Reflexões sobre a posse da água - antónio mário santos
Opinião » 2024-05-25 » António Mário Santos
Passadas as comemorações do 50.º Aniversário do 25 de Abril, sobreveio a festa pagã da enunciação da Primavera, que a religião cristã transformou na 5ª feira da Ascensão de Cristo ao céu que é, nas cidades e vilas urbanas de significativo peso rural, feriado municipal.
Sou do tempo em que, na outrora vila, encerravam todos os seus estabelecimentos e, desde cedo, magotes de famílias, com seus farnéis, deslocavam-se nos meios de locomoção possíveis, azêmolas, burros, carroças, furgonetas das lojas comerciais e das pequenas e médias indústrias artesanais, para as quintas próximas, cedidas na altura pelos proprietários. Os casos mais célebres, as quintas do Marquês e a de S. Gião, mas atingia-se igualmente a quinta da Cardiga.
O mundo rural foi perdendo, nestes cinquenta anos de democracia, o peso que tinha na estrutura económica e social, substituído, devido às evidentes melhorias das condições introduzidas pela educação e saúde públicas, como pela municipalização administrativa do território, a favor das alterações estruturais do mundo urbano. Só que tal mudança, alienada pela universalidade velocíssima da informação dos meios televisivos, portáteis, telemóveis, redes sociais, transformou aquele numa sociedade de consumo, onde o ser humano se despersonalizou, numa mais procurada, essencial e manipulada mercadoria.
Não causa, por isso, espanto que, mesmo mantendo-se o dia da espiga como um feriado municipal de grande significado dum mundo antigo, agrário, onde a relação natureza-ser humano obedecia a uma sacralidade mista de respeito, mistério e fonte de experiência, a comunhão do indivíduo com o mundo rural se tenha esbatido, a um ponto tal que nas pequenas mas significativas manifestações da manutenção desse contacto, numa perspectiva de defesa da biosfera, estas despertem na administração pública, responsável pela cumprimento da legislação comunitária, nula adesão, silenciando os abusos e as ilegalidades do poder económico, não cumprindo as próprias determinações aprovadas pela sua Assembleia Municipal.
A consciência local uniformizou-se numa tabela do desperdício universal. Só vale o que garante, na civilização ocidental, tecnológica, colonizadora, o prazer individual. O conceito de proximidade e responsabilidade colectiva implodiu, ante o conceito do gozo da supremacia tecnológica e da posse. A lei do mais forte liquidou o direito da igualdade, que periga a supremacia do privilégio do usufruto reinante.
Conheço, de experiência feita e estudo, a história do rural e urbano concelhio e da importância da água para a sua existência como comunidade multissecular. Foi o seu rio, com as suas pequenas ribeiras, que lhe talharam a estrutura, ao longo da sua fixação e estruturação urbana, como polo de afluxo e distribuição das suas produções rurais.
Nunca vi a nascente dum rio, como a do Almonda, ser, em qualquer parte do planeta, assumida como posse de direito por uma sociedade privada. A documentação histórica concelhia mostra, ao longo de séculos, as muitas desventuras. benesses, abusos e malfeitorias que os privilegiados, desde o poder régio ao municipal, com o liberalismo dos privados, que o rio Almonda sofreu. Mas também consagrou os protestos do povo, que o usufruía e do qual retirava formas de sobrevivência.
Passaram os séculos, mudaram as suas formas de exploração, moagens, azenhas, moinhos, indústrias ao longo do seu curso. O rio continua a brotar das reservas calcárias da serra de Aire, creio que se manterá através dos séculos, ultrapassando as ambições e os abusos, os crimes ambientais e os desmandos dos interesses, a cumplicidade indiferente dos políticos, mantendo, da nascente a jusante, mesmo com possíveis e futuras alterações, uma entidade ambiental autónoma, livre, natural.
Nesse dia último da espiga, em que uma vez mais o poder económico neoliberal fez intervir na zona da nascente o controlo policial, ante um grupo pacífico de cidadãos comprometidos com a defesa da biosfera e ciosos do direito comunitário do usufruto da nascente do rio por significativa parte da sua comunidade concelhia, por não ter estado presente, desejo mostrar a minha solidariedade, podendo acrescentar-se o meu nome aos dos que estiveram no local.
O meu desconforto pela insónia angustiada a que chegou o sonho do Abril dos três Dês. 50 anos depois, não me impede de manter a exigência duma política administrativa municipal responsável pela defesa dos direitos públicos da sua comunidade. Mesmo céptico, já que, pela lavagem ao cérebro da redes sociais e comentadores de informação ao serviço dos poderes dos privilegiados, segundo a perspectiva de George Creel (in Público, 12/5), «as pessoas só prestam atenção ao incidente, ao cómico, ao sexy, ao curioso, já não ligam às ideias, às formas de fazer política e à velha arte de governar um país. É dramático! Seleccionar o político desta forma superficial só leva ao desgoverno».
