Em suma, não se fotografa o que se come, come-se para fotografar.
Por estranho que pareça, houve um tempo em que se ia ao restaurante sobretudo para comer. Sim, também para conviver, comemorar, fazer negócios, mas sempre com o prazer da boa mesa como alvo. Nós, portugueses, para além de comer adoramos falar sobre o que comemos, nem que seja para lembrar, com a expressão lúbrica do lobo dos desenhos animados, o maravilhoso cabrito com grelos que comemos há 20 anos. Já ouvi estrangeiros a desabafar por causa do tempo que passamos a falar de comida, tendo eu de enfiar a carapuça por fazer parte do rol. Mas soubessem eles um bocadinho de Filosofia e calavam-se.
Um filósofo inglês escreveu um livro chamado How To Do Things Words para explicar precisamente que as palavras servem para dizer mas também podem servir para praticar acções. É verdade que deixou de fora conversas sobre comida mas isso explica-se por ele ser inglês e a gastronomia inglesa, ao contrário de tantas coisas boas que há por lá, que certamente não incluem o Boris Johnson, ser a tristeza que se sabe. Mas faria todo o sentido. Há momentos em que não podemos comer o que mais gostamos, o que acontece sobretudo depois de morrermos. Mas também porque nem sempre a comida está à mão de semear como acontece quando se está em Torres Novas e de repente se tem o desejo de uns rojões com papas de sarrabulho, ou porque são dez da manhã e não é a hora mais indicada para um ensopado de borrego como o da semana anterior. Mas cá está: quando três portuguese estão diante de um pires de tremoços a filosofar, recordando com salivar lascívia os rojões com papas de sarrabulho que os encheu de felicidade há oito anos em Ponte de Lima, ocorre um processo bioquímico no cérebro que induz um prazer gastronómico equivalente. E se dez da manhã não é hora para ensopadas ousadias, o enorme prazer em falar delas é reconfortante placebo cuja digestão enleva o espírito sem destrambelhar a tripa.
E não é por acaso. Outro filósofo, neste caso escocês, lembra que as sensações e as ideias têm o mesmo conteúdo, o que ajuda a explicar o que sinto quando falo daqueles doces escandalosamente enjoativos como a Coroa de Abadessa da pastelaria Alcoa ou as trouxas de ovos ali da Chamusca. Eu juro que estou a escrever isto e a sentir a água a crescer-me na boca mas como as ideias não enjoam fico livre para continuar com inócuas volúpias e poder passar longos e felizes momentos a falar sobre o assunto. Estamos pois entendidos no que diz respeito à mais do que legítima relação entre a linguagem e a comida.
Mas parece que estamos em vias de mudar de paradigma na relação entre comensal e comida, assistindo-se ao que Kant, noutro contexto, chamou “Revolução Copernicana”. Há tempos, recebi um mail do TripAdvisor que dizia: «José, estes 14 restaurantes são ótimos para postar no Instagram”. Fiquei estarrecido. Não por não ter Instagram mas por acontecer o mesmo que em tempos com a Astronomia quando passou de um modelo geocêntrico para um outro heliocêntrico. Agora, sim, entendo por que razão passei a ver com frequência pessoas que em vez de estarem regaladas a comer, estão regaladas a fotografar o que comem ou regaladas também a fotografarem-se a comer o que estão a fotografar. Em suma, não se fotografa o que se come, come-se para fotografar.
Perdoem-me a pureza patriótica mas esta gente não pode ser considerada verdadeiramente portuguesa, filhos de um país que deu ao mundo tantos maravilhosos pratos mas também com tanto português que lhes faz justiça, mimando o paladar ou ainda dissertando sobre eles em amena e gulosa cavaqueira. Tudo o resto é pura vaidade pós-moderna, conceito que há muito deixou de ter significado mas também é verdade que há coisas cujo significado mais vale querer esquecer. Neste caso, aproveitando a onda: comer para esquecer. Dizia-se que há as pessoas que comem para viver e outras que vivem para comer. Acrescente-se agora uma terceira espécie: as que comem para serem vistas a comer. Mal empregada comida, nozes dadas por Deus a quem não tem dentes: só olho e polegares.
Em suma, não se fotografa o que se come, come-se para fotografar.
Por estranho que pareça, houve um tempo em que se ia ao restaurante sobretudo para comer. Sim, também para conviver, comemorar, fazer negócios, mas sempre com o prazer da boa mesa como alvo. Nós, portugueses, para além de comer adoramos falar sobre o que comemos, nem que seja para lembrar, com a expressão lúbrica do lobo dos desenhos animados, o maravilhoso cabrito com grelos que comemos há 20 anos. Já ouvi estrangeiros a desabafar por causa do tempo que passamos a falar de comida, tendo eu de enfiar a carapuça por fazer parte do rol. Mas soubessem eles um bocadinho de Filosofia e calavam-se.
