referir que a água superficial da encosta onde ocorre a nascente tem a sua origem fora da propriedade da Renova, e que drena para a retenção onde se efectua a captação, estamos assim perante água pública e não particular”, remata o esclarecimento, explicando que a empresa, ao querer que a água fosse privada, estaria a apropriar-se de biliões de metros cúbicos de água retida numa área de vários quilómetros em redor e que, por convergência das intrincadas galerias que a conduzem, exsurge na actual nascente do rio Almonda.
A propriedade é particular
“A propriedade da parcela é particular, no entanto a água é pública”, reconhece a APA, ao admitir que o local onde hoje está a nascente do rio Almonda se situa em propriedade particular. Sendo verdade, não deixa de ser verdade e de ser preciso recordar que a empresa foi adquirindo, desde os anos 40, todas as propriedades em redor, de modo a que a nascente ficasse em sua propriedade. Note-se que até um baldio municipal a Câmara de Torres Novas lhe vendeu abusivamente, nos anos 50, de modo a que a empresa ficasse proprietária de parte da encosta que sobe até à linha do arrife.
Recorde-se, também, que a própria actual barragem foi construída ilegalmente, isto é, sem licença, o que levou a uma acção da Hidráulica junto da tutela e a um parecer da Procuradoria Geral da República, de 1942, que corroborou a ilegalidade da construção da barragem dois anos antes. Também no início dos anos 70 do século passado, os edifícios fabris construídos sobre o leito do rio Almonda (em 1971 e 1973) o foram apenas com licença camarária, quando se exigia a autorização, que nunca teria sido dada, da Direcção Geral dos Serviços Industriais e da Direcção Geral dos Serviços Hidráulicos. Por isso, essas autorizações foram ilegalmente dispensadas e omitidas pela Câmara da altura, quando eram legalmente necessárias previamente à licença camarária para as referidas obras.
Vedação da barragem não tem licença
A ostensiva e desproporcionada vedação da barragem da nascente do Almonda, um dos alvos da contestação à empresa Renova, não foi licenciada pela APA (Agência Portuguesa do Ambiente) ou qualquer organismo da administração central, diz o chefe da divisão do Tejo e Oeste da Administração Regional Hidráulica.
O esclarecimento da APA, enviado à Assembleia Municipal de Torres Novas, refere que a “RENOVA I” é a unidade que se situa nas proximidades da nascente do rio Almonda, unidade industrial construída nos anos 30 do século XX com laboração iniciada nos anos 40 do mesmo século, “não havendo licenças de construção da época referida”.
O rio Almonda, por não ser rio navegável nem flutuável perto da nascente, faz com que as suas margens no local sejam propriedade privada (isto porque a empresa foi comprando tudo à volta da nascente), mas, regista a APA, “a água do rio é pública” e por isso, “qualquer intervenção/acção que se pretenda realizar na faixa de servidão administrativa do domínio hídrico (faixa dos 10 metros contados a partir da crista e/ou aresta do talude da linha de água) carece de autorização prévia”, ao abrigo da Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro, alterada e republicada pelo Decreto-Lei n.º 130/2012, de 22 de junho e Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio, a requerer à APA/ARHTO. Por miúdos, a vedação colocada pela Renova à volta da barragem não tem autorização.
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