A histeria e a hipocrisia
Opinião » 2014-11-21 » Ricardo Jorge Rodrigues
O ébola não é coisa nova. O vírus foi descoberto há 38 anos, precisamente em 1976, por uma equipa do Instituto de Medicina Tropical de Antuérpia. Nunca ninguém quis saber das consequências deste vírus mortal que ataca há décadas. Até que há alguns meses o vírus nos bateu à porta.
Gerou-se uma sensação de catástrofe mundial, numa cena digna de ser apresentada ao mundo pelo nosso Artur Albarran, que ficará para sempre gravado nas nossas memórias pela introdução fatalista com que nos apresentava as suas reportagens: ”o drama, a tragédia, o horror”.
E com este som de fundo fomos formatados para uma coisa que não existe: uma pandemia global. Não existe. Não quero exagerar ao ponto de afirmar que foi tudo um golpe de marketing, ao nível da Gripe A, mas há claramente um aproveitamento diss nas vendas de material hospitalar, na comercialização de produtos higiénicos e até – imaginem! – na venda de peluches com a forma do vírus. Existe um vírus mortal com quatro décadas que se espalhou além das fronteiras habituais, e foi isto que nos assustou. Porque estamos habituados ao nosso conforto e no hemisfério norte há este comodismo conveniente de vivermos bem com o mal do hemisfério sul.
O caos tem a particularidade de gerar mais caos. É contra producente. Apenas favorece, precisamente, quem espalha o caos. O pináculo desta histeria global teve os nossos vizinhos espanhóis como protagonistas. Quando se confirmou o contágio da enfermeira Teresa Romero as autoridades acharam por bem internar o seu marido e… assassinar o seu cão. Recuso-me a usar o termo abater porque esse usa-se em casos extremos e para poupar o animal a maior sofrimento. Uma espécie de eutanásia. Tudo o resto é um assassínio. O cão da enfermeira, de seu nome Excalibur, foi assassinado porque sim. Porque o homem acha-se superior a todas as outras espécies e revela um total desprezo e hipocrisia por aquilo que pode transtornar o seu conforto. O tiro que matou o Excalibur foi um tiro na nossa dignidade, foi a prova de que damos valor residual à condição animal, por mais leis e decretos que disfarcem essa evidência.
Por último, a hipocrisia.
Como referi, esta doença é familiar às autoridades mundiais desde 1976. Uma vida, portanto. Muitas outras vidas foram perdidas enquanto sacudimos por cima do ombro aquilo que não queremos ver.
Em quase quarenta anos desta doença registaram-se milhares de mortes em África e nunca ninguém quis saber. Nunca ninguém investiu para procurar uma cura, não eram enviados medicamentos experimentais para teste nem se geravam campanhas de solidariedade. Meia-dúzia de pessoas não-africanas foram infectadas e o mundo entra numa espécie de cataclismo sem retorno. E, dessas pessoas não-africanas infectadas, nenhuma morreu por uma eficaz actuação das autoridades. Esclarecedor, correcto?
Entretanto, em Portugal, com o aparecimento do vírus legionella parece que o ébola deixou de ser um problema mediático. A questão de fundo é esta: ou é um problema grave, ou não é. Se deixou repentinamente de ser uma preocupação, é porque não é um problema grave.
A certeza que fica de tudo isto é que o vírus mundial mais fácil de propagar é o da estupidez humana no espaço mediático, sobretudo quando as pessoas não se questionam e assumem tudo o que ouvem como factual.
A histeria e a hipocrisia
Opinião » 2014-11-21 » Ricardo Jorge RodriguesO ébola não é coisa nova. O vírus foi descoberto há 38 anos, precisamente em 1976, por uma equipa do Instituto de Medicina Tropical de Antuérpia. Nunca ninguém quis saber das consequências deste vírus mortal que ataca há décadas. Até que há alguns meses o vírus nos bateu à porta.
Gerou-se uma sensação de catástrofe mundial, numa cena digna de ser apresentada ao mundo pelo nosso Artur Albarran, que ficará para sempre gravado nas nossas memórias pela introdução fatalista com que nos apresentava as suas reportagens: ”o drama, a tragédia, o horror”.
E com este som de fundo fomos formatados para uma coisa que não existe: uma pandemia global. Não existe. Não quero exagerar ao ponto de afirmar que foi tudo um golpe de marketing, ao nível da Gripe A, mas há claramente um aproveitamento diss nas vendas de material hospitalar, na comercialização de produtos higiénicos e até – imaginem! – na venda de peluches com a forma do vírus. Existe um vírus mortal com quatro décadas que se espalhou além das fronteiras habituais, e foi isto que nos assustou. Porque estamos habituados ao nosso conforto e no hemisfério norte há este comodismo conveniente de vivermos bem com o mal do hemisfério sul.
O caos tem a particularidade de gerar mais caos. É contra producente. Apenas favorece, precisamente, quem espalha o caos. O pináculo desta histeria global teve os nossos vizinhos espanhóis como protagonistas. Quando se confirmou o contágio da enfermeira Teresa Romero as autoridades acharam por bem internar o seu marido e… assassinar o seu cão. Recuso-me a usar o termo abater porque esse usa-se em casos extremos e para poupar o animal a maior sofrimento. Uma espécie de eutanásia. Tudo o resto é um assassínio. O cão da enfermeira, de seu nome Excalibur, foi assassinado porque sim. Porque o homem acha-se superior a todas as outras espécies e revela um total desprezo e hipocrisia por aquilo que pode transtornar o seu conforto. O tiro que matou o Excalibur foi um tiro na nossa dignidade, foi a prova de que damos valor residual à condição animal, por mais leis e decretos que disfarcem essa evidência.
Por último, a hipocrisia.
Como referi, esta doença é familiar às autoridades mundiais desde 1976. Uma vida, portanto. Muitas outras vidas foram perdidas enquanto sacudimos por cima do ombro aquilo que não queremos ver.
Em quase quarenta anos desta doença registaram-se milhares de mortes em África e nunca ninguém quis saber. Nunca ninguém investiu para procurar uma cura, não eram enviados medicamentos experimentais para teste nem se geravam campanhas de solidariedade. Meia-dúzia de pessoas não-africanas foram infectadas e o mundo entra numa espécie de cataclismo sem retorno. E, dessas pessoas não-africanas infectadas, nenhuma morreu por uma eficaz actuação das autoridades. Esclarecedor, correcto?
Entretanto, em Portugal, com o aparecimento do vírus legionella parece que o ébola deixou de ser um problema mediático. A questão de fundo é esta: ou é um problema grave, ou não é. Se deixou repentinamente de ser uma preocupação, é porque não é um problema grave.
A certeza que fica de tudo isto é que o vírus mundial mais fácil de propagar é o da estupidez humana no espaço mediático, sobretudo quando as pessoas não se questionam e assumem tudo o que ouvem como factual.
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
Eleições, para que vos quero! - antónio mário santos » 2024-02-22 Quando me aborreço, mudo de canal. Vou seguindo os debates eleitorais televisivos, mas, saturado, opto por um filme no SYFY, onde a Humanidade tenta salvar com seus heróis americanizados da Marvel o planeta Terra, em vez de gramar as notas e as opiniões dos comentadores profissionais e partidocratas que se esfalfam na crítica ou no elogio do seu candidato de estimação. |
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