Carteiro
"Não tenho semelhanças físicas, mas sim gasosas com os meus familiares"
A genética é, de facto, uma coisa incrível! Contudo, no meu caso, a genética desempenha mais o papel de progenitor ausente, que se esquece do meu aniversário, não sabe o meu número de telemóvel e saca duas notas de vinte da carteira de pele quando está folgado e diz, “Para te divertires, mas não digas à tua mãe!”. As opiniões contradizem as semelhanças físicas que me unem aos meus pais. “Ai, tem os olhos do pai!” “Engraçado... No sorriso sai à mãe!” “Eu por acaso até acho que dá um ar da avó...” Calma, calma! O que é “um ar”?
É com esta expressão que reclamo as minhas independentes feições! Não tenho semelhanças físicas, mas sim gasosas com os meus familiares. Bebemos água da mesma garrafa e partilhamos o sofá, mas, visto de fora, a única parecença é o facto de respirarmos. Já coloquei a hipótese de ser adotada. Isso explicaria a minha inexplicável descoordenação para a cozinha, total desinteresse por documentários da RTP2 e vergonhosa incapacidade de dobrar a falangeta dos dedos da mão.
Penso que o aspeto mais intrigante nesta situação, para além de sentir que não pertenço a uma linhagem biologicamente una, de não passar de um feijão numa panela de favas, é o facto de possuir características bizarras, não visíveis a olho nu, explicadas pela genética. Ponto da situação: não existe uma correlação física, uma associação direta entre mim e os meus pais. No entanto, os genes que sobreviveram ao processo de seleção foram os desequilibrados, os manetas, os vesgos, os espanhóis. Não herdei os pés de princesa da minha mãe. Em vez disso, herdei os pés de um homem neozelandês, com um metro e noventa e sete de altura, que pertence a uma tribo nativa e abre amendoins com o mindinho. Não herdei os olhos verdes do meu avô.
Apostaram no segundo filho. “Epá não, não jogues a manilha já, que é cedo! Joga antes o seis de paus, que é palha, mas da altita, só para não dar uma de miserável...”. Não herdei o cabelo Whitney Houston da minha mãe. I have nothing, mas uma salganhada de pontas espigadas que se encontram em pé de guerra, num conflito político armado: “hoje sou liso mas o aglomerado de pelos atrás da orelha reivindicaram o direito de serem encaracolados.
Os protestantes albinos deslocam-se a ritmo acelerado e descaem a fronteira para a testa. O presidente já ameaçou lançar o spray hidratante de abacate nas pontas e garante que recorrerá à escova para cessar o conflito. Devolvo a emissão ao estúdio. João Paulo.” Não herdei o gémeo esculpido por Miguel Ângelo na perna do meu pai, o rebuscado humor ou a desconcertante paixão pela adrenalina dos desportos radicais. Fiquei com a unha do dedo grande com tendência para encravar, alergia aos pólenes e senilidade precoce (“Calma, onde é que deixei o cartão multibanco? A carteira? Epá, devo tê-la deixado no carro... Espera lá, alguém viu a chave do carro?”).
Eu sou aquele membro que em jantares de família tem de andar sempre acompanhada com alguém que prove a minha filiação, senão os tios em terceiro grau vão achar que me infiltrei só para petiscar os croquetes e comer o semifrio de frutos vermelhos. “Então e tu, és filha de quem?” “Do carteiro, só pode...”
Carteiro
Não tenho semelhanças físicas, mas sim gasosas com os meus familiares
A genética é, de facto, uma coisa incrível! Contudo, no meu caso, a genética desempenha mais o papel de progenitor ausente, que se esquece do meu aniversário, não sabe o meu número de telemóvel e saca duas notas de vinte da carteira de pele quando está folgado e diz, “Para te divertires, mas não digas à tua mãe!”. As opiniões contradizem as semelhanças físicas que me unem aos meus pais. “Ai, tem os olhos do pai!” “Engraçado... No sorriso sai à mãe!” “Eu por acaso até acho que dá um ar da avó...” Calma, calma! O que é “um ar”?
