ORA VIVA, SENHOR RADETZKY!
"Hoje, por muitos lados, a Marcha Radetzky perdeu a sua conotação ideológica e política para se transformar numa expressão vibrante e apoteótica no final de concertos"
A celebração de um concerto musical pelo Ano Novo é um ritual que, iniciado em Viena (1939), se estende hoje por muitas salas e cidades. O espectáculo da Filarmónica Vienense, na sala do Musikverein, com transmissão televisiva para milhões de pessoas, riqueza ambiente, bailados e uma lento vaguear pela sala, nos seus dourados, candelabros e frisas, exibe-se também na assistência, revivendo um certo um passado nostálgico do fausto aristocrático. Nas peças tocadas a família Strauss, entre pai e filhos, preenche quase todo o programa, com polcas e valsas, finalizando com a conhecida Marcha Radetzky, da autoria de Johann Strauss I (pai). Mas, antes passamos pelos ousados volteios da valsa mais conhecida, “Danúbio azul”, da autoria de Johann Strauss II (filho mais novo). Pai e filho situavam-se em campos opostos da luta social. O pai, monárquico conservador, defensor da velha ordem, o filho, republicano, enfileirando pelas correntes liberais e revolucionárias. Diz-se que um dia foi detido pelas autoridades porque tocou publicamente a Marselhesa. Situemo-nos agora no ponto em que a música se cruza com a história mais geral e onde vamos encontrar o “nosso” Radetzky.
A monarquia absolutista da França de Luís XVI é abalada nos seus fundamentos pela revolução (1789), lançando a sociedade num turbilhão de conflitualidade. As monarquias conservadoras tremiam perante os desejos de mudança da classe burguesa em ascensão: comerciantes, artesãos, profissões liberais e intelectuais, etc. Em 1815, o czar da Rússia, imperador da Áustria e rei da Prússia, assinam um pacto de Santa Aliança, a que aderem quase todos reis da Europa, como forma de ajuda mútua em caso de revoltas internas.
O ano de 1848 foi data charneira de múltiplos conflitos e movimentações revolucionárias que estalaram praticamente em todos os países da Europa Central e Oriental, com reis e governantes das monarquias absolutistas abdicando. A 22 de Fevereiro, em França, o rei Luís Filipe deixa a coroa e exila-se em Inglaterra. Seguem-se a Prússia, Hungria, Alemanha, Estados italianos e Polónia. Relembre-se que, já em 1820, se deram revoluções liberais em Portugal e Espanha. Neste ano de 48, era publicado em Londres o “Manifesto do Partido Comunista”, de Marx e Engels, que traria um aporte ideológico às lutas dos trabalhadores.
Na Áustria, no dia 13 de Março 1848, trabalhadores, artesãos, burgueses, estudantes, rebelaram-se fazendo tremer a monarquia militar dos Habsburgos e o poder opressivo e tirânico, com mais de 30 anos, do chanceler Klemens Metternich, levando à sua demissão e exílio para Inglaterra. O imperador Ferdinando I ainda tentou algumas reformas para aplacar as revoltas, mas acabou também por abdicar. A administração de Viena ficou entregue a uma comissão de 24 cidadãos. Mas a velha ordem, depois de várias cedências tácticas, retornou violenta e repressiva, comandada entre outras pelas tropas do marechal de campo Joseph Radetzky, senhor de um longo percurso de campanhas militares que lhe valeram 146 condecorações. Morreu em 1858, com 91 anos de idade. Para comemorar os feitos do velho Marechal, foi contratado Johann Strauss I (pai), que compõe a que ficou conhecida como Marcha Radetzky. Esquecida a sua génese, é tocada hoje no final dos concertos num sinal festivo de comunhão colectiva, com o maestro virado para o público marcando a cadência e a intensidade das palmas.
Mas assim não foi, este ano, no La Fenice (Veneza), transmitido no canal ARTE. Quase todo o programa foi preenchido com árias de óperas de Puccini e de Verdi, este como expoente máximo cantado do Risorgimento italiano. Numa primeira fase, o Risorgimento (1848-49) deu-se pela acção de vários movimentos revolucionários que pretendiam a unificação da Itália, na altura um aglomerado de pequenos Estados dominados por potências estrangeiras.
Estas acções deram-se principalmente no norte do país, sendo ocupante o exército da Áustria e o seu comandante, que infligiu pesadas baixas aos revoltosos, o marechal de campo Radestzky, que restaura a autoridade austríaca nas províncias italianas. Um dos derrotados foi o rei da Sardenha, Carlos Alberto de Sabóia, que abdicando, acabou exilado no Porto (Portugal). Talvez isto explique o programa do concerto de ano novo 2020, no La Fenice, e o “viva Itália” e “viva Veneza” gritados no final pelo maestro sul-coreano Myung-Whun Chung. Ali, música vienense e muito menos o Radestzki não entra(ra)m. Opção musical ou ressentimento histórico?
Hoje, por muitos lados, a Marcha Radetzky perdeu a sua conotação ideológica e política para se transformar numa expressão vibrante e apoteótica no final de concertos, seja na Viena aristocrática e burguesa, nos Proms do Albert Hall de Londres, nos espectáculos de André Rieu ou na mais proletária Festa do Avante. A música também pode contribuir para superar desencontros históricos.
ORA VIVA, SENHOR RADETZKY!
Hoje, por muitos lados, a Marcha Radetzky perdeu a sua conotação ideológica e política para se transformar numa expressão vibrante e apoteótica no final de concertos
A celebração de um concerto musical pelo Ano Novo é um ritual que, iniciado em Viena (1939), se estende hoje por muitas salas e cidades. O espectáculo da Filarmónica Vienense, na sala do Musikverein, com transmissão televisiva para milhões de pessoas, riqueza ambiente, bailados e uma lento vaguear pela sala, nos seus dourados, candelabros e frisas, exibe-se também na assistência, revivendo um certo um passado nostálgico do fausto aristocrático. Nas peças tocadas a família Strauss, entre pai e filhos, preenche quase todo o programa, com polcas e valsas, finalizando com a conhecida Marcha Radetzky, da autoria de Johann Strauss I (pai). Mas, antes passamos pelos ousados volteios da valsa mais conhecida, “Danúbio azul”, da autoria de Johann Strauss II (filho mais novo). Pai e filho situavam-se em campos opostos da luta social. O pai, monárquico conservador, defensor da velha ordem, o filho, republicano, enfileirando pelas correntes liberais e revolucionárias. Diz-se que um dia foi detido pelas autoridades porque tocou publicamente a Marselhesa. Situemo-nos agora no ponto em que a música se cruza com a história mais geral e onde vamos encontrar o “nosso” Radetzky.
A monarquia absolutista da França de Luís XVI é abalada nos seus fundamentos pela revolução (1789), lançando a sociedade num turbilhão de conflitualidade. As monarquias conservadoras tremiam perante os desejos de mudança da classe burguesa em ascensão: comerciantes, artesãos, profissões liberais e intelectuais, etc. Em 1815, o czar da Rússia, imperador da Áustria e rei da Prússia, assinam um pacto de Santa Aliança, a que aderem quase todos reis da Europa, como forma de ajuda mútua em caso de revoltas internas.
O ano de 1848 foi data charneira de múltiplos conflitos e movimentações revolucionárias que estalaram praticamente em todos os países da Europa Central e Oriental, com reis e governantes das monarquias absolutistas abdicando. A 22 de Fevereiro, em França, o rei Luís Filipe deixa a coroa e exila-se em Inglaterra. Seguem-se a Prússia, Hungria, Alemanha, Estados italianos e Polónia. Relembre-se que, já em 1820, se deram revoluções liberais em Portugal e Espanha. Neste ano de 48, era publicado em Londres o “Manifesto do Partido Comunista”, de Marx e Engels, que traria um aporte ideológico às lutas dos trabalhadores.
Na Áustria, no dia 13 de Março 1848, trabalhadores, artesãos, burgueses, estudantes, rebelaram-se fazendo tremer a monarquia militar dos Habsburgos e o poder opressivo e tirânico, com mais de 30 anos, do chanceler Klemens Metternich, levando à sua demissão e exílio para Inglaterra. O imperador Ferdinando I ainda tentou algumas reformas para aplacar as revoltas, mas acabou também por abdicar. A administração de Viena ficou entregue a uma comissão de 24 cidadãos. Mas a velha ordem, depois de várias cedências tácticas, retornou violenta e repressiva, comandada entre outras pelas tropas do marechal de campo Joseph Radetzky, senhor de um longo percurso de campanhas militares que lhe valeram 146 condecorações. Morreu em 1858, com 91 anos de idade. Para comemorar os feitos do velho Marechal, foi contratado Johann Strauss I (pai), que compõe a que ficou conhecida como Marcha Radetzky. Esquecida a sua génese, é tocada hoje no final dos concertos num sinal festivo de comunhão colectiva, com o maestro virado para o público marcando a cadência e a intensidade das palmas.
Mas assim não foi, este ano, no La Fenice (Veneza), transmitido no canal ARTE. Quase todo o programa foi preenchido com árias de óperas de Puccini e de Verdi, este como expoente máximo cantado do Risorgimento italiano. Numa primeira fase, o Risorgimento (1848-49) deu-se pela acção de vários movimentos revolucionários que pretendiam a unificação da Itália, na altura um aglomerado de pequenos Estados dominados por potências estrangeiras.
Estas acções deram-se principalmente no norte do país, sendo ocupante o exército da Áustria e o seu comandante, que infligiu pesadas baixas aos revoltosos, o marechal de campo Radestzky, que restaura a autoridade austríaca nas províncias italianas. Um dos derrotados foi o rei da Sardenha, Carlos Alberto de Sabóia, que abdicando, acabou exilado no Porto (Portugal). Talvez isto explique o programa do concerto de ano novo 2020, no La Fenice, e o “viva Itália” e “viva Veneza” gritados no final pelo maestro sul-coreano Myung-Whun Chung. Ali, música vienense e muito menos o Radestzki não entra(ra)m. Opção musical ou ressentimento histórico?
Hoje, por muitos lados, a Marcha Radetzky perdeu a sua conotação ideológica e política para se transformar numa expressão vibrante e apoteótica no final de concertos, seja na Viena aristocrática e burguesa, nos Proms do Albert Hall de Londres, nos espectáculos de André Rieu ou na mais proletária Festa do Avante. A música também pode contribuir para superar desencontros históricos.
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