Por muita adorno em que a festa da desinformação do privilégio adormece a consciência colectiva, há que acreditar na sabedoria dum velho adágio popular: «água mole em pedra dura tanto bate até que fura».
Reflexões sobre a posse da água - antónio mário santos
Opinião » 2024-05-25 » António Mário Santos
Passadas as comemorações do 50.º Aniversário do 25 de Abril, sobreveio a festa pagã da enunciação da Primavera, que a religião cristã transformou na 5ª feira da Ascensão de Cristo ao céu que é, nas cidades e vilas urbanas de significativo peso rural, feriado municipal.
Sou do tempo em que, na outrora vila, encerravam todos os seus estabelecimentos e, desde cedo, magotes de famílias, com seus farnéis, deslocavam-se nos meios de locomoção possíveis, azêmolas, burros, carroças, furgonetas das lojas comerciais e das pequenas e médias indústrias artesanais, para as quintas próximas, cedidas na altura pelos proprietários. Os casos mais célebres, as quintas do Marquês e a de S. Gião, mas atingia-se igualmente a quinta da Cardiga.
O mundo rural foi perdendo, nestes cinquenta anos de democracia, o peso que tinha na estrutura económica e social, substituído, devido às evidentes melhorias das condições introduzidas pela educação e saúde públicas, como pela municipalização administrativa do território, a favor das alterações estruturais do mundo urbano. Só que tal mudança, alienada pela universalidade velocíssima da informação dos meios televisivos, portáteis, telemóveis, redes sociais, transformou aquele numa sociedade de consumo, onde o ser humano se despersonalizou, numa mais procurada, essencial e manipulada mercadoria.
Não causa, por isso, espanto que, mesmo mantendo-se o dia da espiga como um feriado municipal de grande significado dum mundo antigo, agrário, onde a relação natureza-ser humano obedecia a uma sacralidade mista de respeito, mistério e fonte de experiência, a comunhão do indivíduo com o mundo rural se tenha esbatido, a um ponto tal que nas pequenas mas significativas manifestações da manutenção desse contacto, numa perspectiva de defesa da biosfera, estas despertem na administração pública, responsável pela cumprimento da legislação comunitária, nula adesão, silenciando os abusos e as ilegalidades do poder económico, não cumprindo as próprias determinações aprovadas pela sua Assembleia Municipal.
A consciência local uniformizou-se numa tabela do desperdício universal. Só vale o que garante, na civilização ocidental, tecnológica, colonizadora, o prazer individual. O conceito de proximidade e responsabilidade colectiva implodiu, ante o conceito do gozo da supremacia tecnológica e da posse. A lei do mais forte liquidou o direito da igualdade, que periga a supremacia do privilégio do usufruto reinante.
Conheço, de experiência feita e estudo, a história do rural e urbano concelhio e da importância da água para a sua existência como comunidade multissecular. Foi o seu rio, com as suas pequenas ribeiras, que lhe talharam a estrutura, ao longo da sua fixação e estruturação urbana, como polo de afluxo e distribuição das suas produções rurais.
Nunca vi a nascente dum rio, como a do Almonda, ser, em qualquer parte do planeta, assumida como posse de direito por uma sociedade privada. A documentação histórica concelhia mostra, ao longo de séculos, as muitas desventuras. benesses, abusos e malfeitorias que os privilegiados, desde o poder régio ao municipal, com o liberalismo dos privados, que o rio Almonda sofreu. Mas também consagrou os protestos do povo, que o usufruía e do qual retirava formas de sobrevivência.
Passaram os séculos, mudaram as suas formas de exploração, moagens, azenhas, moinhos, indústrias ao longo do seu curso. O rio continua a brotar das reservas calcárias da serra de Aire, creio que se manterá através dos séculos, ultrapassando as ambições e os abusos, os crimes ambientais e os desmandos dos interesses, a cumplicidade indiferente dos políticos, mantendo, da nascente a jusante, mesmo com possíveis e futuras alterações, uma entidade ambiental autónoma, livre, natural.
Nesse dia último da espiga, em que uma vez mais o poder económico neoliberal fez intervir na zona da nascente o controlo policial, ante um grupo pacífico de cidadãos comprometidos com a defesa da biosfera e ciosos do direito comunitário do usufruto da nascente do rio por significativa parte da sua comunidade concelhia, por não ter estado presente, desejo mostrar a minha solidariedade, podendo acrescentar-se o meu nome aos dos que estiveram no local.
