O meu tio
Opinião » 2013-09-06 » Graça Rodrigues
Sendo o tio muito amado de duas crianças habituadas a ter pouco, que motivos o levariam a prometer um mundo que nós só podíamos imaginar, e que ele sabia estar fora do seu poder de realização, antecipando por certo a nossa frustração aquando das próximas visitas?
Seria mentiroso compulsivo? Era só para nos agradar durante uns momentos, achando que por sermos pequenas, em breve esqueceríamos a promessa? Era por ser um marialva risonho, habituado a ser simpático para as mulheres que sempre o rodeavam, meia dúzia de irmãs a crescer com ele na Mouraria, a juventude passada a catrapiscar fadistas e mulheres de má vida?
Fosse por que motivo fosse, era o tio predilecto e representava a cidade, a lonjura e muitas delícias por provar. A televisão gigante nunca passou de miragem. Mesmo assim, mentiroso, era muito amado por nós duas. Era um tio muito sorridente.
Lembrei-me do tio quando vi alguns cartazes espalhados por aí, de campanhas de vários concelhos onde não irei votar, com fotografias tristes e sisudas de candidatos às eleições do próximo dia 29 de Setembro, outras serenas e até sorridentes, mas nenhuma tinha o sorriso maroto dele. Ao menos, o meu tio sorria descarado para a gente enquanto nos prometia a felicidade celestial.
Ao olhar para um cartaz com a fotografia de uma pessoa que desconhecemos e cujas ideias nos são estranhas, o nosso critério de avaliação daquela pessoa não pode ser baseado em nenhum pressuposto de competência ou honestidade daquele candidato, apenas no olhar e no sorriso que apresentam na imagem. As nossas escolhas impulsivas têm sempre o seu quê de irracional, e sentimentos como empatia, proximidade ou identificação estão muitas vezes associados às nossas escolhas nestas eleições locais, mais do que projectos ou propostas e programas eleitorais, pois tantos dos eleitores não irão conhecer nem estudar esses programas. Gostava que os candidatos olhassem para nós como se fôssemos os seus sobrinhos, já que também nos aliciam com chocolates de tamanho gigante.
Tenho ainda uma outra história a propósito deste tio e de eleições. Quando Francisco Sá Carneiro fundou a AD, era eu uma jovem estudante pouco interessada em política, mas via o seu rosto espalhado pelo país inteiro porque havia eleições legislativas à porta. Francisco Sá Carneiro era parecido com o meu tio, pelo menos aos meus olhos e aos da minha irmã. E eu gostava dele por causa disso, mais não conhecendo dele do que a imagem que todos os dias me aparecia com um sorriso maroto. Certa noite ao jantar, comentei com o meu pai essa minha simpatia. ”Eu cá gosto dele!” - E levei uma valente bofetada. O pai não concordava.
Creio que foi a minha primeira grande lição de democracia: és livre de gostar de quem quiseres e votar em quem te apetecer, mas o melhor para ti é ficares de boca calada. Percebi que o meu pai nunca tinha tido um tio como o meu, e que as pessoas que nos estão próximas nem sempre comungam das nossas ideias. Nunca esquecerei essa lição, nem o sorriso do tio. Vamos lá então votar em quem nos parecer o melhor tio do mundo!
O meu tio
Opinião » 2013-09-06 » Graça RodriguesSendo o tio muito amado de duas crianças habituadas a ter pouco, que motivos o levariam a prometer um mundo que nós só podíamos imaginar, e que ele sabia estar fora do seu poder de realização, antecipando por certo a nossa frustração aquando das próximas visitas?
Seria mentiroso compulsivo? Era só para nos agradar durante uns momentos, achando que por sermos pequenas, em breve esqueceríamos a promessa? Era por ser um marialva risonho, habituado a ser simpático para as mulheres que sempre o rodeavam, meia dúzia de irmãs a crescer com ele na Mouraria, a juventude passada a catrapiscar fadistas e mulheres de má vida?
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Tenho ainda uma outra história a propósito deste tio e de eleições. Quando Francisco Sá Carneiro fundou a AD, era eu uma jovem estudante pouco interessada em política, mas via o seu rosto espalhado pelo país inteiro porque havia eleições legislativas à porta. Francisco Sá Carneiro era parecido com o meu tio, pelo menos aos meus olhos e aos da minha irmã. E eu gostava dele por causa disso, mais não conhecendo dele do que a imagem que todos os dias me aparecia com um sorriso maroto. Certa noite ao jantar, comentei com o meu pai essa minha simpatia. ”Eu cá gosto dele!” - E levei uma valente bofetada. O pai não concordava.
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