A doença das democracias liberais
Opinião » 2019-10-25 » Jorge Carreira Maia"É possível que estejamos a entrar numa fase de persistente retracção dos valores democráticos. O mais preocupante é que parece haver pouca capacidade para deter esta onde de irracionalidade. "
Em curta entrevista concedida este ano ao Estadão de S. Paulo, o cientista político Yascha Mounk, especialista na crise das democracias liberais, afirmava temer que não se esteja perante um mero episódio de populismo, mas a entrar numa era populista. Os líderes populistas ocupam já parte significativa dos governos em países ocidentais e quando os eleitores percebem que esse tipo de políticos é bem pior que os tradicionais, não volta às opções moderadas mas opta por populistas ainda mais radicais.
O romancista Amós Oz oferece duas razões plausíveis para a emergência desta crise universal das democracias. Uma primeira é a redução da política ao entretenimento. As pessoas votam porque querem divertir-se, excitar-se, querem novidade e escândalo, desligando o voto daquilo que vem a seguir. Se aceitarmos o argumento de Oz, podemos procurar as fontes que promoveram o entretenimento a factor cultural determinante das condutas políticas. A televisão e as redes sociais são uma dessas fontes, pois transformaram tudo em entretenimento, tornando-o no modelo da vida social. Outra vem da própria educação e da retórica contínua que a visa modernizar, substituindo o esforço e a superação pela busca de prazeres fáceis e recompensas imediatas, isto é, pelo entretenimento.
Uma segunda ideia do escritor israelita prende-se com a grande complexidade do mundo actual. A globalização ou a questão climática, por exemplo, são de tal maneira intrincadas que os eleitores não as compreendem. Os níveis de literacia do cidadão médio são insuficientes para lidar com a sociedade em que vive. A consequência é a eleição de políticos que oferecem soluções simples. Por norma, esses políticos escolhem um bode expiatório e acusam-no de todos os males que atormentam as pessoas. Esta mentira é agradável aos eleitores e estes, sem instrumentos para pensar e avaliar a realidade, optam pelo mais fácil e o que lhes parece mais agradável.
É possível que estejamos a entrar numa fase de persistente retracção dos valores democráticos. O mais preocupante é que parece haver pouca capacidade para deter esta onde de irracionalidade. Assistimos a um teste dos mais difíceis que se podem colocar às democracias representativas. Serem vítimas já não de golpes militares ou revoluções, mas dos seus próprios resultados. Os eleitores escolhem democraticamente aqueles que pervertem ou perverterão os regimes democráticos, como se o conjunto de direitos civis e políticos que estes regimes asseguram fossem irrelevâncias que se podem dispensar.
A doença das democracias liberais
Opinião » 2019-10-25 » Jorge Carreira MaiaÉ possível que estejamos a entrar numa fase de persistente retracção dos valores democráticos. O mais preocupante é que parece haver pouca capacidade para deter esta onde de irracionalidade.
Em curta entrevista concedida este ano ao Estadão de S. Paulo, o cientista político Yascha Mounk, especialista na crise das democracias liberais, afirmava temer que não se esteja perante um mero episódio de populismo, mas a entrar numa era populista. Os líderes populistas ocupam já parte significativa dos governos em países ocidentais e quando os eleitores percebem que esse tipo de políticos é bem pior que os tradicionais, não volta às opções moderadas mas opta por populistas ainda mais radicais.
O romancista Amós Oz oferece duas razões plausíveis para a emergência desta crise universal das democracias. Uma primeira é a redução da política ao entretenimento. As pessoas votam porque querem divertir-se, excitar-se, querem novidade e escândalo, desligando o voto daquilo que vem a seguir. Se aceitarmos o argumento de Oz, podemos procurar as fontes que promoveram o entretenimento a factor cultural determinante das condutas políticas. A televisão e as redes sociais são uma dessas fontes, pois transformaram tudo em entretenimento, tornando-o no modelo da vida social. Outra vem da própria educação e da retórica contínua que a visa modernizar, substituindo o esforço e a superação pela busca de prazeres fáceis e recompensas imediatas, isto é, pelo entretenimento.
Uma segunda ideia do escritor israelita prende-se com a grande complexidade do mundo actual. A globalização ou a questão climática, por exemplo, são de tal maneira intrincadas que os eleitores não as compreendem. Os níveis de literacia do cidadão médio são insuficientes para lidar com a sociedade em que vive. A consequência é a eleição de políticos que oferecem soluções simples. Por norma, esses políticos escolhem um bode expiatório e acusam-no de todos os males que atormentam as pessoas. Esta mentira é agradável aos eleitores e estes, sem instrumentos para pensar e avaliar a realidade, optam pelo mais fácil e o que lhes parece mais agradável.
É possível que estejamos a entrar numa fase de persistente retracção dos valores democráticos. O mais preocupante é que parece haver pouca capacidade para deter esta onde de irracionalidade. Assistimos a um teste dos mais difíceis que se podem colocar às democracias representativas. Serem vítimas já não de golpes militares ou revoluções, mas dos seus próprios resultados. Os eleitores escolhem democraticamente aqueles que pervertem ou perverterão os regimes democráticos, como se o conjunto de direitos civis e políticos que estes regimes asseguram fossem irrelevâncias que se podem dispensar.
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia » 2024-04-10 » Jorge Carreira Maia Existe, em Portugal, uma franja pequena do eleitorado que quer, deliberadamente, destruir a democracia, não suporta os regimes liberais, sonha com o retorno ao autoritarismo. Ao votar Chega, fá-lo racionalmente. Contudo, a explosão do eleitorado do partido de André Ventura não se explica por esse tipo de eleitores. |
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
» 2024-04-10
» Jorge Carreira Maia
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia |