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Dopovo

Opinião  »  2023-10-08  »  José Mota Pereira

"“Cantaremos, unidos como os dedos da mão. Na manhã seguinte, nasceremos todos, de novo."

Naquela noite o Virgínia encheu.

Mas não foi cinema, nem teatro que passou pelo palco. Estávamos lá muitos, naquela noite de 12 de Outubro, em que embora de forma muito limitada, se realizou uma sessão da Oposição Democrática da CDE em Torres Novas.

Foi há 50 anos e embora Abril estivesse a bater-nos à porta, os riscos de estar ali, público e oradores, era grande. No final desse mês, numa segunda sessão que não se chegou a realizar, a polícia de choque varreu a vila num dos maiores actos de repressão do fascismo em Torres Novas. Mas, naquela primeira sessão, Virgínia cheio, tudo decorreu na normalidade permitida. No palco um tio, o tio Zé, jovem candidato da CDE, desafiava a autoridade, informando que não se poderia mencionar a guerra colonial. A sessão terminaria pela meia noite. Quando a madrugada veio, no Sábado 13, eu nasci.

Torres Novas, em 1973, vivia em efervescência, antevendo o Abril que chegaria. As mudanças sociais da velha vila operária, os movimentos da resistência que se vinham organizando desde os anos 60 em torno da vida associativa permitida, viriam a culminar num ano de intensa mobilização popular.

Socorro-me do ensaio de Carlos Trincão Marques publicado na revista municipal “Nova Augusta”, de 2015. Nele, o autor (ele próprio actor participante dessa mobilização) faz a súmula da actividade do movimento associativo popular nesse ano. Torres Novas foi denominada pelo jornal “República” (que tinha forte implantação nacional) como a “Terra do Povo”.

Essa intensa actividade teria efeitos no plano político em dois momentos significativos: a presença de delegados de Torres Novas no Congresso da oposição democrática em Aveiro e as pseudo-eleições de Outubro com a participação da oposição organizada na CDE.

O mundo, o país, a nossa terra vivem hoje tempos difíceis. A desigualdade entre ricos e pobres atinge números dramáticos. A crise climática, filha do capitalismo, é uma evidência. A guerra, que atinge toda a Terra, traz os efeitos de sempre. Chegámos ao ponto de uma cantora, a Garota Não, ter vindo à televisão denunciar a vida dura em que nos meteram, e isso ser um acto de coragem.

Aqui, na nossa terra, em Torres Novas, não podemos ignorar a pobreza mal disfarçada. Não podemos ignorar a realidade do trabalho precário e dos baixos rendimentos. Não podemos mais fingir que não há uma crise na habitação.

Agrava a isto tudo uma anemia social de participação e construção colectiva do futuro.

Da terra que há 50 anos era a “Terra do Povo”, que nos resta?

Temos, é certo, ainda um movimento associativo com as filarmónicas, o Desportivo, a Zona Alta, o Rancho, o Phydellius, o Cine Clube, as associações recreativas das aldeias, entre outras.

Mas também é verdade que o movimento associativo popular perde a cada dia a sua autonomia. As associações outrora pujantes, vivem cada vez mais dependentes do Município, dos seus subsídios e das suas infraestruturas, sendo praticamente extensões do pelouro municipal da cultura. Se não há ainda um dirigismo a partir do “Convento do Carmo”, há sérios riscos que essa tentação um dia venha a existir.

Mas então não valeu a pena o 25 de Abril? Valeu pois.

Costumo dizer, por simbolismo, que o meu percurso escolar, de filho e neto de operário metálurgicos, é um exemplo da história de Abril. Perdoem-me a deriva individual, mas este retrato é comum à minha geração, que cresceu nos alvores da revolução.

Passo a explicar:

Fui para a primeira classe para uma escola primária erguida na Casa Vassalo por vontade de uma comissão de moradores nascida da Revolução; inaugurei na segunda classe a escola erguida a partir da escola Vassalo; fui para o ciclo preparatório inaugurado dois anos antes; quando fui para o ensino secundário, na Maria Lamas, inaugurei uns pavilhões novos, destinados ao sétimo ano, porque felizmente, a Escola estava lotada com muitos estudantes; inaugurei no 9° ano a nova escola secundária da cidade, a Artur Gonçalves; entretanto, o ensino universitário foi feito em Lisboa numa escola velhinha mas que inauguraria novas instalações, meia dúzia de anos após ter concluído a minha formação. Neste trajecto, ainda aprendi música no Choral Phydellius, aprendi a nadar no clube de natação, fiz rádio na rádio local e comecei a escrever para “o Almonda”. Não sei se isto quer dizer alguma coisa, mas tudo isto, que tive, eu e toda a minha geração só foi possível porque houve Abril.

 Torres Novas era a “terra do povo” em Outubro de 1973.

Hoje, o outono é quente mas faz-nos pressentir um inverno frio.

Os homens e as mulheres dos dias de hoje refugiam-se na sua individualidade e vamos ficando cada vez mais expostos à opressão.

Um dia destes temos de voltar, todos!, a encher o Virgínia.

Cantaremos, nessa noite, unidos como os dedos da mão. Na manhã seguinte, nasceremos todos, de novo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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