Jornal, virtual, viral
Opinião » 2014-09-25 » Miguel Vale de Almeida
Entre 1992 e 1996 tive uma crónica semanal no jornal Público, na sua edição dominical. As cónicas que ali escrevi ganharam – não gosto de falsas modéstias – alguma aceitação e relevo. Sei porquê. Em primeiro lugar pelo estilo e pela retórica. Nunca gostei de escrever ”à portuguesa”, num grande relambório de frases complicadas, invocando uma qualquer autoridade aristocrática das elites letradas. Se Miguel Esteves Cardoso já tinha inaugurado um estilo novo de escrita de opinião, eu recorri a algo de semelhante, mas aplicado a outros temas. E essa é a segunda razã escrever sobre política, escrever sobre o pequeno quotidiano (a partir de um olhar de antropólogo, até) e, sobretudo, escrever sobre género e sexualidade, com um tom e um estilo despreocupado, direto, sem autocensura e a partir de uma pulsão de liberdade, de recusa visceral do mofo e do bafio nacionais, resultou.
Mas eis que em 1996 uma reestruturação naquele jornal levou à cessação da minha colaboração – em circunstâncias aliás desagradáveis. Percebo hoje que foi o sinal do que aí vinha: uma espécie de liberalização geral de tudo que, na comunicação social, passaria pelo triunfo do negócio sobre a informação, da defesa de interesses sobre a pluralidade. O espaço para o intelectual público desaparecia, como o espaço para a busca de novas vozes, ambos substituídos pelos opinadores-funcionários, uma espécie de coleção de representantes de posicionamentos enquistados – nos partidos, nos interesses, e quase sempre puxando ao centro, um centro não só político, mas de consenso cultural.
Felizmente, nesse momento apareceu o uso generalizado da internet e durante muitos anos dedicar-me-ia a um blogue, depois de um breve período experimentando uma página pessoal. O tempo do boom dos blogues foi o tempo de uma curiosa democratização da opinião, mas operando em paralelo à comunicação social. Também aí houve, claro, ”transferências”, com algum bloguismo transitando para a opinião publicada autorizada e até mesmo para a política e a governação. Mais recentemente, o universo dos blogs esmoreceu e foi substituído em larga medida pelo Facebook. Toda uma outra coisa, claro, feita de redes de sociabilidade mais caóticas – no bom e no mau sentido -, que os blogues ainda funcionavam demasiado por ”tribos”. Aderi ao Facebook (não ao Twitter, que me parece parco e nervoso e sem possibilidade de verdadeira escrita), e muito, por ter percebido que ali – e ao contrário do que se pensa – não é preciso ficar prisioneiro da futilidade e do narcisismo. Pode-se criar a linguagem, tom, estilo e linha de conteúdo que se quiser, e assim substituir a crónica e o blogue. Mas sempre, e ainda, com a comunicação social funcionando em paralelo, em autarcia e isolamento.
Pelo caminho, o ”Torrejano”, justamente entre o ”Público” e o começo do blogue. Uma espécie de recusa, de auto-expulsão da capital do Império do Mal (o jornal de âmbito nacional), e antes de passar para o não-lugar internáutico e virtual de um blogue (e, mais tarde, o ”lugar viral” do Facebook). Alguém poderia ver isso, sobranceiramente, como um recuo, um refúgio, um remanso, um período nas termas ou na montanha mágica. Eu vi-o como um símbolo das sobreposições entre percurso individual e percurso de Portugal. Do jornal ao virtual ao viral, precisamos de opinião, em todas as frentes. E o jornal local ou regional tem esta característica extraordinária: o seu localismo impede-o de se perder no grande negócio de influências da imprensa nacional e permite-lhe ganhar características de rede e comunidade que só as redes sociais viriam a proporcionar às pessoas que, como eu, vivem sem uma geografia localizada e comunitária.
