A GRANDE PORTA DE KIEV - josé alves pererira
Opinião » 2022-06-18 » José Alves Pereira" “Que a imaginária “grande porta” possa ser franqueada pelos contendores, pondo termo ao actual conflito."
O conflito em curso na Ucrânia veio dar maior visibilidade à sua capital e sede de governo, Kiev. Como todos os cidadãos, vejo com uma sensação de perda a destruição das estruturas materiais e das vidas, mas igualmente das irreparáveis, no curto prazo, fracturas nas relações humanas. A cidade não me é totalmente desconhecida, mas a impressão que dela retenho é já um pouco difusa. Numa ou noutra imagem actual, penso reconhecer ainda alguns dos sítios por onde andei. É a umas velhas fotografias de 12,5x9 cm, reveladas em papel, que a memória se ampara para vaguear por essas recordações. Numa manhã de Setembro de 1976 chego à estação de comboios de Kiev integrando um grupo de trinta veraneantes numa mistura de turístico, político e cultural. Deixara Moscovo na véspera e no comboio cama fiz de noite os 756 quilómetros que separam as duas cidades. Hoje separa-as, infelizmente, muito mais que essa distância.
A diferença mais sentida à chegada foi a língua, que nos disseram ser em relação ao russo assim como o espanhol para o português. Não vai o meu saber tão longe pelo que tomo por vera a explicação.
Um pouco distante da cidade, visitámos locais que por este ou aquele motivo o justificavam, caso de um kolkhoze – propriedade agrícola estatal - onde se cultivava beterraba. A visita ao Palácio dos Pioneiros, com o olhar naquelas crianças que exercitavam os primeiros movimentos no ballet e outras pautas com as claves, bemóis e sustenidos. Num dia solarengo, sentei-me nas bancadas do estádio olímpico, base habitual do Dynamo de Kiev. De uma colina sobranceira, apreciávamos o largo e caudaloso rio Dnieper. Tudo tão distante já de um solo pisado há pouco mais de trinta anos pelos exércitos germano-fascistas, numa guerra cruenta e demolidora.
Nas instituições visitadas, trocavam-se impressões do que a cada um lembrava, mediadas por um intérprete, um jovem estudante de nome Iuri. Uma figura omnipresente era Taras Shevchenko (1814-1861) poeta, pintor, político, ucraniano. Dele, em várias partes do mundo, existem monumentos, um dos quais inaugurado no Restelo (Lisboa) em 2019. Pareceu-me Kiev uma urbe moderna, muito reconstruída após a II Guerra Mundial, que ali teve episódios dramáticos com a sua ocupação pelos exércitos nazis, entre Setembro 1941 e Novembro 1943. Anos dramáticos e mortíferos, com intensos combates entre as tropas soviéticas e o grosso das hordas nazi-fascistas do general Guderian que na região centro se dirigiam a Moscovo, travadas a escassos quilómetros da Praça Vermelha por uma heróica resistência.
Passados tantos anos e mudanças, é provável que Kiev fosse hoje mais cosmopolita, mas também mais potenciadora de desigualdades. Mas isso é outra história, que nos levaria às manifestações da Praça Maidan, em 2014, e ao início dos tempos sombrios que estamos a assistir. Com o músico russo Modest Mussorgky e a sua composição “Quadros de uma exposição”, relembramos Kiev através do tema que dá título a este texto. Após visitar uma amostra de desenhos e pinturas do seu amigo e arquitecto Viktor Hartmann (1934-1873), Mussorgky compõe uma suite em 15 movimentos em que caracteriza, através dos sons, promenades, sentimentos e impressões de viagens. “A grande porta de Kiev” será o trecho musical finalizador com um timbre e coloridos usados ao longo do tempo em arranjos e orquestrações.
Que a imaginária “grande porta” possa ser franqueada pelos contendores, pondo termo ao actual conflito e repondo o que for possível nas relações entre povos que tantos, demasiados, se esforçam por acirrar.
A GRANDE PORTA DE KIEV - josé alves pererira
Opinião » 2022-06-18 » José Alves Pereira“Que a imaginária “grande porta” possa ser franqueada pelos contendores, pondo termo ao actual conflito.
