Nos ecos da festa do Avante! - josé alves pereira
"O privilégio do PCP foi ter-se tornado no alvo preferencial e único. "
Falemos da festa do Avante!, agora que a poeira assentou e o aranzel antidemocrático cessou, transferindo-se para outros acontecimentos. Não é tanto do evento em si mesmo, mas do contexto em que ele este ano se construiu e realizou. A história da festa começa a escrever-se em 1976 na antiga FIL, à Junqueira. Logo aí, teve que superar o rebentamento de uma bomba que, colocada num posto de energia eléctrica, quase impossibilitava a sua realização. Nos anos seguintes, por dificuldades na obtenção de espaços públicos, mudou-se para o Alto da Ajuda, depois Vale do Jamor, em seguida Loures e, finalmente, em 1990, na Quinta da Atalaia, sendo necessário comprar o terreno.
Ano após ano, voltavam a desinformação e a intriga, sonegando notícias e imagens, escondendo dos portugueses aquela que era (é) a mais expressiva manifestação político-cultural do Portugal de Abril. Isso deixava campo livre para os mais disparatados dislates do comentariado instalado na comunicação social. Onde puderam os portugueses tomar conhecimento de que ali se realizava, para uma assistência de milhares de pessoas, desde 2004, o maior espectáculo ao ar livre de música clássica? E as bienais de artes plásticas? E da cidade internacional, em que das delegações de várias partes do mundo, eram escolhidas, para notícia, as que podiam servir para alimentar preconceitos e campanhas ao serviço do imperialismo. E as dezenas de concertos, debates, exposições, feiras do livro e do disco, do Avanteatro, etc. etc.
Chegados a 2020, aos detractores da festa saiu-lhes a grande ocasião. O covid e a pandemia caiu sobre o país e passou a constituir o grande pretexto para descabeladas e reaccionárias ofensivas contra a democracia e as liberdades, cavalgando o medo, empurrando os cidadãos para guetos em que medrando o pânico mais fácil seria impor a selva dos lay offs, despedimentos e todos os atropelos às leis laborais.
Para impor este estado de coisas, e na previsão de um agravamento da situação económica do país, tornava-se necessário, para que sejam os trabalhadores, desempregados, reformados, precários, e outras camada da população a pagar a crise, que não houvesse resistência, que as organizações sindicais, políticas e partidárias que os representam se atemorizassem, fechassem no confinamento e deixassem o campo livre à ofensiva, que é bom recordar, teve precedentes.
A tentativa de impedir as comemorações do 25 de Abril na Assembleia da República e, logo a seguir, contra as manifestações do 1.º de Maio. Com mais de seis meses de antecedência e sempre ponderando a evolução da pandemia, se iniciou a construção da festa do Avante! e também começou a campanha para a denegrir, assente em duas linhas de força: um suposto privilégio do PCP, que não teria equivalência noutros sectores, o que era manifestamente falso. Uma busca, que nem necessitava de ser exaustiva, facilmente o comprovaria. O caso mais falado seria o dos grandes festivais de música, que só não se realizaram porque tendo que fazê-lo com as limitações da DGS, relativamente ao número de espectadores, tornavam-se economicamente inviáveis.
O privilégio do PCP foi ter-se tornado no alvo preferencial e único. Outra linha de força foi o perigo dos contágios do covid, como se os frequentadores da festa fossem mais irresponsáveis que os das praias, feiras do livro, peregrinações, touradas, etc. E foram caravanas, out doors com mensagens provocatórias colocados nas vias de acesso ao recinto da festa, petições, providências cautelares nos tribunais, campanhas para atemorizar moradores e comerciantes, sempre com a cobertura diligente das televisões que para muitas outras coisas nunca dispõem de meios.
A esta campanha se juntou Marcelo Rebelo de Sousa, pressionando a DGS e sugerindo que o problema não seria a questão sanitária, mas a “percepção pública do problema”. Um presidente reconhecido como produtor de factos políticos e bom conhecedor dos mecanismos da comunicação, finge ignorar como se constroem as percepções públicas. Podemos dar um exemplo. Noticiou a SIC que o The New York Times, em chamada de capa e fotos, que “Portugal vai ter uma festa de suicídio colectivo, chamada Avante, com 33000 convidados”. Logo Rui Rio (PSD) aproveitou para fazer críticas ao evento, dado o impacto negativo internacional na imagem do país. Havia apenas um “pequeno” senão: este The New York Times nunca existiu, foi criado nas redes sociais e divulgado pela SIC, sabendo que era falso, e que numa desculpa atabalhoada, mais tarde, reconheceu o “engano”.
Só que a “percepção” estava criada. Jornais que num dia anunciavam que a festa servia unicamente para salvar financeiramente o partido, no número seguinte declaravam que a mesma há anos só dava prejuízos. Ou que a mesma era uma contrapartida do governo para que o PCP aprovasse o próximo orçamento. Outros suscitavam invejas porque nem todos os artistas desempregados ali podiam actuar. E todos os dias a lengalenga se renovava.
