A polémica das sobras ou as sobras da polémica - acácio gouveia
“É de sábios mudar de opinião”, Miguel Cervantes
O ruído provocado pelo uso de “sobras” da vacina anticovid merece-me alguns esclarecimentos, enquanto profissional envolvido no processo. Muitos dos comentários que têm vindo a público são injustos, ainda não dolosamente, já que são proferidos no desconhecimento da complexidade e exigência dos procedimentos desta vacina. Desde já fique assente que, por igualmente estar eu ignorante (e exclusivamente por este motivo) dos contornos do caso específico do vereador Carlos Ramos, me abstenho de tomar posição sobre esse episódio em particular.
Para que os leitores tenham uma ideia do que estamos a falar, começo por dizer que a simples manipulação de cada ampola desta vacina é executada por dois enfermeiros, caso único no que se refere a vacinas. De cada ampola podem ser retiradas seis doses, sendo necessária alguma perícia para não ficarmos pelas cinco. Estas doses, uma vez preparadas, devem ser administradas nos locais onde foram preparadas, não podendo ser transportadas para outros locais, sem tolerância para delongas. Assim sendo, os candidatos à vacinação deveriam ser agrupados em múltiplos de seis para evitar desperdícios de um bem que, além de caro, é escasso.
Na fase actual da vacinação, em que estamos a chamar a população para ser vacinada, é fácil agrupá-la em múltiplos de seis (ainda que, mesmo assim, tenhamos de contar com faltosos, ou utentes excluídos à entrada por apresentarem condições que desaconselhem vacinação). Contudo, aquando da campanha de vacinação em casas de acolhimento e instituições (a que gerou polémica), previsivelmente, só numa em cada seis encontraríamos grupos múltiplos de seis. Relembro que as “sobras” não se podiam guardar ou sequer transportar para outro local. Por outro lado, passar utentes de uma instituição para outra, com o fito de constituir grupos múltiplos de seis, está fora de questão em tempos de pandemia.
Perante estas apertadas regras restam duas soluções quando se verifica que a instituição em causa não apresenta uma lista de candidatos múltipla de seis (quase 83% das situações, segundo nos ensina a estatística mais básica): a primeira, inaceitável, desperdiçar um considerável número de doses de vacina; a segunda, planear o uso das chamadas “sobras” preenchendo os grupos não múltiplos de seis com outras pessoas exteriores ao universo dos seus utentes ou trabalhadores. Foi este o expediente usado para vacinar parte dos profissionais de saúde dos centros de saúde do ACES. Mas, como se nos deparam imprevistos no terreno, é frequente sobrarem uma ou duas doses que urge usar em alguém, se possível, pessoas preenchendo os critérios. Se tal não for possível, é licito aplicá-las na primeira pessoa elegível, independente de quaisquer critérios.
Em Torres Novas, vacinámos deste modo um pequeno número de bombeiros, antes mesmo do programado para esse grupo, ao contrário do que li na imprensa local. Insisto: não sendo possível cumprir prioridades, vacinar alguém, nem que seja a primeira pessoa que vá a passar na rua, é o correcto. Vacina desperdiçada não traz proveito aos putativos preteridos. Portanto, fica claro que a complexidade e relativa rapidez com que o processo de vacinação deve progredir entram em conflito com respeito pelos critérios de prioridades rígidos.
É óbvio que nada do que foi explicado dá cobertura a vários casos de ética muitíssimo duvidosa e que foram relatados pela comunicação social. Mas vacinar membros da direcção de instituições ou seus familiares não me parece condenável, antes de se esclarecer qual o seu grau de exposição a riscos ou se exercem voluntariado nesses locais. Quero dizer: não podemos meter no mesmo saco pessoas que, tudo leva a crer, foram incluídas abusivamente em listas de vacinação sem qualquer razão aceitável e aqueles que o foram por boas razões ou os que tendo em conta as circunstâncias, mais não fizeram que evitar desperdício.
Não posso terminar sem referir o desconsolo que este bruaá causou entre os profissionais dos cuidados de saúde primários. A vacinação contra a covid levada a cabo nas instituições de solidariedade social foi a mais complexa de todas, não se comparando às efectuadas nos hospitais, noutras instituições, ou a presente vacinação da população não institucionalizada. Exigiu um planeamento difícil e meticuloso, ao ponto de ter obrigado a providenciar refeições para as equipes no terreno, e envolveu todos os grupos de profissionais dos centros de saúde, com especial relevo para o sector da enfermagem. Implicou a articulação com a protecção civil (contrariamente ao que vi escrito), bombeiros e autarquia, que forneceu as instalações onde funcionou mais de 12 horas por dia um centro de comando indispensável ao bom prosseguimento das operações. Traduziu-se por um esforço suplementar para os cuidados de saúde primários. O profissionalismo e o sentido de responsabilidade com que todos, desde a direcção do ACES a todos os que actuaram no terreno, não esquecendo os elementos exteriores aos centros de saúde, se empenharam nesta operação foi ofuscado pela denúncia de uns tantos casos deploráveis e outros tantos injustamente a eles associados. Resumindo: da vaga, somente sobrou a espuma da polémica, o acessório.