Um filósofo inglês escreveu um livro chamado How To Do Things Words para explicar precisamente que as palavras servem para dizer mas também podem servir para praticar acções. É verdade que deixou de fora conversas sobre comida mas isso explica-se por ele ser inglês e a gastronomia inglesa, ao contrário de tantas coisas boas que há por lá, que certamente não incluem o Boris Johnson, ser a tristeza que se sabe. Mas faria todo o sentido. Há momentos em que não podemos comer o que mais gostamos, o que acontece sobretudo depois de morrermos. Mas também porque nem sempre a comida está à mão de semear como acontece quando se está em Torres Novas e de repente se tem o desejo de uns rojões com papas de sarrabulho, ou porque são dez da manhã e não é a hora mais indicada para um ensopado de borrego como o da semana anterior. Mas cá está: quando três portuguese estão diante de um pires de tremoços a filosofar, recordando com salivar lascívia os rojões com papas de sarrabulho que os encheu de felicidade há oito anos em Ponte de Lima, ocorre um processo bioquímico no cérebro que induz um prazer gastronómico equivalente. E se dez da manhã não é hora para ensopadas ousadias, o enorme prazer em falar delas é reconfortante placebo cuja digestão enleva o espírito sem destrambelhar a tripa.
E não é por acaso. Outro filósofo, neste caso escocês, lembra que as sensações e as ideias têm o mesmo conteúdo, o que ajuda a explicar o que sinto quando falo daqueles doces escandalosamente enjoativos como a Coroa de Abadessa da pastelaria Alcoa ou as trouxas de ovos ali da Chamusca. Eu juro que estou a escrever isto e a sentir a água a crescer-me na boca mas como as ideias não enjoam fico livre para continuar com inócuas volúpias e poder passar longos e felizes momentos a falar sobre o assunto. Estamos pois entendidos no que diz respeito à mais do que legítima relação entre a linguagem e a comida.
Mas parece que estamos em vias de mudar de paradigma na relação entre comensal e comida, assistindo-se ao que Kant, noutro contexto, chamou “Revolução Copernicana”. Há tempos, recebi um mail do TripAdvisor que dizia: «José, estes 14 restaurantes são ótimos para postar no Instagram”. Fiquei estarrecido. Não por não ter Instagram mas por acontecer o mesmo que em tempos com a Astronomia quando passou de um modelo geocêntrico para um outro heliocêntrico. Agora, sim, entendo por que razão passei a ver com frequência pessoas que em vez de estarem regaladas a comer, estão regaladas a fotografar o que comem ou regaladas também a fotografarem-se a comer o que estão a fotografar. Em suma, não se fotografa o que se come, come-se para fotografar.
Perdoem-me a pureza patriótica mas esta gente não pode ser considerada verdadeiramente portuguesa, filhos de um país que deu ao mundo tantos maravilhosos pratos mas também com tanto português que lhes faz justiça, mimando o paladar ou ainda dissertando sobre eles em amena e gulosa cavaqueira. Tudo o resto é pura vaidade pós-moderna, conceito que há muito deixou de ter significado mas também é verdade que há coisas cujo significado mais vale querer esquecer. Neste caso, aproveitando a onda: comer para esquecer. Dizia-se que há as pessoas que comem para viver e outras que vivem para comer. Acrescente-se agora uma terceira espécie: as que comem para serem vistas a comer. Mal empregada comida, nozes dadas por Deus a quem não tem dentes: só olho e polegares.
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![]() O nosso major-general é uma versão pós-moderna do Pangloss de Voltaire, atestando que, no designado “mundo livre”, estamos no melhor possível, prontos para a vitória e não pode ser de outro modo. |
![]() “Pobre é o discípulo que não excede o seu mestre” Leonardo da Vinci
Mais do que rumor, é já certo que a IA é capaz de usar linguagem ininteligível para os humanos com o objectivo de ser mais eficaz. |
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Em 2012, o psicólogo social Jonathan Haidt publicou a obra A Mente Justa: Porque as Pessoas Boas não se Entendem sobre Política e Religião. Esta obra é fundamental porque nos ajuda a compreender um dos dramas que assolam os países ocidentais, cujas democracias se estruturam, ainda hoje, pela dicotomia esquerda–direita. |
![]() Imagino que as últimas eleições terão sido oportunidade para belos e significativos encontros. Não é difícil pensar, sem ficar fora da verdade, que, em muitas empresas, patrões e empregados terão ambos votado no Chega. |
![]() "Hire a clown, get a circus" * Ele é antissistema. Prometeu limpar o aparelho político de toda a corrupção. Não tem filtros e, como o povo gosta, “chama os bois pelo nome”, não poupando pessoas ou entidades. |
![]() A eleição de um novo Papa é um acontecimento sempre marcante, apesar de se viver, na Europa, em sociedades cada vez mais estranhas ao cristianismo. Uma das grandes preocupações, antes, durante e após a eleição de Leão XIV, era se o sucessor de Francisco seria conservador ou progressista. |
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