O prazer de ir a lado nenhum
Opinião » 2019-09-28 » Jorge Carreira Maia"Cada romance traz com ele um mundo, diríamos um mundo potencial onde seria plausível imaginar pessoas de carne e osso a viver, carregadas com as suas expectativas, vitórias e o drama das derrotas."
O maior prazer daqueles que frequentam a literatura será o da deambulação, visitar lugares desconhecidos e confrontar-se com mundos inesperados, andar por aí sem ir a lado nenhum. Se quisermos uma prova sobre a existência de uma pluralidade de mundos, basta uma palavra: literatura. Cada romance traz com ele um mundo, diríamos um mundo potencial onde seria plausível imaginar pessoas de carne e osso a viver, carregadas com as suas expectativas, vitórias e o drama das derrotas. A poesia é ainda mais radical, pois cada poema, pequeno que seja, traz em si um universo. O que esses mundos da literatura possuem de especial é que a sua criação é feita a duas mãos. O escritor e o leitor que conclui no seu espírito a obra produzida pelo autor. Não há apenas um romance Os Maias ou um A Montanha Mágica. Há tantos quantos os leitores que, ao interpretarem os textos, os fazem viver sempre de forma singular.
Há quem diga que apenas lê os clássicos. A justificação que apresenta é pertinente. Como aquilo que há para ler é tanto e a esperança de vida tão curta, o mais ajuizado é dar atenção apenas ao que a tradição canonizou. No entanto, esta perspectiva impede-nos o prazer da descoberta, evita a experiência do erro, põe de lado toda uma riqueza literária que o tempo apagou. Se seguisse esse sábio conselho nunca teria descoberto Joaquim Paço de Arcos, nem estaria a ler Carlos Malheiro Dias. Este era visto, após a morte de Eça de Queiroz como o grande romancista português. O tempo não esteve de acordo, mas é um escritor que vale a pena ler. Tem um poder descritivo de grande alcance e precisão e não deixa de ecoar nos universos literários que constrói um ethos que desconhecemos.
Como dizia a princípio, o grande prazer é o da deambulação. E é isso que faço neste momento, indo entre Malheiros Dias, Filho das Ervas, e Anatole France, A Revolta dos Anjos, atravessando pelo meio os poetas Daniel Jonas, Canícula, Amândio Reis, Spinalonga, e Manuel Rodrigues, Anastática (em homenagem a Alberto Pimenta), sem esquecer os dois livros da Ivone Mendes da Silva, Dano e Virtude e A Mulher do Meio. O interesse desta errância é o da pluralidade das experiências que, enquanto leitor, sou submetido. Se apenas lesse aquilo que consta do cânone literário, talvez nem o Anatole France estivesse a ler. Não teria, contudo, o prazer de me perder por caminhos que se bifurcam, se opõem, se anulam e apagam, que, para dizer tudo, não vão a lado nenhum. E que prazer maior pode haver, num mundo onde toda a gente quer ir a algum lado, do que não ir a lado nenhum?
O prazer de ir a lado nenhum
Opinião » 2019-09-28 » Jorge Carreira MaiaCada romance traz com ele um mundo, diríamos um mundo potencial onde seria plausível imaginar pessoas de carne e osso a viver, carregadas com as suas expectativas, vitórias e o drama das derrotas.
O maior prazer daqueles que frequentam a literatura será o da deambulação, visitar lugares desconhecidos e confrontar-se com mundos inesperados, andar por aí sem ir a lado nenhum. Se quisermos uma prova sobre a existência de uma pluralidade de mundos, basta uma palavra: literatura. Cada romance traz com ele um mundo, diríamos um mundo potencial onde seria plausível imaginar pessoas de carne e osso a viver, carregadas com as suas expectativas, vitórias e o drama das derrotas. A poesia é ainda mais radical, pois cada poema, pequeno que seja, traz em si um universo. O que esses mundos da literatura possuem de especial é que a sua criação é feita a duas mãos. O escritor e o leitor que conclui no seu espírito a obra produzida pelo autor. Não há apenas um romance Os Maias ou um A Montanha Mágica. Há tantos quantos os leitores que, ao interpretarem os textos, os fazem viver sempre de forma singular.
Há quem diga que apenas lê os clássicos. A justificação que apresenta é pertinente. Como aquilo que há para ler é tanto e a esperança de vida tão curta, o mais ajuizado é dar atenção apenas ao que a tradição canonizou. No entanto, esta perspectiva impede-nos o prazer da descoberta, evita a experiência do erro, põe de lado toda uma riqueza literária que o tempo apagou. Se seguisse esse sábio conselho nunca teria descoberto Joaquim Paço de Arcos, nem estaria a ler Carlos Malheiro Dias. Este era visto, após a morte de Eça de Queiroz como o grande romancista português. O tempo não esteve de acordo, mas é um escritor que vale a pena ler. Tem um poder descritivo de grande alcance e precisão e não deixa de ecoar nos universos literários que constrói um ethos que desconhecemos.
Como dizia a princípio, o grande prazer é o da deambulação. E é isso que faço neste momento, indo entre Malheiros Dias, Filho das Ervas, e Anatole France, A Revolta dos Anjos, atravessando pelo meio os poetas Daniel Jonas, Canícula, Amândio Reis, Spinalonga, e Manuel Rodrigues, Anastática (em homenagem a Alberto Pimenta), sem esquecer os dois livros da Ivone Mendes da Silva, Dano e Virtude e A Mulher do Meio. O interesse desta errância é o da pluralidade das experiências que, enquanto leitor, sou submetido. Se apenas lesse aquilo que consta do cânone literário, talvez nem o Anatole France estivesse a ler. Não teria, contudo, o prazer de me perder por caminhos que se bifurcam, se opõem, se anulam e apagam, que, para dizer tudo, não vão a lado nenhum. E que prazer maior pode haver, num mundo onde toda a gente quer ir a algum lado, do que não ir a lado nenhum?
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
Eleições, para que vos quero! - antónio mário santos » 2024-02-22 Quando me aborreço, mudo de canal. Vou seguindo os debates eleitorais televisivos, mas, saturado, opto por um filme no SYFY, onde a Humanidade tenta salvar com seus heróis americanizados da Marvel o planeta Terra, em vez de gramar as notas e as opiniões dos comentadores profissionais e partidocratas que se esfalfam na crítica ou no elogio do seu candidato de estimação. |
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