Acabada a festa, que decorreu com a serenidade e a confraternização possíveis, emudeceram as cassandras. E tinham agora motivos para continuar. Quinze dias depois, um partido filofascista organiza uma convenção, mete 500 pessoas numa tenda, encostadas ombro a ombro, grande parte delas sem máscara e nem um sinal de percepção do perigo sanitário. No fundo, no fundo, é malta amiga!
Quem se situa no campo democrático e foi levado pela enxurrada da campanha antidemocrática dominante, ou pelo distanciamento da crítica sonsa, poderá questionar-se porque mobilizou a direita e a extrema-direita tantos esforços e meios para impedir a realização da festa. Talvez compreenda então que a festa do Avante! foi, no contexto actual, uma importante afirmação de responsabilidade, determinação, coragem, reafirmação de independência política e ideológica, e de insubmissão aos poderes económicos, financeiros e mediáticos.
Nos ecos da festa do Avante! - josé alves pereira
O privilégio do PCP foi ter-se tornado no alvo preferencial e único.
Falemos da festa do Avante!, agora que a poeira assentou e o aranzel antidemocrático cessou, transferindo-se para outros acontecimentos. Não é tanto do evento em si mesmo, mas do contexto em que ele este ano se construiu e realizou. A história da festa começa a escrever-se em 1976 na antiga FIL, à Junqueira. Logo aí, teve que superar o rebentamento de uma bomba que, colocada num posto de energia eléctrica, quase impossibilitava a sua realização. Nos anos seguintes, por dificuldades na obtenção de espaços públicos, mudou-se para o Alto da Ajuda, depois Vale do Jamor, em seguida Loures e, finalmente, em 1990, na Quinta da Atalaia, sendo necessário comprar o terreno.
Ano após ano, voltavam a desinformação e a intriga, sonegando notícias e imagens, escondendo dos portugueses aquela que era (é) a mais expressiva manifestação político-cultural do Portugal de Abril. Isso deixava campo livre para os mais disparatados dislates do comentariado instalado na comunicação social. Onde puderam os portugueses tomar conhecimento de que ali se realizava, para uma assistência de milhares de pessoas, desde 2004, o maior espectáculo ao ar livre de música clássica? E as bienais de artes plásticas? E da cidade internacional, em que das delegações de várias partes do mundo, eram escolhidas, para notícia, as que podiam servir para alimentar preconceitos e campanhas ao serviço do imperialismo. E as dezenas de concertos, debates, exposições, feiras do livro e do disco, do Avanteatro, etc. etc.
Chegados a 2020, aos detractores da festa saiu-lhes a grande ocasião. O covid e a pandemia caiu sobre o país e passou a constituir o grande pretexto para descabeladas e reaccionárias ofensivas contra a democracia e as liberdades, cavalgando o medo, empurrando os cidadãos para guetos em que medrando o pânico mais fácil seria impor a selva dos lay offs, despedimentos e todos os atropelos às leis laborais.
Para impor este estado de coisas, e na previsão de um agravamento da situação económica do país, tornava-se necessário, para que sejam os trabalhadores, desempregados, reformados, precários, e outras camada da população a pagar a crise, que não houvesse resistência, que as organizações sindicais, políticas e partidárias que os representam se atemorizassem, fechassem no confinamento e deixassem o campo livre à ofensiva, que é bom recordar, teve precedentes.
A tentativa de impedir as comemorações do 25 de Abril na Assembleia da República e, logo a seguir, contra as manifestações do 1.º de Maio. Com mais de seis meses de antecedência e sempre ponderando a evolução da pandemia, se iniciou a construção da festa do Avante! e também começou a campanha para a denegrir, assente em duas linhas de força: um suposto privilégio do PCP, que não teria equivalência noutros sectores, o que era manifestamente falso. Uma busca, que nem necessitava de ser exaustiva, facilmente o comprovaria. O caso mais falado seria o dos grandes festivais de música, que só não se realizaram porque tendo que fazê-lo com as limitações da DGS, relativamente ao número de espectadores, tornavam-se economicamente inviáveis.
O privilégio do PCP foi ter-se tornado no alvo preferencial e único. Outra linha de força foi o perigo dos contágios do covid, como se os frequentadores da festa fossem mais irresponsáveis que os das praias, feiras do livro, peregrinações, touradas, etc. E foram caravanas, out doors com mensagens provocatórias colocados nas vias de acesso ao recinto da festa, petições, providências cautelares nos tribunais, campanhas para atemorizar moradores e comerciantes, sempre com a cobertura diligente das televisões que para muitas outras coisas nunca dispõem de meios.
