Eugénio de Andrade
Opinião » 2018-01-30 » Jorge Carreira Maia"Ler poesia não é o mesmo que ler o jornal. Ela exige atenção e cuidado ao leitor"
Nos tempos que vivemos, quase ninguém lê poesia. Os poetas correm o risco de escrever uns para os outros, diz-se. Este estreitamento do público dever-se-á, é também o que se diz, à obscuridade crescente das linguagens poéticas, tendo-se cortado o fio que ligava a poesia àquilo que o homem esperava e espera da linguagem. É possível que assim seja. Por isso, neste texto trago uma espécie de contra-exemplo. A linguagem do poeta é de uma grande claridade, apesar do rigor com que cada palavra é colocada nos versos. Falo de Eugénio de Andrade.
O primeiro livro de poesia que comprei foi dele. Juntava, numa bela edição da Editorial Inova, os livros As Mãos e os Frutos, de 1948, e Os Amantes sem Dinheiro, de 1950. Não sei quantas vezes li aqueles poemas. Talvez tenha sido esse livro que me inclinou para as minhas pobres tentativas poéticas, talvez. “Nos teus dedos nasceram horizontes / e aves verdes vieram desvairadas / beber neles julgando serem fontes.” Como é que uma imaginação imatura, como era a minha naqueles anos longínquos, não haveria de ficar deslumbrada com versos como estes?
Dos poemas reunidos nessa edição, aquele que nesses verdes anos mais me marcou foi o poema Adeus. Para o leitor que não o conhece deixo a primeira estrofe: “Já gastámos as palavras pela rua, meu amor, / e o que ficou não chega / para afastar o frio de quatro paredes. / Gastámos tudo menos o silêncio. / Gastámos os olhos com o sal das lágrimas, / gastámos as mãos à força de as apertarmos, / gastámos o relógio e as pedras das esquinas / em esperas inúteis.” O que me atraiu no poema foi a combinação da musicalidade das palavras com a ideia de finitude. O amor também ele tem um fim e há uma música própria onde esse fim pode ser dito, um requiem que acaba por prolongar e sublimar aquilo que já morreu.
Toda a o poesia de Eugénio de Andrade é marcada por esta claridade aparente. Ela dialoga e interpela o leitor, atrai-o para o colocar, com ostinato rigore, perante o que é obscuro e enigmático. A claridade da linguagem é uma porta para o mistério do corpo, da natureza, do homem e do mundo que rumoreja em cada uma das suas palavras. Ler poesia não é o mesmo que ler o jornal. Ela exige atenção e cuidado ao leitor. Este, porém, se não tiver pressa e se deixar envolver pela música das palavras, vai descobrir alguma coisa de si mesmo e do mundo, para além do puro prazer do jogo poético. Iniciar-se na poesia com Eugénio de Andrade é entrar pela porta grande. “Assim eu queria o poema: / fremente de luz, áspero de terra, / rumoroso de águas e de vento.” Assim.
Eugénio de Andrade
Opinião » 2018-01-30 » Jorge Carreira MaiaLer poesia não é o mesmo que ler o jornal. Ela exige atenção e cuidado ao leitor
Nos tempos que vivemos, quase ninguém lê poesia. Os poetas correm o risco de escrever uns para os outros, diz-se. Este estreitamento do público dever-se-á, é também o que se diz, à obscuridade crescente das linguagens poéticas, tendo-se cortado o fio que ligava a poesia àquilo que o homem esperava e espera da linguagem. É possível que assim seja. Por isso, neste texto trago uma espécie de contra-exemplo. A linguagem do poeta é de uma grande claridade, apesar do rigor com que cada palavra é colocada nos versos. Falo de Eugénio de Andrade.
O primeiro livro de poesia que comprei foi dele. Juntava, numa bela edição da Editorial Inova, os livros As Mãos e os Frutos, de 1948, e Os Amantes sem Dinheiro, de 1950. Não sei quantas vezes li aqueles poemas. Talvez tenha sido esse livro que me inclinou para as minhas pobres tentativas poéticas, talvez. “Nos teus dedos nasceram horizontes / e aves verdes vieram desvairadas / beber neles julgando serem fontes.” Como é que uma imaginação imatura, como era a minha naqueles anos longínquos, não haveria de ficar deslumbrada com versos como estes?
Dos poemas reunidos nessa edição, aquele que nesses verdes anos mais me marcou foi o poema Adeus. Para o leitor que não o conhece deixo a primeira estrofe: “Já gastámos as palavras pela rua, meu amor, / e o que ficou não chega / para afastar o frio de quatro paredes. / Gastámos tudo menos o silêncio. / Gastámos os olhos com o sal das lágrimas, / gastámos as mãos à força de as apertarmos, / gastámos o relógio e as pedras das esquinas / em esperas inúteis.” O que me atraiu no poema foi a combinação da musicalidade das palavras com a ideia de finitude. O amor também ele tem um fim e há uma música própria onde esse fim pode ser dito, um requiem que acaba por prolongar e sublimar aquilo que já morreu.
Toda a o poesia de Eugénio de Andrade é marcada por esta claridade aparente. Ela dialoga e interpela o leitor, atrai-o para o colocar, com ostinato rigore, perante o que é obscuro e enigmático. A claridade da linguagem é uma porta para o mistério do corpo, da natureza, do homem e do mundo que rumoreja em cada uma das suas palavras. Ler poesia não é o mesmo que ler o jornal. Ela exige atenção e cuidado ao leitor. Este, porém, se não tiver pressa e se deixar envolver pela música das palavras, vai descobrir alguma coisa de si mesmo e do mundo, para além do puro prazer do jogo poético. Iniciar-se na poesia com Eugénio de Andrade é entrar pela porta grande. “Assim eu queria o poema: / fremente de luz, áspero de terra, / rumoroso de águas e de vento.” Assim.
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia » 2024-04-10 » Jorge Carreira Maia Existe, em Portugal, uma franja pequena do eleitorado que quer, deliberadamente, destruir a democracia, não suporta os regimes liberais, sonha com o retorno ao autoritarismo. Ao votar Chega, fá-lo racionalmente. Contudo, a explosão do eleitorado do partido de André Ventura não se explica por esse tipo de eleitores. |
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
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Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
» 2024-03-18
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