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Álvaro Cunhal, os 100 anos do PCP e a toponímia torrejana

Opinião  »  2021-03-06  »  João Carlos Lopes

No dia 30 de Junho de 1992 assisti com redobrado interesse à reunião pública da Câmara Municipal de Torres Novas, órgão então formado por Arnaldo Santos, presidente, e pelos vereadores Joaquim Venâncio e Manuela Tolda (PSD), Manuel Piranga Faria, Vítor Gama Henriques e José Carlos Nascimento (PS), e António Antunes Canais (PCP).

O interesse advinha do facto de, nessa reunião, ir a deliberação camarária um documento referente à toponímia da cidade que incluía algumas dezenas de novos topónimos, bem com rectificações e outros assuntos, como a demarcação dos bairros da cidade e até as placas toponímicas, trabalho concretizado por uma comissão de toponímia nomeada ano e meio antes pela Câmara, da qual eu própria fazia parte e que era constituída ainda por Joaquim Rodrigues Bicho, Carlos Nuno Ferreira, José Ribeiro Sineiro e António Mário Santos.

Antes disso, António Mário Santos já havia reorganizado o anterior processo de toponímia da cidade em 1987, cujas deliberações ocorreram em 1988 (entretanto agora tinham passado quatro anos e a cidade crescera), na senda do que Joaquim Rodrigues Bicho iniciara em 1974 e cujo trabalho tinha sido sempre adiado para as calendas até o então vereador do PCP ter pegado nele decisivamente.

Voltando ao processo de deliberações toponímicas de 1992, este mereceu uma quase unanimidade, já que haviam sido definidas regras muito precisas, nomeadamente para a escolha e localização de novos topónimos, de acordo, aliás, e basicamente, com a matriz conceptual plasmada no anterior documento, que fixou áreas específicas para topónimos do mesmo contexto histórico ou cronológico, entre outros princípios que balizaram o trabalho do vereador António Mário, realizado no mandato anterior.

Apesar da unanimidade deliberativa formal, houve três ou quatro casos, não mais, que não colheram, na especialidade, a unanimidade no executivo. Um deles tinha que ver com o nome a dar à avenida nova das Chãs, que já tinha informalmente o topónimo de avenida de Santo António, e a que os representantes do PSD queriam dar o nome de Sá Carneiro.

Essa intenção ia contra toda a lógica e princípios do trabalho efectuado, já que a vontade do PSD não cabia nas regras impostas ao conjunto do documento: a clara recusa do recurso a topónimos fora do contexto local, quer de personagens quer de acontecimentos. O 25 de Abril já tinha ocorrido há 18 anos, os topónimos ligados a personagens afectos ao anterior regime não tinham sido alterados, os poucos adicionados com a revolução dos cravos tinham-no sido com parcimónia (rua 25 de Abril, Largo das Forças Armadas, largo general Humberto Delgado) e portanto, daí para frente, as regras seriam claras e elas tinham presidido à concretização desse trabalho de 1992. A sugestão para o topónimo “Sá Carneiro” e também “Salgueiro Maia” estavam ali em cima da mesa, fora do baralho, a pretexto de propostas da assembleia municipal.

De qualquer modo, lembro-me também perfeitamente de ter feito o possível, pelas razões apontadas, para que a regra não fosse rompida com a atribuição do nome de Sá Carneiro à nova avenida, mas o PSD detinha uma posição que lhe permitia forçar um bocado a barra por mero facciosismo partidário, já que detinha a presidência da Câmara, embora em minoria, bem como o governo do país. Sugeri, ainda na comissão, “Avenida Nova de Santo António”, mas não colheu porque se podia confundir com a rua do mesmo nome. Contrapus com “Avenida Nova das Chãs”, mas também não vingou. Mas, por consenso, a comissão acabou por propor, no documento, uma alternativa, com que obviamente concordei: o nome a dar à nova avenida rasgada no planalto das Chãs, entre a rotunda da Escola Artur Gonçalves e a Rua de Santo António, seria, por proposta da comissão, “João de Andrade Corvo”.

