Entre o redil e o prado
Opinião » 2020-02-08 » Jorge Carreira Maia"Em todos estes movimentos, que ocupam já o poder em grandes países, há desprezo ou mesmo um ódio declarado aos valores das Luzes."
Num dos artigos anteriores falou-se aqui do discurso do rancor que se desenvolve em Portugal. Esse discurso não é específico do nosso país, atinge os países ocidentais, nos quais, por um motivo ou outro, lavra uma cólera não disfarçada, um desejo de confronto cada vez maior, onde a normal divergência política ameaçar radicalizar-se, dividindo os campos entre amigos e inimigos. A desconfiança na democracia é grande, mesmo nos velhos baluartes do regime democrático como os EUA e o Reino Unido. No entanto, o que está em jogo, no actual ambiente, é muito mais do que um regime político.
Observe-se o movimento da Terra plana. Contra todas as evidências científicas, cresce um pouco por todo o lado uma opinião que quer contestar a forma esférica da Terra. Se fosse um acontecimento isolado, seria risível. Não é. Mais antigo e movido por razões religiosas, está o criacionismo que pretende ser uma teoria alternativa ao evolucionismo das espécies. Os criacionistas não lutam apenas contra a evidência científica, pretendem abolir a distinção fundamental entre ciência e religião, um dos pilares da modernidade. Só mais um exemplo, entre outros possíveis. O movimento antivacinas não põe em causa apenas a ciência, mas também a saúde pública, fazendo reaparecer doenças mortais praticamente erradicadas.
O desprezo pela democracia liberal e pelos direitos dos indivíduos não pode ser desligado destes movimentos anticientíficos. O que está em jogo em tudo isto é um ataque cada vez mais concertado à herança do Iluminismo. Certamente que este é criticável em alguns dos seus aspectos. No entanto, ele moldou aquilo que era, até há pouco, o ideal que guiava as sociedades democráticas e civilizadas: sermos pessoas livres, responsáveis pelo seu destino, racionais, comprometidas com a verdade do conhecimento. Em todos estes movimentos, que ocupam já o poder em grandes países, há desprezo ou mesmo um ódio declarado aos valores das Luzes.
O vigor com que as plebes democráticas ululam pelas redes sociais contra o mundo intelectual é o sinal do perigo em que vivemos. Talvez o programa iluminista, ao democratizar-se, tenha cometido um erro crucial. Muitos seres humanos não querem ser livres, não suportam o peso da responsabilidade individual e o imperativo de pensar por si mesmo para gerir a sua vida. Precisam de um pastor que os guarde e os dirija com mão de ferro. Parte significativa destas revoltas contraculturais e destes movimentos inorgânicos contra a democracia liberal poderão não ser mais do que o balir dos rebanhos chamando o pastor que, arrimado ao cajado, os conduza entre o redil e o prado.
Entre o redil e o prado
Opinião » 2020-02-08 » Jorge Carreira MaiaEm todos estes movimentos, que ocupam já o poder em grandes países, há desprezo ou mesmo um ódio declarado aos valores das Luzes.
Num dos artigos anteriores falou-se aqui do discurso do rancor que se desenvolve em Portugal. Esse discurso não é específico do nosso país, atinge os países ocidentais, nos quais, por um motivo ou outro, lavra uma cólera não disfarçada, um desejo de confronto cada vez maior, onde a normal divergência política ameaçar radicalizar-se, dividindo os campos entre amigos e inimigos. A desconfiança na democracia é grande, mesmo nos velhos baluartes do regime democrático como os EUA e o Reino Unido. No entanto, o que está em jogo, no actual ambiente, é muito mais do que um regime político.
Observe-se o movimento da Terra plana. Contra todas as evidências científicas, cresce um pouco por todo o lado uma opinião que quer contestar a forma esférica da Terra. Se fosse um acontecimento isolado, seria risível. Não é. Mais antigo e movido por razões religiosas, está o criacionismo que pretende ser uma teoria alternativa ao evolucionismo das espécies. Os criacionistas não lutam apenas contra a evidência científica, pretendem abolir a distinção fundamental entre ciência e religião, um dos pilares da modernidade. Só mais um exemplo, entre outros possíveis. O movimento antivacinas não põe em causa apenas a ciência, mas também a saúde pública, fazendo reaparecer doenças mortais praticamente erradicadas.
O desprezo pela democracia liberal e pelos direitos dos indivíduos não pode ser desligado destes movimentos anticientíficos. O que está em jogo em tudo isto é um ataque cada vez mais concertado à herança do Iluminismo. Certamente que este é criticável em alguns dos seus aspectos. No entanto, ele moldou aquilo que era, até há pouco, o ideal que guiava as sociedades democráticas e civilizadas: sermos pessoas livres, responsáveis pelo seu destino, racionais, comprometidas com a verdade do conhecimento. Em todos estes movimentos, que ocupam já o poder em grandes países, há desprezo ou mesmo um ódio declarado aos valores das Luzes.
O vigor com que as plebes democráticas ululam pelas redes sociais contra o mundo intelectual é o sinal do perigo em que vivemos. Talvez o programa iluminista, ao democratizar-se, tenha cometido um erro crucial. Muitos seres humanos não querem ser livres, não suportam o peso da responsabilidade individual e o imperativo de pensar por si mesmo para gerir a sua vida. Precisam de um pastor que os guarde e os dirija com mão de ferro. Parte significativa destas revoltas contraculturais e destes movimentos inorgânicos contra a democracia liberal poderão não ser mais do que o balir dos rebanhos chamando o pastor que, arrimado ao cajado, os conduza entre o redil e o prado.
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
Eleições, para que vos quero! - antónio mário santos » 2024-02-22 Quando me aborreço, mudo de canal. Vou seguindo os debates eleitorais televisivos, mas, saturado, opto por um filme no SYFY, onde a Humanidade tenta salvar com seus heróis americanizados da Marvel o planeta Terra, em vez de gramar as notas e as opiniões dos comentadores profissionais e partidocratas que se esfalfam na crítica ou no elogio do seu candidato de estimação. |
» 2024-02-28
» Hélder Dias
O Flautista de Hamelin... |
» 2024-03-08
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» 2024-03-18
» Hélder Dias
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» Pedro Ferreira
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