O projecto foi liderado pelo CIDLeS – Centro Interdisciplinar de Documentação Linguística Social -, e teve em Vera Ferreira, uma importante estudiosa do minderico desde 2003, a principal impulsionadora desta iniciativa, que contou com o apoio de diversas entidades e organismos, como autarquias locais ou o Proder, através da Associação de Desenvolvimento Local do Ribatejo Norte, Adirn.

Com 2.254 palavras (entradas), a elaboração deste dicionário resultou de um trabalho de investigação efectuado por uma equipa multidisciplinar e que durou mais de três anos. Desde meados do século passado que foram publicados alguns glossários (pelo menos dois), mas nenhum deles tinha tantas palavras quanto as que estão reunidas nesta obra científica que, além da tradução das palavras de piação para português e vice-versa, contém outras informações como a transcrição fonética, a classe gramatical a que pertence, o plural (nem todas as palavras têm), uma explicação onde o uso da palavra é mais frequente e ainda informação etimológica e histórica de cada palavra, como nos explicou Paulo Carvalho Vicente, que colaborou neste trabalho investigando a origem das palavras.

”Tentei perceber o rasto da palavra e quando foi documentada pela primeira vez. No fundo, o meu trabalho foi fazer a história da palavra”, asseverou. Segundo disse, no léxico minderico há palavras que fazem ”referência óbvia” a localidades do país, como Alhandra, que em minderico quer dizer fósforo, e muitas apropriaram-se de nomes de pessoas importantes. Por exemplo padre, em minderico, é Francisco Vaz, que foi pároco em Minde.

Ainda de acordo com Paulo Vicente, há cerca de um milhar de falantes mas, destes, poucas dezenas o conseguem usar no dia-a-dia. ”A vila de Minde sofreu processo de desertificação muito acentuado à custa da decadência da indústria têxtil e isso justifica esta quebra do número de falantes. Sãos os mais idosos que ainda falam minderico”, notou.

O minderico tem várias variantes e foi falado na Serra de Santo António e Mira d’Aire, localidades onde a comunidade falante é muito reduzida. ”Na serra já não há quem fale minderico e em Mira d’Aire há quatro falantes”, concluiu.

”Dicionário reforça a ideia de que estamos perante uma língua e não um calão”

É esta, por ventura, a principal mensagem que o dicionário pretende transmitir. Para os investigadores Vera Ferreira, Ilona Schulz, Paulo Vicente e Peter Bouda (os elementos permanecentes da equipa que trabalhou na elaboração do dicionário), o minderico deve ser categorizada como uma língua ameaçada, e qualquer outro rótulo que se queira dar não corresponde à verdade. Inclusivamente, o midnderico é actualmente ensinado na escola: no primeiro ciclo (nas actividades de nriquecimento curricular) e segundo e terceiro ciclo (5.º e 7.º anos), como oferta complementar.

O minderico é uma variante linguística falada na vila de Minde, e ainda na Serra de Santo António e Mira d’Aire, havendo ainda algumas referências no Alentejo, que se supõe terem chegado por via das trocas comerciais, sobretudo a partir do século XVI, quando os mindericos começaram a frequentar feiras e mercados por todo o país e assim tornaram as mantas de Minde conhecidas. Para protegerem e defenderem o seu negócio e tirarem mais proveito das comercializações, os comerciantes de Minde começaram a usar o minderico entre si para inteligivelmente discutirem perante estranhos o preço a fazer à mercadoria. Mais tarde, esta linguagem secreta estendeu-se a todos os grupos sociais e profissionais de Minde e tornou-se o meio de comunicação na vila.

 

Vera Ferreira ausente

Um imprevisto impediu que Vera Ferreira tivesse estado na sessão de apresentação do dicionário, que decorreu na escola do 2.º e 3.º ciclo, no entanto, o que tinha para dizer foi lido por Rita Pedro, do CIDLeS. A grande mentora do projecto referiu que o lançamento do dicionário é a ”concretização de um sonho que se arrastava há algum tempo e que só foi possível graças ao empenho profissional da equipa que me acompanhou ao longo dos três anos de investigação”.

A inexistência de muitas informações escritas, até porque o minderico é na verdade um sociolecto falado, levou a que tivessem sido consideradas diversas formas de recolha de informaçã entrevistas aos falantes, com registos áudio e vídeo, consulta de cartas, e de jornais do século XIX, nomeadamente o ”Jornal de Minde” e ”O Portomosense”.