O que vou contar a seguir não está obviamente em acta, mas é a verdade dos factos a que eu próprio assisti, e aqueles que neles participaram e deles se lembrarem, poderão confirmar. Em primeiro lugar, para que não restem dúvidas, o topónimo Dr. Sá Carneiro foi atribuído com toda a legitimidade, por maioria e um voto contra, do vereador do PCP, António Canais. Mas, atenção, António Canais votou igualmente contra o topónimo de Salgueiro Maia, por motivos de respeito à lógica do documento, e propôs que a avenida ficasse com o nome que tinha, Avenida de Santo António. Faltavam os socialistas: era uma enorme cedência, não havia dúvidas, concordar com um nome tão partidário para a principal avenida nova da cidade e ainda por cima a fugir aos critérios do documento.

Houve um ligeiro frisson, é verdade que foi ligeiro, que o tema causou naquele momento, até porque o PSD estava em minoria, 3 pessoas contra 4 da oposição. O impasse foi ultrapassado pela boa vontade dos socialistas e perante a bonomia, não tenho dúvidas de que terá sido sincera, de uma voz que se ouviu, atestando uma espécie de consenso informal de cavalheiros”, e que falou mais ou menos nestes termos: “OK, ficamos assim. Quando morrerem o Mário Soares e o Álvaro Cunhal segue-se o mesmo critério”.

Arnaldo Santos, entretanto, tinha apresentado uma alternativa a dar a um topónimo “João de Andrade Corvo”, que a comissão sugerira para a avenida das Chãs. Propôs o presidente que fosse atribuído à via com início nos Negréus até à confluência com o nó do IP -  a variante. A proposta foi votada e foi aprovada por unanimidade, e é a situação presente, embora uns anos mais tarde a maioria socialista, depois de ter despachado a comissão de toponímia em funções para poder andar em roda livre, tenha aprovado dar o nome de “João Paulo II” a um pequeno troço dessa via, decisão sem sentido porque o topónimo já estava e está atribuído para a totalidade da actual avenida Andrade Corvo.

Quanto ao “compromisso histórico” acima relatado, tão débil e sujeito aos nevoeiros dos tempos que certamente viriam, fiquei convencido que dificilmente seria cumprido e que o elo fraco seria Álvaro Cunhal. Quando o histórico dirigente do PCP morreu fiz referência a estes acontecimentos, embora não tão detalhadamente, mas claro que não houve qualquer vontade de se abordar o assunto, até porque Mário Soares estava bem vivo nesse ano de 2005 ao decidir candidatar-se para um terceiro mandato à presidência da República. Após a morte de Mário Soares, em 2017, o executivo de maioria absoluta do PS deliberou atribuir a uma rua da cidade o nome do histórico secretário-geral do partido, como se previa. Álvaro Cunhal tinha sido ultrapassado e marginalizado pelo acordo de cavalheiros de 1992.

Pouco me importa que decorra algum resultado desta recordação. Importa sim que o que acabo de narrar é a verdade dos factos, aos quais assisti por estar sobremaneira interessado no que iria passar-se naquela tarde de Junho de 1992. Quando se assinala o centenário de um partido cuja actividade, em Torres Novas, começou também há 100 anos (porque houve presença torrejana na fundação do PCP e dois anos depois, em 1923, no primeiro congresso do partido), fica registado nestes anais que a toponímia torrejana tem a presença de apenas dois dos dirigentes máximos dos três partidos que, desde 1974 até 2013, configuraram a política local torrejana. Mas não inclui o líder histórico do terceiro partido, aquele que, de uma maneira ou de outra, já intervinha politicamente em Torres Novas há mais de 50 anos quando os outros dois lograram fazê-lo. E que, algures em 1992, foi firmado um pacto, se bem que informal, que não foi concretizado.

 

 

 

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