Os phones são outro fenómeno que revolucionou o modo como experienciamos a música
Opinião » 2019-03-22 » Ana Sentieiro
É com alguma indignação entrelaçada com revolta que exponho um assunto secundário numa panóplia de assuntos, dos quais, o salário do Ronaldo agarra o protagonismo e leva-o de férias para a Grécia no seu jato privado, com direito a champanhe e não espumante! Parece que ninguém está interessado em dar relevo à falta de cultura musical dos millennials.
É importante referir que pertenço orgulhosamente a este grupo geracional destinado à mediocridade das notas musicais. Porém, fui forçada a crescer num ambiente poluído pois os meus pais fumavam solos de guitarra dos Pink Floyd, agudos do Prince, batidas dos AC/DC, snifavam qualquer coisa com Rolling Stones, Foreigner ou The Police e mantinham a janela fechada para evitar qualquer interferência exterior na pura loucura que a música despertava.
Hoje entro no carro, ligo a rádio e salto de estação em estação ao ritmo de Led Zepplin à procura de fugir ao Diogo Piçarra, Fernando Daniel ou Annita. Entro no bar e tenho o Kevinho a servir bebidas, Shawn Mendes a limpar as casas de banho e Katy Perry a beijar o moreno atraente. A discoteca abarrota de animação e fracos passos de dança. O pessoal escorrega em letras intelectualmente pensadas e harmonias trabalhadas com exaustão. Será que as metáforas entraram em vias de extinção e os cantores ficaram restringidos a uma por álbum?
São cinco da manhã, o DJ quer encerrar a loja, a clientela já não sabe distinguir um brócolo de um alho francês: é altura de tocar I want to break free dos Queen e expulsar esta malta, com falta de gosto musical, daqui para fora!
Confesso que me entristece o sentido da corrente cultural, ao sabor da qual, todos nós, millennials, abanamos a cabeça e batemos o pé inconsciente. Sinto vergonha da herança que deixaremos às gerações futuras: pouca e má! Deixamos uma garrafinha de vinho barato, possivelmente um pouco azedo... Mas era entre isso ou um candeeiro fundido do ikea.
Não me parece justo! O universo deveria distribuir os prodígios musicais ao longo das gerações. Ao invés, fez chover um aglomerado deles entre os anos 60 e 80, deixando os restantes numa seca aborrecida e um pouco dolorosa. A culpa foi das Spice Girls! Os outfits coloridos e sensuais distraíram os músicos. Redefiniram o conceito de espetáculo, introduzindo dois novos instrumentos (glitter e padrão tigresa) e colocando os primogénitos de cordas, sopro e percussão no background, onde a luz é suave e a visibilidade não atrapalha as acrobáticas coreografias.
O engraçado é que nós, millennials, vestimos t-shirts com a icónica língua, a cara de Freddie Mercury, o emoji deformado com cruzes nos olhos e língua de fora, quatro tipos a passar na passadeira e o cabelo com condicionador do Kurt Cobain, e não sabemos conjugá-las com um casaco de soul, umas calças de groove ou um par de blues.
Penso que a própria materialidade da música influencia a sua criação e posterior absorção. Conto pelos dedos, o número de álbuns que tenho e que dormem sossegados na penúltima gaveta do móvel do meu quarto. Os meus pais, pelo contrário, decoram a parede do escritório com álbuns: originais, live e acústicos. Para eles, a música ouve-se no toque pois está no estado sólido: podem aquecer-se com ela, abraçá-la, atirá-la à cabeça do amigo estúpido ou polvilhar o arroz com ela. A música que oiço está na net: é um sistema prático e individualizado, no entanto, encontra-se no estado gasoso. O ponto de ebulição, neste caso, atingiu-se à temperatura Bill Gates.
Os phones são outro fenómeno que revolucionou o modo como experienciamos a música: coloco-os e ninguém repudiará a minha playlist, porque não a ouvem. Na época dos meus pais, a música ouvia-se alto e com total transparência. Estavam sujeitos ao julgamento social e, como tal, elevavam o seu nível musical, transformando-se em mestres versáteis e confiantes da área.
A diferença entre a minha geração e a dos meus pais não é uma gap...é, na verdade, um calabouço, com a largura de um vale e a profundidade de um poema de Fernando Pessoa. A passagem entre ambas é violenta: como se nos atirássemos de um penhasco e caíssemos de chapa nas águas gélidas do Atlântico, que se encontram paradas, criando uma superfície brutamente flat. O ouvido ficará irreversivelmente danificado. O lado positivo é que poderão sair à rua com umas leggings padrão tigresa e glitter na cara e, posteriormente, tirar uma selfie e partilhar nas redes sociais, acompanhada com uma batata à espanhola...Ai, desculpem, uma balada à espanhola!
Os phones são outro fenómeno que revolucionou o modo como experienciamos a música
Opinião » 2019-03-22 » Ana SentieiroÉ com alguma indignação entrelaçada com revolta que exponho um assunto secundário numa panóplia de assuntos, dos quais, o salário do Ronaldo agarra o protagonismo e leva-o de férias para a Grécia no seu jato privado, com direito a champanhe e não espumante! Parece que ninguém está interessado em dar relevo à falta de cultura musical dos millennials.
