Saudades da ditadura - jorge carreira maia
"Toda aquela desolação não se devia, nem de perto nem de longe, às condições tecnológicas da época..."
Das muitas fotografias que o fotógrafo francês Henri Cartier-Bresson fez no nosso país, no ano de 1955, há uma que diz muito sobre o regime político em que se vivia e o grau de atraso social e tecnológico que era o de Portugal. Não me refiro a qualquer das fotografias onde surgem miúdos de pés descalços, nem a nenhuma das que mostram as portuguesas vestidas de negro, como se vivessem um luto eterno, tão pouco a alguma onde se observam homens adultos vestidos com roupas que não são mais que um conjunto de remendos cozidos entre si. Deixemo-las de lado.
A fotografia a que me refiro é aquela em que se vê uma planície alentejana a perder de vista, rasgada por uma estrada – uma recta sem fim – em estado de conservação medíocre. De um dos lados da estrada, vê-se uma fileira de postes de electricidade. Do outro, muito ao longe, uma casa isolada. Os campos estão sem cultura alguma, talvez numa fase entre duas campanhas do trigo. Esta sensação de abandono que se desprende da paisagem alentejana pega-se aos olhos como se fosse uma infecção difícil de debelar. Nessa estrada infinita, vê-se, de costas, um casal num veículo. Não são, obviamente, trabalhadores rurais. Ele tem fato e chapéu à lavrador alentejano e ela está vestida com algum cuidado, onde se vê que procura mostrar uma elegância discreta. O veículo, porém, não é um automóvel descapotável, mas uma rudimentar carroça. Estávamos em 1955.
Esta fotografia diz muito do que era Portugal nesses tempos, dos quais parece que há por aí gente saudosíssima, embora nunca os tenha vivido. Aquele casal não era, certamente, composto por pessoas ligadas ao grande latifúndio, mas também não pertencia ao mundo da terrível pobreza – de passar fome – que devastava então o Alentejo. Faziam parte do que se podia considerar a classe média local da altura. Costuma-se dizer que nesses tempos até os ricos eram pobres. Embora não seja exactamente verdade no que diz respeito aos muito ricos, as classes médias, além de pequenas em número, viviam numa austeridade contínua que tocava uma pobreza envergonhada.
Toda aquela desolação não se devia, nem de perto nem de longe, às condições tecnológicas da época, mas a opções políticas que fecharam o país não apenas à democracia e ao debate de ideias, mas ao desenvolvimento científico, tecnológico e empresarial. Uma parte do país, mesmo em 1974, quase 20 anos depois da fotografia referida, vivia praticamente como na Idade Média. Quando as pessoas louvam a ditadura e estendem o lençol dos encómios ao professor Salazar, seria bom que tivessem consciência de que, muitas delas, se vivessem nesse tempo passariam fome e andariam descalças. Talvez seja isso que desejam experimentar.
Saudades da ditadura - jorge carreira maia
Toda aquela desolação não se devia, nem de perto nem de longe, às condições tecnológicas da época...
Das muitas fotografias que o fotógrafo francês Henri Cartier-Bresson fez no nosso país, no ano de 1955, há uma que diz muito sobre o regime político em que se vivia e o grau de atraso social e tecnológico que era o de Portugal. Não me refiro a qualquer das fotografias onde surgem miúdos de pés descalços, nem a nenhuma das que mostram as portuguesas vestidas de negro, como se vivessem um luto eterno, tão pouco a alguma onde se observam homens adultos vestidos com roupas que não são mais que um conjunto de remendos cozidos entre si. Deixemo-las de lado.
A fotografia a que me refiro é aquela em que se vê uma planície alentejana a perder de vista, rasgada por uma estrada – uma recta sem fim – em estado de conservação medíocre. De um dos lados da estrada, vê-se uma fileira de postes de electricidade. Do outro, muito ao longe, uma casa isolada. Os campos estão sem cultura alguma, talvez numa fase entre duas campanhas do trigo. Esta sensação de abandono que se desprende da paisagem alentejana pega-se aos olhos como se fosse uma infecção difícil de debelar. Nessa estrada infinita, vê-se, de costas, um casal num veículo. Não são, obviamente, trabalhadores rurais. Ele tem fato e chapéu à lavrador alentejano e ela está vestida com algum cuidado, onde se vê que procura mostrar uma elegância discreta. O veículo, porém, não é um automóvel descapotável, mas uma rudimentar carroça. Estávamos em 1955.
Esta fotografia diz muito do que era Portugal nesses tempos, dos quais parece que há por aí gente saudosíssima, embora nunca os tenha vivido. Aquele casal não era, certamente, composto por pessoas ligadas ao grande latifúndio, mas também não pertencia ao mundo da terrível pobreza – de passar fome – que devastava então o Alentejo. Faziam parte do que se podia considerar a classe média local da altura. Costuma-se dizer que nesses tempos até os ricos eram pobres. Embora não seja exactamente verdade no que diz respeito aos muito ricos, as classes médias, além de pequenas em número, viviam numa austeridade contínua que tocava uma pobreza envergonhada.
Toda aquela desolação não se devia, nem de perto nem de longe, às condições tecnológicas da época, mas a opções políticas que fecharam o país não apenas à democracia e ao debate de ideias, mas ao desenvolvimento científico, tecnológico e empresarial. Uma parte do país, mesmo em 1974, quase 20 anos depois da fotografia referida, vivia praticamente como na Idade Média. Quando as pessoas louvam a ditadura e estendem o lençol dos encómios ao professor Salazar, seria bom que tivessem consciência de que, muitas delas, se vivessem nesse tempo passariam fome e andariam descalças. Talvez seja isso que desejam experimentar.
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