A polémica das sobras ou as sobras da polémica - acácio gouveia
“É de sábios mudar de opinião”, Miguel Cervantes
O ruído provocado pelo uso de “sobras” da vacina anticovid merece-me alguns esclarecimentos, enquanto profissional envolvido no processo. Muitos dos comentários que têm vindo a público são injustos, ainda não dolosamente, já que são proferidos no desconhecimento da complexidade e exigência dos procedimentos desta vacina. Desde já fique assente que, por igualmente estar eu ignorante (e exclusivamente por este motivo) dos contornos do caso específico do vereador Carlos Ramos, me abstenho de tomar posição sobre esse episódio em particular.
Para que os leitores tenham uma ideia do que estamos a falar, começo por dizer que a simples manipulação de cada ampola desta vacina é executada por dois enfermeiros, caso único no que se refere a vacinas. De cada ampola podem ser retiradas seis doses, sendo necessária alguma perícia para não ficarmos pelas cinco. Estas doses, uma vez preparadas, devem ser administradas nos locais onde foram preparadas, não podendo ser transportadas para outros locais, sem tolerância para delongas. Assim sendo, os candidatos à vacinação deveriam ser agrupados em múltiplos de seis para evitar desperdícios de um bem que, além de caro, é escasso.
Na fase actual da vacinação, em que estamos a chamar a população para ser vacinada, é fácil agrupá-la em múltiplos de seis (ainda que, mesmo assim, tenhamos de contar com faltosos, ou utentes excluídos à entrada por apresentarem condições que desaconselhem vacinação). Contudo, aquando da campanha de vacinação em casas de acolhimento e instituições (a que gerou polémica), previsivelmente, só numa em cada seis encontraríamos grupos múltiplos de seis. Relembro que as “sobras” não se podiam guardar ou sequer transportar para outro local. Por outro lado, passar utentes de uma instituição para outra, com o fito de constituir grupos múltiplos de seis, está fora de questão em tempos de pandemia.
Perante estas apertadas regras restam duas soluções quando se verifica que a instituição em causa não apresenta uma lista de candidatos múltipla de seis (quase 83% das situações, segundo nos ensina a estatística mais básica): a primeira, inaceitável, desperdiçar um considerável número de doses de vacina; a segunda, planear o uso das chamadas “sobras” preenchendo os grupos não múltiplos de seis com outras pessoas exteriores ao universo dos seus utentes ou trabalhadores. Foi este o expediente usado para vacinar parte dos profissionais de saúde dos centros de saúde do ACES. Mas, como se nos deparam imprevistos no terreno, é frequente sobrarem uma ou duas doses que urge usar em alguém, se possível, pessoas preenchendo os critérios. Se tal não for possível, é licito aplicá-las na primeira pessoa elegível, independente de quaisquer critérios.
Em Torres Novas, vacinámos deste modo um pequeno número de bombeiros, antes mesmo do programado para esse grupo, ao contrário do que li na imprensa local. Insisto: não sendo possível cumprir prioridades, vacinar alguém, nem que seja a primeira pessoa que vá a passar na rua, é o correcto. Vacina desperdiçada não traz proveito aos putativos preteridos. Portanto, fica claro que a complexidade e relativa rapidez com que o processo de vacinação deve progredir entram em conflito com respeito pelos critérios de prioridades rígidos.
É óbvio que nada do que foi explicado dá cobertura a vários casos de ética muitíssimo duvidosa e que foram relatados pela comunicação social. Mas vacinar membros da direcção de instituições ou seus familiares não me parece condenável, antes de se esclarecer qual o seu grau de exposição a riscos ou se exercem voluntariado nesses locais. Quero dizer: não podemos meter no mesmo saco pessoas que, tudo leva a crer, foram incluídas abusivamente em listas de vacinação sem qualquer razão aceitável e aqueles que o foram por boas razões ou os que tendo em conta as circunstâncias, mais não fizeram que evitar desperdício.
Não posso terminar sem referir o desconsolo que este bruaá causou entre os profissionais dos cuidados de saúde primários. A vacinação contra a covid levada a cabo nas instituições de solidariedade social foi a mais complexa de todas, não se comparando às efectuadas nos hospitais, noutras instituições, ou a presente vacinação da população não institucionalizada. Exigiu um planeamento difícil e meticuloso, ao ponto de ter obrigado a providenciar refeições para as equipes no terreno, e envolveu todos os grupos de profissionais dos centros de saúde, com especial relevo para o sector da enfermagem. Implicou a articulação com a protecção civil (contrariamente ao que vi escrito), bombeiros e autarquia, que forneceu as instalações onde funcionou mais de 12 horas por dia um centro de comando indispensável ao bom prosseguimento das operações. Traduziu-se por um esforço suplementar para os cuidados de saúde primários. O profissionalismo e o sentido de responsabilidade com que todos, desde a direcção do ACES a todos os que actuaram no terreno, não esquecendo os elementos exteriores aos centros de saúde, se empenharam nesta operação foi ofuscado pela denúncia de uns tantos casos deploráveis e outros tantos injustamente a eles associados. Resumindo: da vaga, somente sobrou a espuma da polémica, o acessório.
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