A esta campanha se juntou Marcelo Rebelo de Sousa, pressionando a DGS e sugerindo que o problema não seria a questão sanitária, mas a “percepção pública do problema”. Um presidente reconhecido como produtor de factos políticos e bom conhecedor dos mecanismos da comunicação, finge ignorar como se constroem as percepções públicas. Podemos dar um exemplo. Noticiou a SIC que o The New York Times, em chamada de capa e fotos, que “Portugal vai ter uma festa de suicídio colectivo, chamada Avante, com 33000 convidados”. Logo Rui Rio (PSD) aproveitou para fazer críticas ao evento, dado o impacto negativo internacional na imagem do país. Havia apenas um “pequeno” senão: este The New York Times nunca existiu, foi criado nas redes sociais e divulgado pela SIC, sabendo que era falso, e que numa desculpa atabalhoada, mais tarde, reconheceu o “engano”.
Só que a “percepção” estava criada. Jornais que num dia anunciavam que a festa servia unicamente para salvar financeiramente o partido, no número seguinte declaravam que a mesma há anos só dava prejuízos. Ou que a mesma era uma contrapartida do governo para que o PCP aprovasse o próximo orçamento. Outros suscitavam invejas porque nem todos os artistas desempregados ali podiam actuar. E todos os dias a lengalenga se renovava.
Acabada a festa, que decorreu com a serenidade e a confraternização possíveis, emudeceram as cassandras. E tinham agora motivos para continuar. Quinze dias depois, um partido filofascista organiza uma convenção, mete 500 pessoas numa tenda, encostadas ombro a ombro, grande parte delas sem máscara e nem um sinal de percepção do perigo sanitário. No fundo, no fundo, é malta amiga!
Quem se situa no campo democrático e foi levado pela enxurrada da campanha antidemocrática dominante, ou pelo distanciamento da crítica sonsa, poderá questionar-se porque mobilizou a direita e a extrema-direita tantos esforços e meios para impedir a realização da festa. Talvez compreenda então que a festa do Avante! foi, no contexto actual, uma importante afirmação de responsabilidade, determinação, coragem, reafirmação de independência política e ideológica, e de insubmissão aos poderes económicos, financeiros e mediáticos.
![]() Em meados da década de 60 do século passado, ainda o centro da então vila de Torres Novas pulsava ao ritmo das fábricas. Percorrendo-a, víamos também trabalhadores de pequenas oficinas e vários mesteres. |
![]() Votar é decidir, não votar é deixar a decisão que nos cabe nas mãos de outros. Uma verdade, tantas vezes repetida. No entanto, a abstenção tem mantido uma tendência ascendente nos vários actos eleitorais. |
![]() O funambulismo é uma arte circense que consiste em equilibrar-se, caminhando, saltando ou fazendo acrobacias sobre uma corda bamba ou um cabo metálico, esticados entre dois pontos de apoio. Ao funambulista cabe a difícil tarefa de chegar ao segundo ponto de apoio sem partir o pescoço. |
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É plausível afirmar que o corpo político, ao contrário do que aconteceu na primeira vaga da pandemia, não tem estado feliz na actual situação. Refiro-me ao Presidente da República, ao Primeiro-Ministro e aos dirigentes das várias oposições. |
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- Ó querida, sou tão bom. Mas tão bom que até vais trepar pelas paredes. - Ai sim? E como é que vais conseguir tal proeza? - Ora… Isso agora é cá comigo. Eu é que sei. |
![]() Sinto que estou sempre a dizer o mesmo, que os meus textos são repetições cíclicas dos mesmos assuntos e que estes são, só por si, repetições cíclicas e enfadonhas deles próprios. |
![]() Foi paradigmático o facto de, aquando da confirmação (pela enésima vez) da intenção do Governo em avançar com o TGV Lisboa/Porto, as únicas críticas, reparos ou protestos de autarcas da região terem tido por base a habitual choraminga do “também queremos o comboio ao pé da porta”. |
![]() Há uns meses, em circunstâncias que não vêm ao caso, tive o prazer de privar com José Luís Peixoto e a sua mulher, Patrícia Pinto. Foram dias muito agradáveis em que fiquei a conhecer um pouco da pessoa que está por trás do escritor. |
![]() Podemos dizer que um jogo de futebol sem público ou vida sem música é como um jardim sem flores. Não que um jardim sem flores deixe de ser um jardim. Acontece que, como no jogo de futebol, fica melhor se as tiver. Já se for uma sopa de feijão com couves que não tenha couves, a comparação com o jardim sem flores não funciona, pela singela razão de que uma sopa de feijão com couves que não tenha couves, sendo ainda sopa, sopa de feijão com couves não é de certeza. |
![]() Entrados na terceira década do século XXI, o Mundo dos humanos permanece o lugar povoado das injustiças, da desigualdade e do domínio de uns sobre os outros. Não é a mudança dos calendários que nos muda a vida. |
» 2021-01-12
» João Carlos Lopes
O TGV, o Ribatejo e o futuro das regiões - joão carlos lopes |
» 2021-01-10
» Inês Vidal
2021: uma vida que afaste a morte - inês vidal |
» 2021-01-10
» Jorge Carreira Maia
Uma visita à direita nacional - jorge carreira maia |
» 2021-01-10
» José Ricardo Costa
A Pilhagem - josé ricardo costa |
» 2021-01-23
» Inês Vidal
Eu voto, mas não gosto do rumo que isto leva - inês vidal |