É importante referir que pertenço orgulhosamente a este grupo geracional destinado à mediocridade das notas musicais. Porém, fui forçada a crescer num ambiente poluído pois os meus pais fumavam solos de guitarra dos Pink Floyd, agudos do Prince, batidas dos AC/DC, snifavam qualquer coisa com Rolling Stones, Foreigner ou The Police e mantinham a janela fechada para evitar qualquer interferência exterior na pura loucura que a música despertava.
Hoje entro no carro, ligo a rádio e salto de estação em estação ao ritmo de Led Zepplin à procura de fugir ao Diogo Piçarra, Fernando Daniel ou Annita. Entro no bar e tenho o Kevinho a servir bebidas, Shawn Mendes a limpar as casas de banho e Katy Perry a beijar o moreno atraente. A discoteca abarrota de animação e fracos passos de dança. O pessoal escorrega em letras intelectualmente pensadas e harmonias trabalhadas com exaustão. Será que as metáforas entraram em vias de extinção e os cantores ficaram restringidos a uma por álbum?
São cinco da manhã, o DJ quer encerrar a loja, a clientela já não sabe distinguir um brócolo de um alho francês: é altura de tocar I want to break free dos Queen e expulsar esta malta, com falta de gosto musical, daqui para fora!
Confesso que me entristece o sentido da corrente cultural, ao sabor da qual, todos nós, millennials, abanamos a cabeça e batemos o pé inconsciente. Sinto vergonha da herança que deixaremos às gerações futuras: pouca e má! Deixamos uma garrafinha de vinho barato, possivelmente um pouco azedo... Mas era entre isso ou um candeeiro fundido do ikea.
Não me parece justo! O universo deveria distribuir os prodígios musicais ao longo das gerações. Ao invés, fez chover um aglomerado deles entre os anos 60 e 80, deixando os restantes numa seca aborrecida e um pouco dolorosa. A culpa foi das Spice Girls! Os outfits coloridos e sensuais distraíram os músicos. Redefiniram o conceito de espetáculo, introduzindo dois novos instrumentos (glitter e padrão tigresa) e colocando os primogénitos de cordas, sopro e percussão no background, onde a luz é suave e a visibilidade não atrapalha as acrobáticas coreografias.
O engraçado é que nós, millennials, vestimos t-shirts com a icónica língua, a cara de Freddie Mercury, o emoji deformado com cruzes nos olhos e língua de fora, quatro tipos a passar na passadeira e o cabelo com condicionador do Kurt Cobain, e não sabemos conjugá-las com um casaco de soul, umas calças de groove ou um par de blues.
Penso que a própria materialidade da música influencia a sua criação e posterior absorção. Conto pelos dedos, o número de álbuns que tenho e que dormem sossegados na penúltima gaveta do móvel do meu quarto. Os meus pais, pelo contrário, decoram a parede do escritório com álbuns: originais, live e acústicos. Para eles, a música ouve-se no toque pois está no estado sólido: podem aquecer-se com ela, abraçá-la, atirá-la à cabeça do amigo estúpido ou polvilhar o arroz com ela. A música que oiço está na net: é um sistema prático e individualizado, no entanto, encontra-se no estado gasoso. O ponto de ebulição, neste caso, atingiu-se à temperatura Bill Gates.
Os phones são outro fenómeno que revolucionou o modo como experienciamos a música: coloco-os e ninguém repudiará a minha playlist, porque não a ouvem. Na época dos meus pais, a música ouvia-se alto e com total transparência. Estavam sujeitos ao julgamento social e, como tal, elevavam o seu nível musical, transformando-se em mestres versáteis e confiantes da área.
A diferença entre a minha geração e a dos meus pais não é uma gap...é, na verdade, um calabouço, com a largura de um vale e a profundidade de um poema de Fernando Pessoa. A passagem entre ambas é violenta: como se nos atirássemos de um penhasco e caíssemos de chapa nas águas gélidas do Atlântico, que se encontram paradas, criando uma superfície brutamente flat. O ouvido ficará irreversivelmente danificado. O lado positivo é que poderão sair à rua com umas leggings padrão tigresa e glitter na cara e, posteriormente, tirar uma selfie e partilhar nas redes sociais, acompanhada com uma batata à espanhola...Ai, desculpem, uma balada à espanhola!
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
Eleições, para que vos quero! - antónio mário santos » 2024-02-22 Quando me aborreço, mudo de canal. Vou seguindo os debates eleitorais televisivos, mas, saturado, opto por um filme no SYFY, onde a Humanidade tenta salvar com seus heróis americanizados da Marvel o planeta Terra, em vez de gramar as notas e as opiniões dos comentadores profissionais e partidocratas que se esfalfam na crítica ou no elogio do seu candidato de estimação. |
» 2024-02-28
» Hélder Dias
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