É com esta expressão que reclamo as minhas independentes feições! Não tenho semelhanças físicas, mas sim gasosas com os meus familiares. Bebemos água da mesma garrafa e partilhamos o sofá, mas, visto de fora, a única parecença é o facto de respirarmos. Já coloquei a hipótese de ser adotada. Isso explicaria a minha inexplicável descoordenação para a cozinha, total desinteresse por documentários da RTP2 e vergonhosa incapacidade de dobrar a falangeta dos dedos da mão.
Penso que o aspeto mais intrigante nesta situação, para além de sentir que não pertenço a uma linhagem biologicamente una, de não passar de um feijão numa panela de favas, é o facto de possuir características bizarras, não visíveis a olho nu, explicadas pela genética. Ponto da situação: não existe uma correlação física, uma associação direta entre mim e os meus pais. No entanto, os genes que sobreviveram ao processo de seleção foram os desequilibrados, os manetas, os vesgos, os espanhóis. Não herdei os pés de princesa da minha mãe. Em vez disso, herdei os pés de um homem neozelandês, com um metro e noventa e sete de altura, que pertence a uma tribo nativa e abre amendoins com o mindinho. Não herdei os olhos verdes do meu avô.
Apostaram no segundo filho. “Epá não, não jogues a manilha já, que é cedo! Joga antes o seis de paus, que é palha, mas da altita, só para não dar uma de miserável...”. Não herdei o cabelo Whitney Houston da minha mãe. I have nothing, mas uma salganhada de pontas espigadas que se encontram em pé de guerra, num conflito político armado: “hoje sou liso mas o aglomerado de pelos atrás da orelha reivindicaram o direito de serem encaracolados.
Os protestantes albinos deslocam-se a ritmo acelerado e descaem a fronteira para a testa. O presidente já ameaçou lançar o spray hidratante de abacate nas pontas e garante que recorrerá à escova para cessar o conflito. Devolvo a emissão ao estúdio. João Paulo.” Não herdei o gémeo esculpido por Miguel Ângelo na perna do meu pai, o rebuscado humor ou a desconcertante paixão pela adrenalina dos desportos radicais. Fiquei com a unha do dedo grande com tendência para encravar, alergia aos pólenes e senilidade precoce (“Calma, onde é que deixei o cartão multibanco? A carteira? Epá, devo tê-la deixado no carro... Espera lá, alguém viu a chave do carro?”).
Eu sou aquele membro que em jantares de família tem de andar sempre acompanhada com alguém que prove a minha filiação, senão os tios em terceiro grau vão achar que me infiltrei só para petiscar os croquetes e comer o semifrio de frutos vermelhos. “Então e tu, és filha de quem?” “Do carteiro, só pode...”
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Em 2012, o psicólogo social Jonathan Haidt publicou a obra A Mente Justa: Porque as Pessoas Boas não se Entendem sobre Política e Religião. Esta obra é fundamental porque nos ajuda a compreender um dos dramas que assolam os países ocidentais, cujas democracias se estruturam, ainda hoje, pela dicotomia esquerda–direita. |
![]() Imagino que as últimas eleições terão sido oportunidade para belos e significativos encontros. Não é difícil pensar, sem ficar fora da verdade, que, em muitas empresas, patrões e empregados terão ambos votado no Chega. |
![]() "Hire a clown, get a circus" * Ele é antissistema. Prometeu limpar o aparelho político de toda a corrupção. Não tem filtros e, como o povo gosta, “chama os bois pelo nome”, não poupando pessoas ou entidades. |
![]() A eleição de um novo Papa é um acontecimento sempre marcante, apesar de se viver, na Europa, em sociedades cada vez mais estranhas ao cristianismo. Uma das grandes preocupações, antes, durante e após a eleição de Leão XIV, era se o sucessor de Francisco seria conservador ou progressista. |
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Direita e Esquerda, uma questão de sabores morais |