O meu desconforto pela insónia angustiada a que chegou o sonho do Abril dos três Dês. 50 anos depois, não me impede de manter a exigência duma política administrativa municipal responsável pela defesa dos direitos públicos da sua comunidade. Mesmo céptico, já que, pela lavagem ao cérebro da redes sociais e comentadores de informação ao serviço dos poderes dos privilegiados, segundo a perspectiva de George Creel (in Público, 12/5), «as pessoas só prestam atenção ao incidente, ao cómico, ao sexy, ao curioso, já não ligam às ideias, às formas de fazer política e à velha arte de governar um país. É dramático! Seleccionar o político desta forma superficial só leva ao desgoverno».
Por muita adorno em que a festa da desinformação do privilégio adormece a consciência colectiva, há que acreditar na sabedoria dum velho adágio popular: «água mole em pedra dura tanto bate até que fura».
30 anos: o JT e a política - joão carlos lopes » 2024-09-30 » João Carlos Lopes Dir-se-ia que três décadas passaram num ápice. No entanto, foram cerca de 11 mil dias iguais a outros 11 mil dias dos que passaram e dos que hão-de vir. Temos, felizmente, uma concepção e uma percepção emocional da história, como se o corpo vivo da sociedade tivesse os mesmos humores da biologia humana. |
Não tenho nada para dizer - carlos tomé » 2024-09-23 » Carlos Tomé Quando se pergunta a alguém, que nunca teve os holofotes apontados para si, se quer ser entrevistado para um jornal local ou regional, ele diz logo “Entrevistado? Mas não tenho nada para dizer!”. Essa é a resposta que surge mais vezes de gente que nunca teve possibilidade de dar a sua opinião ou de contar um episódio da sua vida, só porque acha que isso não é importante, Toda a gente está inundada pelos canhenhos oficiais do que é importante para a nossa vida e depois dessa verdadeira lavagem ao cérebro é mais que óbvio que o que dizem que é importante está lá por cima a cagar sentenças por tudo e por nada. |
Três décadas a dar notícias - antónio gomes » 2024-09-23 » António Gomes Para lembrar o 30.º aniversário do renascimento do “Jornal Torrejano”, terei de começar, obrigatoriamente, lembrando aqui e homenageando com a devida humildade, o Joaquim da Silva Lopes, infelizmente já falecido. |
Numa floresta de lobos o Jornal Torrejano tem sido o seu Capuchinho Vermelho - antónio mário santos » 2024-09-23 » António Mário Santos Uma existência de trinta anos é um certificado de responsabilidade. Um jornal adulto. Com tarimba, memória, provas dadas. Nasceu como uma urgência local duma informação séria, transparente, num concelho em que a informação era controlada pelo conservadorismo católico e o centrismo municipal subsidiado da Rádio Local. |
Trente Glorieuses - carlos paiva » 2024-09-23 » Carlos Paiva Os gloriosos trinta, a expressão original onde me fui inspirar, tem pouco que ver com longevidade e muito com mudança, desenvolvimento, crescimento, progresso. Refere-se às três décadas pós segunda guerra mundial, em que a Europa galopou para se reconstruir, em mais dimensões que meramente a literal. |
30 anos contra o silêncio - josé mota pereira » 2024-09-23 » José Mota Pereira Nos cerca de 900 anos de história, se dermos como assente que se esta se terá iniciado com as aventuras de D. Afonso Henriques nesta aba da Serra de Aire, os 30 anos de vida do “Jornal Torrejano”, são um tempo muito breve. |
A dimensão intelectual da extrema-direita - jorge carreira maia » 2024-09-23 » Jorge Carreira Maia Quando se avalia o crescimento da extrema-direita, raramente se dá atenção à dimensão cultural. Esta é rasurada de imediato pois considera-se que quem apoia o populismo radical é, por natureza, inculto, crente em teorias da conspiração e se, por um acaso improvável, consegue distinguir o verdadeiro do falso, é para escolher o falso e escarnecer o verdadeiro. |
Falta poesia nos corações (ditos) humanos » 2024-09-19 » Maria Augusta Torcato No passado mês de agosto revisitei a peça de teatro de Bertolt Brecht “Mãe coragem”. O espaço em que a mesma foi representada é extraordinário, as ruínas do Convento do Carmo. A peça anterior a que tinha assistido naquele espaço, “As troianas”, também me havia suscitado a reflexão sobre o modo como as situações humanas se vão repetindo ao longo dos tempos. |
Ministro ou líder do CDS? » 2024-09-17 » Hélder Dias |
Olivença... » 2024-09-17 » Hélder Dias |
» 2024-09-09
» Hélder Dias
Bandidos... |
» 2024-09-19
» Maria Augusta Torcato
Falta poesia nos corações (ditos) humanos |
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» 2024-09-17
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