O conflito em curso na Ucrânia veio dar maior visibilidade à sua capital e sede de governo, Kiev. Como todos os cidadãos, vejo com uma sensação de perda a destruição das estruturas materiais e das vidas, mas igualmente das irreparáveis, no curto prazo, fracturas nas relações humanas. A cidade não me é totalmente desconhecida, mas a impressão que dela retenho é já um pouco difusa. Numa ou noutra imagem actual, penso reconhecer ainda alguns dos sítios por onde andei. É a umas velhas fotografias de 12,5x9 cm, reveladas em papel, que a memória se ampara para vaguear por essas recordações. Numa manhã de Setembro de 1976 chego à estação de comboios de Kiev integrando um grupo de trinta veraneantes numa mistura de turístico, político e cultural. Deixara Moscovo na véspera e no comboio cama fiz de noite os 756 quilómetros que separam as duas cidades. Hoje separa-as, infelizmente, muito mais que essa distância.
A diferença mais sentida à chegada foi a língua, que nos disseram ser em relação ao russo assim como o espanhol para o português. Não vai o meu saber tão longe pelo que tomo por vera a explicação.
Um pouco distante da cidade, visitámos locais que por este ou aquele motivo o justificavam, caso de um kolkhoze – propriedade agrícola estatal - onde se cultivava beterraba. A visita ao Palácio dos Pioneiros, com o olhar naquelas crianças que exercitavam os primeiros movimentos no ballet e outras pautas com as claves, bemóis e sustenidos. Num dia solarengo, sentei-me nas bancadas do estádio olímpico, base habitual do Dynamo de Kiev. De uma colina sobranceira, apreciávamos o largo e caudaloso rio Dnieper. Tudo tão distante já de um solo pisado há pouco mais de trinta anos pelos exércitos germano-fascistas, numa guerra cruenta e demolidora.
Nas instituições visitadas, trocavam-se impressões do que a cada um lembrava, mediadas por um intérprete, um jovem estudante de nome Iuri. Uma figura omnipresente era Taras Shevchenko (1814-1861) poeta, pintor, político, ucraniano. Dele, em várias partes do mundo, existem monumentos, um dos quais inaugurado no Restelo (Lisboa) em 2019. Pareceu-me Kiev uma urbe moderna, muito reconstruída após a II Guerra Mundial, que ali teve episódios dramáticos com a sua ocupação pelos exércitos nazis, entre Setembro 1941 e Novembro 1943. Anos dramáticos e mortíferos, com intensos combates entre as tropas soviéticas e o grosso das hordas nazi-fascistas do general Guderian que na região centro se dirigiam a Moscovo, travadas a escassos quilómetros da Praça Vermelha por uma heróica resistência.
Passados tantos anos e mudanças, é provável que Kiev fosse hoje mais cosmopolita, mas também mais potenciadora de desigualdades. Mas isso é outra história, que nos levaria às manifestações da Praça Maidan, em 2014, e ao início dos tempos sombrios que estamos a assistir. Com o músico russo Modest Mussorgky e a sua composição “Quadros de uma exposição”, relembramos Kiev através do tema que dá título a este texto. Após visitar uma amostra de desenhos e pinturas do seu amigo e arquitecto Viktor Hartmann (1934-1873), Mussorgky compõe uma suite em 15 movimentos em que caracteriza, através dos sons, promenades, sentimentos e impressões de viagens. “A grande porta de Kiev” será o trecho musical finalizador com um timbre e coloridos usados ao longo do tempo em arranjos e orquestrações.
Que a imaginária “grande porta” possa ser franqueada pelos contendores, pondo termo ao actual conflito e repondo o que for possível nas relações entre povos que tantos, demasiados, se esforçam por acirrar.
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia » 2024-04-10 » Jorge Carreira Maia Existe, em Portugal, uma franja pequena do eleitorado que quer, deliberadamente, destruir a democracia, não suporta os regimes liberais, sonha com o retorno ao autoritarismo. Ao votar Chega, fá-lo racionalmente. Contudo, a explosão do eleitorado do partido de André Ventura não se explica por esse tipo de eleitores. |
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
» 2024-04-10
» Jorge Carreira Maia
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia |