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Transtorno Ciclotímico - josé ricardo costa

Opinião  »  2021-09-16 

"Pior fiquei ao ver inúmeros torrejanos a rir, sozinhos ou acompanhados, enquanto caminhavam pelo maquilhado asfalto da cidade"

Quando era novo, havia uma coleção de livros de capa preta dedicada à explicação de grandes enigmas, os quais, décadas antes do Ecstasy, já fritavam os cérebros de muitos jovens, dando aos respectivos córtex o poder intelectual de um ovo estrelado. Já a parte de dentro da minha cabeça borboleteava entre o materialismo dialéctico, o iluminismo francês e livros de divulgação científica, fugindo assim desses livros como de uma melancia farinhenta. Alguns deles eram igualmente maus, embora maus de maneira diferente, e diz quem sabe ser mais saudável um ovo escalfado, o meu caso, do que estrelado.

A panaceia teórica para muitos desses enigmas, eram os extraterrestres que, pequeninos e enfezadinhos, não podiam ter as costas largas para tanta acusação. Pirâmides do Egipto? Extraterrestres. Triângulo das Bermudas? Extraterrestres. Estátuas da Ilha da Páscoa? Extraterrestres. Linhas de Nazca, no Peru? Extraterrestres. As figuras moldadas em campos de trigo no Paraná? Extraterrestres. E eu lá ia encolhendo os ombros, derramando a minha indulgência sobre os enigmáticos processos mentais do homo sapiens.

Eis senão quando, recentemente, após algum tempo fora de Torres Novas, saio à rua e dou com umas bicicletas desenhadas no chão, acolitadas por esoteríssimos hieróglifos cuja perfeita regularidade não podia resultar de um botellón torrejano protagonizado por adolescentes não só parvos mas também etilizados. Apoquentado, eu bem queria entender mas das entranhas do meu espírito só saíam gaguejos, uma balbuciação mental que me afastava de qualquer resposta digna de um ser racional. Vencido pelo poder das trevas, senti então vacilar o meu longo e intrépido cepticismo para assim cair na tentação de pensar em novas Linhas de Nazca na fremente capital dos frutos secos, enfim, umas novas Linhas de Torres mas com marcianos no lugar dos franceses.

Pior fiquei ao ver inúmeros torrejanos a rir, sozinhos ou acompanhados, enquanto caminhavam pelo maquilhado asfalto da cidade. Será que, enquanto estive fora, a minha terra foi visitada por um gangue intergaláctico que lançou um vírus hilariante para cima dos meus conterrâneos? Desespero e lucidez não combinam e logo o vermelho e sonoro alarme do meu sistema límbico me ordenou que corresse de imediato para casa, fechasse a porta à chave, calafetasse as janelas e baixasse as persianas.

Só que o temerário ribatejano que há em mim implorava para desvendar tão insólito fenómeno. Temendo pela vida, aproximo-me de um conterrâneo que conhecia de vista e me parecia ser uma pessoa normal mas que agora não parava de rir. Já com falta de ar e calças molhadas, lá conseguiu muito a custo explicar o que se passava, sendo esse o motivo da sua incontinente hilaridade. E eis que desato também a rir, sem vislumbrar o momento em que iria parar, já temendo a ameaça de uma apoplexia. Embora com recaídas pelo meio, esse momento lá chegou e logo me senti dividido: aliviado por não se tratar de uma conspiração intergaláctica contra Torres Novas mas estarrecido por descobrir na sua origem autarcas no exercício das suas elevadas funções.

Qual médico da psique autárquica, passei ao diagnóstico. Terão os nossos autarcas descoberto Orwell, ficando a saber que se basta uma pequena cosmética semântica para que a guerra passe a ser paz, a liberdade se torne escravidão e a ignorância força, também bastará chamar ciclovia seja lá ao que for que tenha alcatrão, sei lá, uma auto-estrada, para que logo o distópico asfalto, infestado de automóveis e camiões, se transforme na terra do leite e do mel das bicicletas, trotinetas, patins, cadeiras de rodas e carrinhos de bebé? Uma pura e poética liberdade que permitirá chamar bico de beija-flor a um berbequim da Black&Decker, a mesma liberdade que fez Duchamp transformar um urinol numa das mais conhecidas obras de arte do século XX?

Fosse isso e seria caso para aplaudir a pulsão modernista de uma autarquia, uma compensação pelo negro e exaltado período das rotundas. Fosse isso e até se podia transformar numa ciclovia as escadinhas que vão da Praça 5 de Outubro para o castelo, bastando estampar nos degraus os mesmos hieróglifos e chamar-lhe “ciclovia”. E por que não uma ciclovia vertical nas muralhas do castelo? Uma bela homenagem ao velho Peço da Morte, onde, nos gloriosos tempos da Feira de Março, se desafiavam as leis da gravidade mas para velocípedes sem motor. E se é verdade que para a subida nem um Eddy Merckx dopado o conseguia, para descer todos os santos ajudam,

Mas trata-se de uma pista demasiado sofisticada para a qual seria preciso dar muito aos pedais. Não, na origem de tão desdourada ideia ciclística, e que torna os seus mentores inimputáveis, deverá estar uma situação de transtorno ciclotímico, uma espécie de versão gourmet da doença bipolar, na sua versão hipomaníaca. Uma pessoa pode andar apagada de ideias mas, como bem sabiam os velhos gregos, o entusiasmo tem o poder de escancarar os mais pesados portões do espírito sem recorrer a substâncias alucinogénicas.

Felizmente, há doenças que vêm por bem. Neste caso, permitiu, e irá continuar a permitir, aos torrejanos momentos de verdadeira boa disposição, uma espécie de riso contínuo que faz desaparecer a neura mais embirrenta, evitando-se assim muitas idas ao psiquiatra e à farmácia. Gasta-se na tinta, poupa-se no SNS.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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