Entre o redil e o prado
"Em todos estes movimentos, que ocupam já o poder em grandes países, há desprezo ou mesmo um ódio declarado aos valores das Luzes."
Num dos artigos anteriores falou-se aqui do discurso do rancor que se desenvolve em Portugal. Esse discurso não é específico do nosso país, atinge os países ocidentais, nos quais, por um motivo ou outro, lavra uma cólera não disfarçada, um desejo de confronto cada vez maior, onde a normal divergência política ameaçar radicalizar-se, dividindo os campos entre amigos e inimigos. A desconfiança na democracia é grande, mesmo nos velhos baluartes do regime democrático como os EUA e o Reino Unido. No entanto, o que está em jogo, no actual ambiente, é muito mais do que um regime político.
Observe-se o movimento da Terra plana. Contra todas as evidências científicas, cresce um pouco por todo o lado uma opinião que quer contestar a forma esférica da Terra. Se fosse um acontecimento isolado, seria risível. Não é. Mais antigo e movido por razões religiosas, está o criacionismo que pretende ser uma teoria alternativa ao evolucionismo das espécies. Os criacionistas não lutam apenas contra a evidência científica, pretendem abolir a distinção fundamental entre ciência e religião, um dos pilares da modernidade. Só mais um exemplo, entre outros possíveis. O movimento antivacinas não põe em causa apenas a ciência, mas também a saúde pública, fazendo reaparecer doenças mortais praticamente erradicadas.
O desprezo pela democracia liberal e pelos direitos dos indivíduos não pode ser desligado destes movimentos anticientíficos. O que está em jogo em tudo isto é um ataque cada vez mais concertado à herança do Iluminismo. Certamente que este é criticável em alguns dos seus aspectos. No entanto, ele moldou aquilo que era, até há pouco, o ideal que guiava as sociedades democráticas e civilizadas: sermos pessoas livres, responsáveis pelo seu destino, racionais, comprometidas com a verdade do conhecimento. Em todos estes movimentos, que ocupam já o poder em grandes países, há desprezo ou mesmo um ódio declarado aos valores das Luzes.
O vigor com que as plebes democráticas ululam pelas redes sociais contra o mundo intelectual é o sinal do perigo em que vivemos. Talvez o programa iluminista, ao democratizar-se, tenha cometido um erro crucial. Muitos seres humanos não querem ser livres, não suportam o peso da responsabilidade individual e o imperativo de pensar por si mesmo para gerir a sua vida. Precisam de um pastor que os guarde e os dirija com mão de ferro. Parte significativa destas revoltas contraculturais e destes movimentos inorgânicos contra a democracia liberal poderão não ser mais do que o balir dos rebanhos chamando o pastor que, arrimado ao cajado, os conduza entre o redil e o prado.
Entre o redil e o prado
Em todos estes movimentos, que ocupam já o poder em grandes países, há desprezo ou mesmo um ódio declarado aos valores das Luzes.
Num dos artigos anteriores falou-se aqui do discurso do rancor que se desenvolve em Portugal. Esse discurso não é específico do nosso país, atinge os países ocidentais, nos quais, por um motivo ou outro, lavra uma cólera não disfarçada, um desejo de confronto cada vez maior, onde a normal divergência política ameaçar radicalizar-se, dividindo os campos entre amigos e inimigos. A desconfiança na democracia é grande, mesmo nos velhos baluartes do regime democrático como os EUA e o Reino Unido. No entanto, o que está em jogo, no actual ambiente, é muito mais do que um regime político.
Observe-se o movimento da Terra plana. Contra todas as evidências científicas, cresce um pouco por todo o lado uma opinião que quer contestar a forma esférica da Terra. Se fosse um acontecimento isolado, seria risível. Não é. Mais antigo e movido por razões religiosas, está o criacionismo que pretende ser uma teoria alternativa ao evolucionismo das espécies. Os criacionistas não lutam apenas contra a evidência científica, pretendem abolir a distinção fundamental entre ciência e religião, um dos pilares da modernidade. Só mais um exemplo, entre outros possíveis. O movimento antivacinas não põe em causa apenas a ciência, mas também a saúde pública, fazendo reaparecer doenças mortais praticamente erradicadas.
O desprezo pela democracia liberal e pelos direitos dos indivíduos não pode ser desligado destes movimentos anticientíficos. O que está em jogo em tudo isto é um ataque cada vez mais concertado à herança do Iluminismo. Certamente que este é criticável em alguns dos seus aspectos. No entanto, ele moldou aquilo que era, até há pouco, o ideal que guiava as sociedades democráticas e civilizadas: sermos pessoas livres, responsáveis pelo seu destino, racionais, comprometidas com a verdade do conhecimento. Em todos estes movimentos, que ocupam já o poder em grandes países, há desprezo ou mesmo um ódio declarado aos valores das Luzes.
O vigor com que as plebes democráticas ululam pelas redes sociais contra o mundo intelectual é o sinal do perigo em que vivemos. Talvez o programa iluminista, ao democratizar-se, tenha cometido um erro crucial. Muitos seres humanos não querem ser livres, não suportam o peso da responsabilidade individual e o imperativo de pensar por si mesmo para gerir a sua vida. Precisam de um pastor que os guarde e os dirija com mão de ferro. Parte significativa destas revoltas contraculturais e destes movimentos inorgânicos contra a democracia liberal poderão não ser mais do que o balir dos rebanhos chamando o pastor que, arrimado ao cajado, os conduza entre o redil e o prado.
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Em 2012, o psicólogo social Jonathan Haidt publicou a obra A Mente Justa: Porque as Pessoas Boas não se Entendem sobre Política e Religião. Esta obra é fundamental porque nos ajuda a compreender um dos dramas que assolam os países ocidentais, cujas democracias se estruturam, ainda hoje, pela dicotomia esquerda–direita. |
![]() Imagino que as últimas eleições terão sido oportunidade para belos e significativos encontros. Não é difícil pensar, sem ficar fora da verdade, que, em muitas empresas, patrões e empregados terão ambos votado no Chega. |
![]() "Hire a clown, get a circus" * Ele é antissistema. Prometeu limpar o aparelho político de toda a corrupção. Não tem filtros e, como o povo gosta, “chama os bois pelo nome”, não poupando pessoas ou entidades. |
![]() A eleição de um novo Papa é um acontecimento sempre marcante, apesar de se viver, na Europa, em sociedades cada vez mais estranhas ao cristianismo. Uma das grandes preocupações, antes, durante e após a eleição de Leão XIV, era se o sucessor de Francisco seria conservador ou progressista. |
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