A sorte e o mérito - jorge carreira maia
"Uma vida conseguida é vista, por aqueles que triunfaram, como fruto do seu mérito"
Em entrevista ao Público, na semana passada, o realizador Woody Allen diz, a certa altura, “O que me aconteceu não foi por eu ser bom ou por ter qualidade, por vezes foi porque tive sorte. Quando comecei, ninguém queria que eu realizasse (cinema)”. Noutro passo, acrescenta: “Acho que o acaso desempenha um papel extremamente importante na nossa vida, muito maior do que as pessoas gostam de pensar”, e continua “É importante trabalhar, ter disciplina, concentrar-se, e isso ajuda. Mas também é preciso ter sorte para ter sucesso”. Na antiguidade clássica greco-latina, o papel da sorte era reconhecido de tal modo que tanto gregos como romanos lhe atribuíram uma deusa, Tykhe, para os primeiros, Fortuna, para os segundos. Era uma deusa caprichosa e cega. A fortuna era o resultado do acaso.
Esta arbitrariedade que une Woody Allen e os antigos, foi pressentida a partir do início da Idade Média, como irracional. A primeira forma de racionalização é a leitura da sorte não como o fruto do acaso, mas de um plano providencial de Deus para os homens. A inexplicabilidade da sorte ou do azar encontravam uma razão na vontade oculta de Deus. A certa altura do desenvolvimento das sociedades modernas, sob a influência do liberalismo, a sorte e o azar passaram a ter outra forma de racionalização e explicação: o mérito ou a falta dele. É o mérito que explica o facto de uns serem ricos e outros pobres. Uma vida conseguida é vista, por aqueles que triunfaram, como fruto do seu mérito e não da sorte ou de um plano divino. A isto chama-se, no jargão corrente, meritocracia, o poder daqueles que têm mérito.
O filósofo Michael Sandel, na sua análise do efeito corrosivo que a meritocracia tem na sociedade, chama, também ele, a atenção para o papel da sorte. Imagine-se o caso de Cristiano Ronaldo. Talentoso, trabalhador, disciplinado, o protótipo do mérito e não o resultado da sorte. Sandel faria a seguinte pergunta: e se Cristiano Ronaldo tivesse nascido, com todas essas qualidades e talentos, num mundo onde o futebol não fosse apreciado? Percebe-se que a narrativa meritocrática é, no mínimo, exagerada. Mesmo o talento e a força de vontade são mais herdados do que fruto de cada um. Isto não significa que se justifiquem sociedades igualitárias, mas que devemos tentar encontrar soluções que equilibrem as sociedades, evitando criar uma muralha entre aqueles que têm a sorte de ter as qualidades valorizadas num certo momento e os que não têm essa sorte, entre os que parecem ter mérito e os que parecem não o ter.
A sorte e o mérito - jorge carreira maia
Uma vida conseguida é vista, por aqueles que triunfaram, como fruto do seu mérito
Em entrevista ao Público, na semana passada, o realizador Woody Allen diz, a certa altura, “O que me aconteceu não foi por eu ser bom ou por ter qualidade, por vezes foi porque tive sorte. Quando comecei, ninguém queria que eu realizasse (cinema)”. Noutro passo, acrescenta: “Acho que o acaso desempenha um papel extremamente importante na nossa vida, muito maior do que as pessoas gostam de pensar”, e continua “É importante trabalhar, ter disciplina, concentrar-se, e isso ajuda. Mas também é preciso ter sorte para ter sucesso”. Na antiguidade clássica greco-latina, o papel da sorte era reconhecido de tal modo que tanto gregos como romanos lhe atribuíram uma deusa, Tykhe, para os primeiros, Fortuna, para os segundos. Era uma deusa caprichosa e cega. A fortuna era o resultado do acaso.
Esta arbitrariedade que une Woody Allen e os antigos, foi pressentida a partir do início da Idade Média, como irracional. A primeira forma de racionalização é a leitura da sorte não como o fruto do acaso, mas de um plano providencial de Deus para os homens. A inexplicabilidade da sorte ou do azar encontravam uma razão na vontade oculta de Deus. A certa altura do desenvolvimento das sociedades modernas, sob a influência do liberalismo, a sorte e o azar passaram a ter outra forma de racionalização e explicação: o mérito ou a falta dele. É o mérito que explica o facto de uns serem ricos e outros pobres. Uma vida conseguida é vista, por aqueles que triunfaram, como fruto do seu mérito e não da sorte ou de um plano divino. A isto chama-se, no jargão corrente, meritocracia, o poder daqueles que têm mérito.
O filósofo Michael Sandel, na sua análise do efeito corrosivo que a meritocracia tem na sociedade, chama, também ele, a atenção para o papel da sorte. Imagine-se o caso de Cristiano Ronaldo. Talentoso, trabalhador, disciplinado, o protótipo do mérito e não o resultado da sorte. Sandel faria a seguinte pergunta: e se Cristiano Ronaldo tivesse nascido, com todas essas qualidades e talentos, num mundo onde o futebol não fosse apreciado? Percebe-se que a narrativa meritocrática é, no mínimo, exagerada. Mesmo o talento e a força de vontade são mais herdados do que fruto de cada um. Isto não significa que se justifiquem sociedades igualitárias, mas que devemos tentar encontrar soluções que equilibrem as sociedades, evitando criar uma muralha entre aqueles que têm a sorte de ter as qualidades valorizadas num certo momento e os que não têm essa sorte, entre os que parecem ter mérito e os que parecem não o ter.
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