Jornal, virtual, viral
Opinião » 2014-09-25 » Miguel Vale de AlmeidaEntre 1992 e 1996 tive uma crónica semanal no jornal Público, na sua edição dominical. As cónicas que ali escrevi ganharam – não gosto de falsas modéstias – alguma aceitação e relevo. Sei porquê. Em primeiro lugar pelo estilo e pela retórica. Nunca gostei de escrever ”à portuguesa”, num grande relambório de frases complicadas, invocando uma qualquer autoridade aristocrática das elites letradas. Se Miguel Esteves Cardoso já tinha inaugurado um estilo novo de escrita de opinião, eu recorri a algo de semelhante, mas aplicado a outros temas. E essa é a segunda razã escrever sobre política, escrever sobre o pequeno quotidiano (a partir de um olhar de antropólogo, até) e, sobretudo, escrever sobre género e sexualidade, com um tom e um estilo despreocupado, direto, sem autocensura e a partir de uma pulsão de liberdade, de recusa visceral do mofo e do bafio nacionais, resultou.
Mas eis que em 1996 uma reestruturação naquele jornal levou à cessação da minha colaboração – em circunstâncias aliás desagradáveis. Percebo hoje que foi o sinal do que aí vinha: uma espécie de liberalização geral de tudo que, na comunicação social, passaria pelo triunfo do negócio sobre a informação, da defesa de interesses sobre a pluralidade. O espaço para o intelectual público desaparecia, como o espaço para a busca de novas vozes, ambos substituídos pelos opinadores-funcionários, uma espécie de coleção de representantes de posicionamentos enquistados – nos partidos, nos interesses, e quase sempre puxando ao centro, um centro não só político, mas de consenso cultural.
Felizmente, nesse momento apareceu o uso generalizado da internet e durante muitos anos dedicar-me-ia a um blogue, depois de um breve período experimentando uma página pessoal. O tempo do boom dos blogues foi o tempo de uma curiosa democratização da opinião, mas operando em paralelo à comunicação social. Também aí houve, claro, ”transferências”, com algum bloguismo transitando para a opinião publicada autorizada e até mesmo para a política e a governação. Mais recentemente, o universo dos blogs esmoreceu e foi substituído em larga medida pelo Facebook. Toda uma outra coisa, claro, feita de redes de sociabilidade mais caóticas – no bom e no mau sentido -, que os blogues ainda funcionavam demasiado por ”tribos”. Aderi ao Facebook (não ao Twitter, que me parece parco e nervoso e sem possibilidade de verdadeira escrita), e muito, por ter percebido que ali – e ao contrário do que se pensa – não é preciso ficar prisioneiro da futilidade e do narcisismo. Pode-se criar a linguagem, tom, estilo e linha de conteúdo que se quiser, e assim substituir a crónica e o blogue. Mas sempre, e ainda, com a comunicação social funcionando em paralelo, em autarcia e isolamento.
Pelo caminho, o ”Torrejano”, justamente entre o ”Público” e o começo do blogue. Uma espécie de recusa, de auto-expulsão da capital do Império do Mal (o jornal de âmbito nacional), e antes de passar para o não-lugar internáutico e virtual de um blogue (e, mais tarde, o ”lugar viral” do Facebook). Alguém poderia ver isso, sobranceiramente, como um recuo, um refúgio, um remanso, um período nas termas ou na montanha mágica. Eu vi-o como um símbolo das sobreposições entre percurso individual e percurso de Portugal. Do jornal ao virtual ao viral, precisamos de opinião, em todas as frentes. E o jornal local ou regional tem esta característica extraordinária: o seu localismo impede-o de se perder no grande negócio de influências da imprensa nacional e permite-lhe ganhar características de rede e comunidade que só as redes sociais viriam a proporcionar às pessoas que, como eu, vivem sem uma geografia localizada e comunitária.
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia » 2024-04-10 » Jorge Carreira Maia Existe, em Portugal, uma franja pequena do eleitorado que quer, deliberadamente, destruir a democracia, não suporta os regimes liberais, sonha com o retorno ao autoritarismo. Ao votar Chega, fá-lo racionalmente. Contudo, a explosão do eleitorado do partido de André Ventura não se explica por esse tipo de eleitores. |
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
» 2024-04-10
» Jorge Carreira Maia
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