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Macramé

Opinião  »  2010-09-10  »  Né Ladeiras

Teço fios com os dedos, os meus, porque os teus não são daqui. Teço fios do teu cabelo, da tua voz, dou nós entre um sorriso e um olhar, cruzo-os com as emoções da minha fuga porque nada disto é real ou humano. Sou fio que foi célula, que foi nada antes de decidir ser o nó, que prende esta história na geometria dos desacertos. Prendo-me nos lados e no fundo de ti. Antecipo a obra de arte, projecto-te nos meus espaços, só meus, porque os teus são o mundo todo. Na sala, no quarto, na parede, no sótão, alongo-te a forma, és meu objecto, minha criação. Teço, torço, fio a fio, nó entre nó. As mulheres que nasceram de Penélope sabem a difícil arte de desfazer sem desfiar. O fio frágil nas mãos de quem o trabalha, entre nós, cria possibilidades infinitas na força da seda, nos sorrisos infantis, entre pontos de antecipação. Dores de Penélope no roteiro de Ulisses, filhos nascidos fora de tempo, do lado de lá do véu, também tecido de madrugadas grávidas. Na orla do meu descanso teço com os meus dedos palavras poderosas, rosários compassivos, todos os dias, para que nós e dedos se transformem em destreza, transcendendo impossíveis. E teço à luz da lua, pela torreira do sol, afogada em lágrimas que Penélope me oferece, ainda com esperança de não desfiar a minha criação. Na ilha para onde fui levada, há centenas de salas de mármore com janelas rasgadas para o mar, por onde entra uma luz intensa que cega a impaciência. Teço-te para que resguardes os gestos impensados do teu reflexo sobre as paredes nuas, porque podem ser, e quase de certeza são, um tremendo engano. O padrão flui quando te pego, fio simples e suave, liso e solto de qualquer nó, mas sabes, é preciso que te prenda entre os dedos, porque se o não fizer as janelas desprotegidas vão deixar entrar demasiado mar e tu, que nunca mais chegas, vais-me doer para sempre. Penélope sorri-me em cada fio. Aponta na direcção de Ítaca, onde desenterro conchas e búzios que guardo nos bolsos, pequenos tesouros, para juntar aos nós do macramé. E com os meus dedos, entre nós e nácar, fio a tua voz irreal nos meus olhos e misturo sorrisos com desacertos do tempo, a nossa criação contra as paredes de mármore, a minha história com a de Penélope, o teu espaço infinito dentro de uma concha, as janelas no lugar da lua, o mar dentro do sol, a fogueira de lágrimas onde sou queimada, os rosários com a tua forma, Ítaca dando à luz mais filhos. Dedos que se ferem no trabalho árduo de cruzar nós de dia e descruzar fios à noite. Dedos que se deixam pegar por fios invisíveis do teu cabelo que adornam o meu pescoço. Estou atenta ao intervalo geométrico da malha que pesa nos braços, uma longa cortina que fio a fio vai tapando a frieza das salas e estreitando a vista para o mar claro. Sei o que me pedes, uma espera indeferida no tempo, uma outra guerra de Tróia, a renúncia heróica dos fios sob os nós, a paz nacarada da minha forma usual, a bonança dentro da tempestade que se aproxima. Desço pela noite dos fios desfeitos até à praia onde entrego as conchas e búzios que não me pertencem. Resolvo que bastam só os nós da malha, o resto fica onde é mais preciso. A espuma do mar enfeita os dedos exaustos da artesã, veste-lhe alianças e jura-lhe eternidade. Ela pensa entregar-se às ondas porque não quer passar mais dias a fio entre nós repetidos. Tem de haver um remate para a malha crua que se tornou áspera de tantas expectativas. Olha para o que ele deixou dentro de si e decide que de agora em diante os fios ficarão soltos como os sorrisos que trocaram.
 

Música: Midnight Walker, Davy Spillane (The Sea Of Dreams, 1998)

 

 

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